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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cesare Battisti: a sua ficção o condena


Autor(es): Anthony Daniels
Veja - 06/06/2011

No próximo dia 8, o Supremo Tribunal Federal deverá decidir se o terrorista Cesare Battisti, condenado na Itália pelo assassinato de quatro pessoas, sentença confirmada pela Corte Europeia, tem o direito ou não de permanecer no Brasil. Independentemente da decisão a ser tomada pela corte constitucional brasileira – e espera-se que ela seja a de extraditá-lo para seu país de origem –, é fato indubitável que Battisti permanecerá um pária internacional. No artigo abaixo, o inglês Anthony Daniels faz uma análise do Battisti literato, demonstrando como, na condição de escritor, ele mostra a sua verdadeira face de assassino frio. Um verdadeiro psicopata.

O sentimentalismo associado à violência política de esquerda é, evidentemente, uma enfermidade ocidental, cuja manifestação mais óbvia é o culto a Che Guevara. Foi esse sentimentalismo intrinsecamente desonesto que protegeu Battisti por tantos anos na França. Apenas o sentimentalismo poderia tomá-lo digno de simpatia, embora não se possa duvidar de que é uma figura bem fora do comum.

Cesare Battisti nasceu em 1954 e tornou-se (por escolha, não por necessidade) um criminoso. Foi preso pela primeira vez aos 17 anos por furto; aos 20, foi preso mais uma vez por assalto a mão armada. No cárcere, converteu-se ao marxismo revolucionário, o Islã da época, sob a influência de um preso oriundo de uma família abastada chamado Arrigo Cavallina. Ao sair da prisão, juntou-se à célula de Cavallina, chamada Proletari Armati per il Comunismo (PAC), que contava cerca de sessenta membros. Passou, assim, sem solavancos do banditismo ao terrorismo.

Quando da sua prisão em 1979, foi acusado de haver feito parte de um grupo terrorista, acusação que nunca negou e pela qual recebeu uma sentença de doze anos, boa parte dos quais nunca cumpriu. Mais tarde, foi acusado de dois assassinatos e de cumplicidade em outros dois, o que nega, embora não exista dúvida de que os crimes foram cometidos pelo PAC.

Em 1981, o PAC conseguiu tirar Battisti da prisão. Ele então fugiu para a França e depois para o México, onde se misturou a círculos culturais radicais. Em 1990, voltou à França, acreditando que os tempos favoreciam o seu retorno. O socialista François Mitterrand era o presidente, e Mitterrand também tinha a sua necessidade de parecer benévolo para com os refugiados italianos de extrema esquerda.

Ao chegar à França pela segunda vez, Battisti fez algo que lhe angariou a simpatia da classe bien-pensante parisiense: fez-se escritor. Escreveu suspenses políticos que tiveram um sucesso considerável, especialmente na França, e que manifestavam um talento literário inesperado. Num país que reverencia a cultura talvez mais do que qualquer outro, esse talento basta para criar uma predisposição favorável para com aquele que o possui. Perdoam-se aos artistas pecados que seriam intoleráveis num açougueiro ou num padeiro.

O primeiro dos livros de Battisti, Les Habits d’Ombre, pode surpreender os leitores por parecer uma forma esquisita de o autor proclamar a sua inocência perante o mundo. Battisti sempre sustentou que nunca cometera os dois assassinatos pelos quais foi julgado in absentia nem fora cúmplice dos outros dois pelos quais foi sentenciado à prisão perpétua; mas em Les Habits d’Ombre, o protagonista, Claudio Raponi, tem uma trajetória muito semelhante à do próprio Battisti. Integrante de um grupo esquerdista, foge para a França e logo em seguida para o México, de onde volta anos mais tarde para a França. Nesse país, assassina um agente carcerário. Ora, um dos assassinatos do qual Battisti foi acusado é o de um agente carcerário.

Evidentemente, é um erro elementar confundir um personagem de romance com o autor do romance, mesmo quando o texto é bastante autobiográfico. Mas Battisti não era um romancista comum numa situação comum. Bem se poderia pensar que ele talvez devesse haver escolhido o seu tema com mais cuidado e tato, evitando, por exemplo, que o assassinato de um agente carcerário fosse um episódio do livro. De fato, estava confessando o crime e negando-o ao mesmo tempo, talvez para provocar ou ridicularizar esse estado burguês em cuja proteção ele se apoiava.

A descrição do assassinato do agente carcerário no seu livro sugere-nos algo da mentalidade de Battisti. O agente é morto a sangue-frio, sem receber mais consideração – talvez receba menos, na verdade – que uma barata que se esmaga contra o chão da cozinha. O protagonista, com quem o autor claramente simpatiza e espera que os seus leitores também o façam, não sofre nenhum efeito psicológico por causa do assassinato cometido e continua a sua vida como se tivesse acabado de postar uma carta no correio. O autor parece esperar que também o leitor deixe o incidente para trás.

Mas a essa atitude subjaz uma psicopatia. Para Battisti, parece inconcebível que o seu protagonista possa surgir aos olhos do leitor como um personagem profundamente antipático; ou que, dadas as circunstâncias em que estava, a escolha do enredo possa ser considerada de mau gosto. Por outro lado, ele tinha uma noção instintiva de que a classe intelectual francesa acudiria em sua defesa quando o governo italiano solicitou a extradição. Mesmo assim, em 2002, parecia provável que os tribunais franceses, apesar do movimento em seu favor, ordenariam a sua extradição; logo, ele fugiu para o Brasil.

O que mais impressiona com relação ao caso de Battisti é o fato de ele revelar, mais uma vez, como um importante e poderoso setor da intelligentsia de uma democracia liberal é capaz de oferecer a sua simpatia e o seu apoio à causa de uma pessoa cujos objetivos confessos eram destruir essa própria democracia liberal.

Os membros da intelligentsia veem Battisti como alguém que teve a coragem (que eles não tiveram) de agir segundo os ideais revolucionários de que eles próprios estavam convencidos na sua juventude; assim, não podem condená-lo com sinceridade sem condenar a sua própria vida passada. Por sua vez, isso implicaria admitir a possibilidade de o seu idealismo da juventude não ter sido bem isso, mas apenas a arrogância e o egoísmo juvenis postos a serviço do mal; a condenação viria inevitavelmente acompanhada de uma reavaliação do próprio caráter e da própria vida. E, se há algo de que o homem moderno foge mais que da peste bubônica, é do exame de consciência.

O inglês Anthony Daniels é psiquiatra e escritor. O artigo estampado nestas páginas é parte de um ensaio a ser publicado pela revista cultural Dicta&Contradicta que chega às livrarias no dia 17 de junho, da qual Daniels é colaborador regular.







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