Autor(es): Leonardo Coutinho |
Veja - 06/06/2011 |
Acuado por indagações sobre seu enriquecimento e pressionado pelo próprio partido, Palocci agora tem de explicar por que aluga um apartamento que formalmente pertence a uma empresa de fachada
Peça-chave do governo Dilma Rousseff, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, perdeu sustentação. Palocci entrou em parafuso há vinte dias, quando se descobriu que ele havia conciliado suas atividades como deputado, coordenador da campanha eleitoral da presidente da República e seu principal assessor com a de homem de negócios. O ministro revelou sua, digamos, dupla militância depois que o jornal Folha de S.Paulo noticiou que, em 2010, ele havia comprado um apartamento de 500 metros quadrados nos Jardins, bairro nobre paulistano, por 6,6 milhões de reais e, no ano anterior, uma sala comercial na mesma região por 882000 reais. Com esses imóveis, o patrimônio pessoal de Palocci multiplicou-se 25 vezes desde 2006. Com um salário de 16500 reais como deputado, ele viu-se na contingência de ter de explicar tamanha evolução patrimonial. O ministro informou ter prestado serviços de consultoria a empresas privadas - mas omitiu quais foram seus clientes e quanto eles lhe pagaram. Veio a público que esses trabalhos lhe renderam 20 milhões de reais em 2010, dos quais 10 milhões foram recebidos nos dois meses subsequentes à eleição presidencial. Na semana passada, VEJA revelou mais um dado da vida particular do ministro que destoa de seu salário de homem público. Ele mora em São Paulo não no apartamento de 500 metros quadrados dos Jardins, mas em outro ainda maior: de 640 metros quadrados, em Moema, nas imediações do Parque do Ibirapuera, área igualmente nobre da cidade. A certidão desse imóvel, obtida por VEJA, mostra que ele pode ser uma fome de mais constrangimento para o ministro. Ladeado por varandas, com quatro suítes, três salas, duas lareiras, churrasqueira e outros requintes, o apartamento serve à família de Palocci há quatro anos. Está avaliado em 4 milhões de reais. O condomínio chega a 4600 reais e o IPTU a 2300 reais mensais. A assessoria do ministro informa que ele paga aluguel. Imobiliárias que administram as unidades vizinhas à de Palocci informam que o valor médio da locação naquele prédio é de 15000 reais. De acordo com o 14° Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo, o apartamento no qual Palocci mora pertence à Lion Franquia e Participações Ltda. Essa empresa, por sua vez, está registrada em nome de dois sócios: Dayvini Costa Nunes, com 99,5% das cotas, e Filipe Garcia dos Santos, com 0,5%. Começa aqui a estranha história do apartamento alugado por Palocci. Filipe Garcia dos Santos tem apenas 17 anos e somente foi emancipado no ano passado. Dayvini, seu sócio majoritário, tem 23 anos, é representante comercial, mora em um casebre de fundos na periferia da cidade de Mauá, no ABC paulista. Ex-funcionário da prefeitura da cidade, comandada pelo petista Oswaldo Dias, já ganhou a vida como vendedor em uma loja de roupas e, hoje, sobrevive transportando videogames em seu carro, uma Saveiro comprada a sessenta prestações. Deve 400 reais a uma administradora de cartões de crédito, teve de abandonar o curso de administração por não conseguir pagar a mensalidade da faculdade e, agora, está sendo processado por essa instituição, que exige a quitação de 3200 reais. Tanto seu telefone fixo quanto o celular estão cortados por falta de pagamento. Dayvini ganha 700 reais por mês e ainda é sustentado por sua mãe, uma professora da rede pública de ensino. Precisaria trabalhar sete meses, e não gastar um centavo sequer, para conseguir pagar um mês de condomínio no edifício onde mora Palocci. Como pode, então, ser dono do imóvel? A resposta é simples: Dayvini não passa de um laranja, termo utilizado em relação a pessoas que assumem como suas as propriedades de terceiros. Ou melhor, Dayvini é a árvore mais visível de um laranjal. Na quinta-feira passada, ele conversou com VEJA em sua casa de 70 metros quadrados em Mauá (veja o quadro na pág. 72 e vídeo em VEJA.com). Mostrou-se surpreso ao ser confrontado com a informação de que é o dono formal do vistoso apartamento no qual mora o ministro. "Nunca tive bem algum", disse ele na entrevista. Pelos documentos registrados em cartório, descobre-se que o nome de Dayvini começou a aparecer na escritura do imóvel em janeiro de 2008. Naquele mês, o representante comercial foi registrado como beneficiário de uma hipoteca no valor de 233450 reais, cuja garantia era o apartamento do Ibirapuera. "Eu sou pobre. Como eles poderiam me dever?", indagou Dayvini, na quinta-feira. Em setembro de 2008, o imóvel foi transferido por doação à Lion Franquia e Participações Ltda. No dia 29 de dezembro do ano passado, quando Palocci já posava como homem forte do governo Dilma, Dayvini assumiu 99,5% das cotas da Lion Franquia e Participações. Questionado por VEJA, o representante comercial garantiu que jamais recebeu um tostão de aluguel de Palocci. Na sexta-feira, porém, Dayvini telefonou para VEJA a fim de mudar a versão que havia contado no dia anterior. Ele não negou ser laranja da Lion, mas afirmou que o fez voluntariamente· para ajudar parentes. "Eu quero tirar essas empresas do meu nome", disse. Em seguida, afirmou ter mentido na entrevista do dia anterior e explicou o motivo: "Esse problema envolve pessoas com quem eu não tenho como brigar. Não tenho como bater de frente com Palocci". A cadeia de ilegalidades relacionadas ao apartamento onde reside o ministro da Casa Civil vai além da constituição de Dayvini como laranja da Lion Franquia e Participações. A empresa usou endereços falsos em todas as operações feitas nos últimos três anos. A Lion recebeu o apartamento onde mora Palocci em 2008, de um tal Gesmo Siqueira dos Santos, tio de Dayvini. Siqueira dos Santos responde a 35 processos por fraude de documentos, adulteração de combustível e sonegação fiscal. Uma mulher que trabalhou como empregada doméstica em sua casa foi usada como laranja em outras quatro empresas abertas por Siqueira Santos. O nome dela é sugestivo: Rosailde Laranjeira da Silva. No caso da Lion Franquia e Participações, o sócio de Dayvini, o adolescente Filipe Garcia dos Santos, informou ao cartório de registro de imóveis um endereço residencial inexistente no Paraná. Na sede formal da Lion Franquia e Participações, na cidade de Salto, a 100 quilômetros da capital paulista, funciona uma loja de decoração. VEJA questionou o ministro Palocci, por meio de sua assessoria de imprensa, sobre o locador de imóvel do Ibirapuera, o valor do aluguel e a quem são feitos esses pagamentos. Não houve resposta. Dê-se ao ministro o benefício da dúvida, pois ninguém que paga aluguel está obrigado a saber da idoneidade da pessoa física ou jurídica de quem aluga. Mas, dados o histórico e a posição de Palocci, é uma imprudência alugar o apartamento de uma empresa de fachada. Não é a primeira vez que um trabalhador anônimo atravessa a carreira política do ministro da Casa Civil. Fiador da estabilidade econômica no primeiro governo Lula, principal interlocutor do empresariado entre os petistas e tido como hábil negociador político, Palocci perdeu o Ministério da Fazenda em 2006 por causa de uma casa em Brasília usada para encontros com prostitutas e negócios pouco republicanos. Para desqualificar a principal testemunha de suas visitas à casa, ele envolveu-se na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. No ambiente de impunidade que nodoa o Brasil. Palocci teve uma segunda chance para reconstruir sua carreira política. No mesmo ano, elegeu-se deputado federal. Em 2009, obteve o arquivamento dos processos resultantes de escândalos ocorridos em sua gestão na prefeitura da paulista Ribeirão Preto. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal o inocentou no caso do caseiro. Era tarde demais para que Palocci entrasse na lista dos presidenciáveis petistas, mas houve tempo suficiente para que ele assumisse, primeiro, a interlocução da então candidata Dilma com o empresariado - e, depois da eleição, encampasse também a representação política e boa parte da condução do novo governo. Nessa função, Palocci amealhou mais adversários do que aliados. Representando a presidente, vetou a concessão de cargos federais aos expoentes da base governista. Há dez dias, chegou a trombar com o vice-presidente, o peemedebista Michel Temer. Em um telefonema desastroso, ameaçou demitir todos os indicados por Temer, se o PMDB não votasse contra o Código Florestal. O PMDB refutou a bravata. A surpresa viria de seu próprio partido. No dia 27, o governador da Bahia, Jaques Wagner, se disse surpreso com o rendimento do consultor Palocci. Na semana passada, a senadora Gleisi Hoffmann (PR), mulher do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, acenou para o risco de a crise detonada por Palocci atingir o partido e o governo. Na última quinta-feira, quatro integrantes da executiva da agremiação pediram a demissão imediata do chefe da Casa Civil. Entre os que cobraram a cabeça de Palocci, está até o secretário-geral do PT, Elói Pietá. O PT decidiu isolá-lo. "A crise não é do partido, é do governo", disse o deputado petista André Vargas (PR). Dilma, sua chefe, e seu padrinho, o ex-presidente Luiz lnácio Lula da Silva, exigiram que ele apresentasse explicações imediatas. Na sexta-feira, ele tentou dá-las no Jornal Nacional. Ficaram longe de resolver o seu problema. E agora tem mais essa, do apartamento em São Paulo. COM REPORTAGEM DE ANDRÉ ELER, LAURA DINIZ, MARCELO SPERANDIO E IGOR PAULIN "Sou laranja" O representante comercial Dayvini Costa Nunes é, formalmente, dono da empresa à qual pertence o apartamento de 640 metros quadrados alugado pelo ministro Antonio Palocci, em São Paulo. Ele concedeu duas entrevistas a VEJA. Na primeira, mostrou-se indignado ao saber que fora usado como laranja. Na segunda, orientado por pessoas que lhe ditavam o que dizer, Nunes afirmou ser cúmplice da fraude. O QUE ELE DISSE NA PRIMEIRA ENTREVISTA O senhor é empresário? Olhe ao meu redor. Sou pobre. Trabalho como representante comercial e ganho 700 reais por mês. Já ouviu falar da empresa Lion Franquia e Participações Ltda.? Não. O que é isso? Oficialmente, o senhor é dono dessa empresa. Nunca assinei nada. Nunca me pediram autorização e jamais emprestei documentos. Como o senhor recebe a noticia de que há uma empresa registrada em seu nome? Estou assustado. Fiz o primeiro ano de faculdade, mas não consegui pagar as mensalidades. Não tenho nada a não ser uma Saveiro financiada em sessenta meses. Tem outras dívidas? Devo uns 400 reais no cartão de crédito. Meu celular foi cortado, o telefone fixo e a internet também. O senhor sabe que é dono de um apartamento de 640 metros quadrados em Moema? Como assim? Nunca tive bem algum. Mas você está falando que eu tenho um apartamento "da hora" em Moema? Sim. Em 2008, o senhor recebeu uma hipoteca desse apartamento, em garantia de um crédito de 233450 reais. Quanto? Precisamente 233450 reais. Nunca tive um dinheiro desses. Meu Deus! O que fizeram com meu nome? Se eu tivesse um dinheiro desses, acha que teria abandonado a faculdade por não pagar as mensalidades? O ministro Antonio Palocci mora nesse apartamento. O senhor sabe de quem se trata? É o ministro que está sendo investigado? Ele mora no apartamento que está em meu nome? Então, não deve ser um apartamento pobre. Deve ser coisa boa. O senhor conhece o ministro Palocci, já falou ou teve contato com ele por intermédio de alguém? Nunca. Os únicos políticos que conheço são vereadores. O senhor é filiado a algum partido ou trabalha para algum político? Trabalhei para a prefeitura de Mauá em 2008. Fui exonerado depois de seis meses, logo que trocou o governo. Minha vontade é pegar esse apartamento que registraram em meu nome, vender e pagar minhas dívidas, comprar uma casa boa para minha família. O QUE ELE DISSE NA SEGUNDA ENTREVISTA Um homem ligou dizendo ser seu tio. O que ele quer? Desde que você falou comigo não consigo dormir, por causa dessas coisas que envolvem pessoas com quem não tenho como brigar, como o Palocci, entendeu? Eu não tenho como bater de frente com essas pessoas. Sou laranja. O seu tio disse que o senhor sabia que era laranja. Ontem, quando você chegou na minha casa, estava um pouco nervoso. O senhor mentiu ontem ou está mentindo agora? Eu menti ontem. |
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