A integridade física da pessoa é protegida como direito de personalidade e, embora os indicativos sejam de que o homem sem um dos testículos continue com as funções sexuais e reprodutivas inalteradas, não há como negar a concretização de prejuízo digno de ser compensado, porque essa anormalidade anatômica superveniente jamais será reparada.
Esse foi o fundamento da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo para manter, por unanimidade, sentença que condenou o Hospital Oswaldo Cruz e um de seus médicos, por falha no atendimento a um paciente que deu entrada no pronto socorro se queixando de dores na região escrotal.
O paciente L. F. foi atendido em dezembro de 2006, queixando-se de dores. O médico que o atendeu diagnosticou cólica renal e mandou o paciente para casa depois de o medicar com Buscopan. Cinco dias após receber alta ele voltou ao hospital, com o mesmo diagnóstico.
Após o paciente ser examinado por outro profissional, foi constatada a ausência de fluxo sanguíneo em um dos testículos. A nova equipe concluiu que havia uma torção no cordão espermático – conhecido como infarto testicular. L.F. foi submetido às pressas a cirurgia para retirada do testículo esquerdo.
A defesa do paciente alegou que houve negligência, imprudência e imperícia do médico que o atendeu da primeira vez. Alertou a justiça para a repercussão do dano físico para a vida do homem. Em primeira instância, a juíza Laura de Mattos Almeida arbitrou o valor da indenização por danos morais em R$ 46,5 mil. Insatisfeito com o valor, o paciente recorreu ao TJ paulista pedindo a majoração de 500 salários mínimos.
O relator do recurso, desembargador Ênio Zuliani, destacou que a doutrina oriente para que os juízes sejam cautelosos na valoração de casos em que imputa erro de diagnóstico, para não invadir a esfera (liberdade) de atuação do profissional. No caso médico, diante de tantas informações, analisou Zuliani, e ainda pela complexidade da anatomia humana, o profissional pode ser traído pelos falsos sintomas que despistam doenças ou pelo despertar tardio do mal que evolui secretamente.
No entanto o relator frisou que o erro de diagnóstico pode ocorrer por negligência ou imperícia do médico que se encarrega de cuidar da saúde paciente e normalmente acontece quando são ignoradas ou subestimadas as investigações sobre as causas da enfermidade.
Para Zuliani, o que não se admite na prática médica é o diagnóstico emitido sem reflexão. “O que é jurídico examinar é a conduta do médico diante da probabilidade de a dor do rapaz estar associada a um torção de testículo, e, nesse item, ganha relevância um aspecto que foi apontado como decisivo para o resultado lesivo, qual seja, a ausência completa de exame na região escrotal”.
Criticando a falha pela falta de exame quando da entrada do paciente pela primeira vez no pronto socorro, o desembargador Ênio Zuliani pondera: “É preciso anotar que jovens com saúde regular não procuram hospitais com dores abdominais passageiras ou toleráveis, pelo que caberia privilegiar a informação de que existia dor no testículo a justificar um exame específico na região escrotal, o que, lamentavelmente, não houve”.
Para o relator, a aplicação do medicamento Buscopan encobriu a gravidade do quadro e serviu para atenuar a dor até quando o impacto doloroso não resistiu e a nova equipe médica constatou não existir mais nada a fazer senão a retira do testículo já comprometido.
“O rapaz perdeu a chance de remediar a torção do testículo e isso ocorreu por desídia do médico que cuidou do atendimento e, ao apostar na suspeita infundada de cálculo renal, ignorou o mal que conduziu o paciente ao hospital e fez de seu ingresso naquele local uma inutilidade com dano irreversível”, concluiu Zuliani. O relator manteve o valor da indenização proposta pela juíza da 12ª Vara Cível Central da Capital de R$ 46,5 mil.
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