Ana Cláudia Barros
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de São Paulo comprou, nos primeiros meses deste ano, 150 mil compridos de Ritalina (Cloridrato de Metilfenidato), um estimulante do sistema nervoso central usado no tratamento de pacientes com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). O número corresponde a quase o total da droga adquirido pelo órgão durante os 12 meses de 2010, quando foram comprados 180 mil unidades.
Em 2009, a quantidade foi 110,3 mil, sinalizando um crescimento progressivo da demanda, atendida pela SMS, consumidora do medicamento. Tarja preta, a Ritalina pode "causar dependência física ou psíquica", de acordo com advertência impressa na embalagem do produto.
Os dados foram solicitados pela Câmara Municipal e serão apresentados a representantes do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, formado por mais de 20 entidades, entre elas a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (Abrapee) e o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente de São Paulo (Condeca). O grupo adiantou que irá pedir esclarecimentos à SMS. Quer saber por que a secretaria passou a comprar uma quantidade maior do estimulante. A preocupação é que haja excesso de prescrições da droga.
Terra Magazine apurou que, em 20 de maio de 2011, a Divisão Técnica de Suprimentos da Secretaria Municipal da Saúde autorizou a aquisição de comprimidos de Cloridrato de Metilfenidato de 10 miligramas "para suprir as necessidades da Central de Distribuição de Medicamentos e Correlatos (CDMEC), pelo valor total de R$ 65.610", onerando a dotação prevista inicialmente na Nota de Reserva (uma espécie de pré-empenho) 34.056/11. A informação, referente ao processo 2011-0.129.580-1, foi publicada no Diário Oficial da Cidade de São Paulo, junto com a nota de empenho em favor da Interlab Farmacêutica LTDA, vencedora de pregão eletrônico, aberto em 22 de fevereiro deste ano.
Conforme o extrato da Ata de Registro de Preços n 103/11, cada comprimido, cujo fabricante é o Laboratório Novartis, sairia para o município a R$ 0,7229. Ainda segundo o documento, o "consumo médio mensal" da droga é de 30.060 unidades, sendo que 30 mil delas seriam destinadas à CDMEC e 60, ao Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM). Com base nesta estimativa da SMS, calcula-se que, ao final de 2011, o consumo da Ritalina por usuários da rede municipal de saúde ultrapasse as 360 mil unidades, mais que o dobro de 2010.
A professora titular de Pediatria da Unicamp, Maria Aparecida Moysés, uma das autoras do livro Preconceitos no Cotidiano Escolar. Ensino e Medicalização, classificou a situação de "muito preocupante":
- Estamos tendo uma aceleração do crescimento. Não é só um crescimento mantido. Quando entra qualquer medicação padronizada no Sistema Único de Saúde (SUS), há toda uma discussão, um processo mais transparente. E esse, a gente descobre que está sendo realizado praticamente em todas as cidades. Por que está sendo feito, há quanto tempo? É um crescimento assustador, mas que repete o que temos de dados sobre venda de Ritalina em farmácia particular. Conseguiram invadir a política pública de saúde. Foi o que aconteceu.
Conselheira do Conselho Federal de Psicologia e integrante da diretoria da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, Marilene Proença Rabello considera que há excesso de prescrições do Cloridrato de Metilfenidato - também comercializado no mercado com o sugestivo nome de Concerta.
- Tem sido principalmente utilizada com objetivo de melhorar a performance das crianças na escola. Ao tomar esse remédio, ela fica mais focada, fica mais atenta, menos agitada, menos agressiva.
Diagnósticos equivocados
Estudo elaborado pelo Albert Einstein College of Medicine, dos Estados Unidos, junto com instituições brasileiras revelou que 73% das crianças submetidas a tratamento de TDAH não apresentavam o problema. Segundo o trabalho, divulgado no início do mês, dos cerca de 6 mil pacientes, entre 6 e 18 anos, avaliados em 18 Estados, somente 4,4% tinham o transtorno.
A pediatra Maria Aparecida Moysés é enfática ao falar sobre diagnósticos indiscriminados do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. Na interpretação dela, não há comprovação científica da doença.
- O critério diagnóstico é basicamente um questionário. Embora se fale muito em neuroimagem, não há um exame que faça um diagnóstico. Fica vago, impreciso. É quase um processo: 'você não tem escapatória'. O questionário é baseado no manual de classificação de doenças mentais feita pela Associação Americana de Psiquiatria, que é de onde brotam todos os transtornos, distúrbios. São 18 perguntas bastante imprecisas, com respostas do tipo: 'muito pouco', 'bastante', 'demais'. Inclusive, orienta que você pode imprimir e pedir para o professor preencher. Então é assim que é feito o diagnóstico: de forma anti-científica. É uma doença que jamais foi comprovada com base na ciência médica. Por isso que é questionada no mundo todo.
A psicoterapeuta Cacilda Amorim, do Instituto Paulista de Déficit de Atenção (IPDA), considera o argumento é frágil. "Esquizofrenia é uma doença que ninguém discute que existe, mas não tem exames clínicos, médicos, de imagem cerebral para o diagnóstico. Depressão idem", rebate.
Cacilda reconhece, entretanto, que a identificação correta do TDAH é difícil e que isso aumenta a probablidade de equívocos e de medicalização inadequada.
- Por isso, em muitos casos, pode haver precipitação. A questão do diagnóstico é extremamente delicada. O fato de não existirem exames físicos faz com que muitos médicos acreditem que deve ser feito apenas um julgamento clínico. Alguns começam a tratar com medicação e, a partir do resultado, comprovam ou não a hipótese. Para ela, a análise do aumento do número de casos da doença deve levar em conta diferentes fatores.
- Não há resposta rápida para essa questão, do tipo é uma ação integrada da indústria farmacêutica para ter seu faturamento aumentado, como algumas pessoas sugerem. Ao mesmo tempo, você também não pode dar uma resposta simplista, como: 'Apenas mais pessoas tomaram conhecimento do TDAH e, como temos uma proporção grande de casos não diagnosticados, eles estão vindo à tona simplesmente porque havia uma demanda reprimida'.
Terra Magazine procurou a assessoria de comunicação da SMS na quarta-feira (22) e retomou o contato nesta segunda-feira (27). A resposta foi que o órgão estaria apurando as informações solicitadas. Até o início da tarde, não foi dado retorno.
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