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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Uma inflação de 6,5% é alta para o Brasil?


Autor(es): Cristiane A. J. Schmidt
Valor Econômico - 09/06/2011

O sistema sustenta-se na credibilidade da sociedade de que a meta será cumprida.

A meta de inflação é de 4,5% no Brasil, com desvio de dois pontos percentuais para cima e para baixo. Em maio de 2011, a inflação acumulada em doze meses foi de 6,55%; e, em abril, de 6,51%. Ultrapassou-se, assim, o teto da meta. O Brasil está em apuros? 6,5% é uma inflação alta? O problema não é tanto o número em si, mas a natureza da inflação e as ações do governo no tocante ao seu combate.O sistema de metas de inflação, adotado em 1999, sustenta-se na credibilidade da sociedade de que a meta será cumprida ou, caso não seja, que será fortemente perseguida. Entre 2001 e 2003, por exemplo, a inflação permaneceu acima do teto da meta, mas já em 2003 acreditava-se que o Banco Central (BC) seria capaz de reduzi-la, como de fato o fez. Em 2006 ela era de 3,14% e em 2007, de 4,46%.

Em 2008/9, com a crise, o governo se antecipou e atuou rapidamente, dando estímulos fiscais e monetários. Em 2010, por outro lado, em vez de aproveitar a boa maré e fazer as necessárias reformas estruturais, como a fiscal, o governo preferiu manter aqueles estímulos para eleger a pouco conhecida candidata do PT.

Só em 2011, depois da vitória de Dilma, a política econômica começou a ser alterada. Infelizmente, porém, era tarde e o governo passou a correr atrás do prejuízo. O BC, composto majoritariamente por funcionários de carreira, passou a trazer mais uma incerteza: será que seguiria sendo independente na condução da política monetária? Nesse cenário de dúvidas, os preços das commodities, que já vinham aumentando no mercado internacional, começaram a afetar a inflação interna.

Foi aí que o governo vacilou e a sua credibilidade foi afetada adversamente, tanto no que concerne ao seu diagnóstico sobre as causas da inflação, quanto à sua disposição em combatê-la. Impossível ignorar o efeito na inflação devido à elevação dos preços das commodities, mas tampouco era questionável a forte inflação de demanda interna que passara a vigorar.

Ao invés de agir rapidamente, como na crise de 2008, ficou explícito que isso não aconteceria (tanto pela ata da primeira reunião do Copom de 2011, quanto pelo relatório de inflação de março). BC, Fazenda e a presidência passaram a afirmar que a inflação "só vinha de fora" e que para combatê-la era suficiente aumentar o depósito compulsório e introduzir medidas de contenção de crédito, ditas macroprudenciais. É inegável que instrumentos adicionais na guerra contra a inflação são bem-vindos, principalmente quando há pressão de commodities, porém, concomitantemente à política monetária clássica (alta de juro) e não alternativamente. Para piorar, a Fazenda foi explícita em dizer que fomentar investimento não afetaria a demanda agregada. Como não? Não só afeta, como há seu efeito multiplicador na economia. O ponto, vale esclarecer, não é que seja ruim estimular investimentos, pelo contrário, mas fazer um pronunciamento desse tipo. Gera dúvidas se o governo está fazendo a conta certa.

Embora tardiamente, mas com alívio, veio a ata do Copom (28/04), que mostrou preocupação do BC com a inflação de demanda e que a combateria, também, com política monetária tradicional. O lado ruim, no entanto, é que esta seria feita de forma gradual. Será que o BC não estaria subestimando a situação? Querer convergir para a meta somente em 2012, ainda que seja uma escolha legítima de um BC, pode gerar um crescimento baixo não só em 2011, mas também em 2012. O custo para a sociedade, assim, pode vir a ser ainda maior.

Vale lembrar que, pela definição usual, inflação ocorre quando há aumento persistente e generalizado dos preços. Com aumento de 14% do salário mínimo em 2012 (Lei 12.382), com o início dos dissídios salariais, sendo a economia brasileira bastante indexada e tendo que iniciar investimentos hoje para eventos como os da Copa e da Olimpíada, além dos relativos à "Minha casa, Minha vida" e aos setores de infraestrutura; pensar em arrefecimento da inflação em 2011 e convergência para 4,5% em 2012 é ser otimista. A inflação menor entre junho e agosto já era esperada, por isso não há razão para relaxar. Afinal, a acumulada em 12 meses segue alta.

Por outro lado, desde uma perspectiva da história econômica brasileira, é pelo menos interessante ver: 1) o Brasil discutindo inflação de 7% ao ano em vez de 2.477% (1993) ou de 1.973% (1989); 2) os agentes questionando metas de superávit primário do setor público; 3) empresários e governo formando um comitê para melhorar a gestão pública; 4) o rating do Brasil melhorando, assim como o aumento da entrada de divisas e, por último, 5) os países desenvolvidos em crise e os subdesenvolvidos sendo reverenciados.

Por isso, apesar de tudo, há razões para acreditar que o Brasil pode continuar sendo referência dentre os emergentes. Inflação de 6,5% não é um problema em si. A forma como o governo tem conduzido o tema é que a torna um número preocupante. É fato que a inflação (principalmente por ser de demanda) gera enorme desafio para o governo. Talvez, por isso mesmo, fosse o momento oportuno para ele atuar de forma mais contundente, revertendo definitivamente as expectativas dos agentes quanto à sua firmeza no combate a inflação. Ter superávit primário elevado não basta, se o mesmo resulta de aumento de impostos e diminuição de investimentos.

A sociedade quer reformas estruturais. Afinal, todos querem continuar vivendo em um país com estabilidade monetária. Há 15 anos (exceto o ano de 2002) tem-se inflação de menos de dois dígitos e certamente nenhum brasileiro deseja perder esse enorme ganho conquistado.

Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt é doutora em Economia pela EPGE/FGV, ex-secretária-adjunta da Seae/MF e professora da FGV.






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