Veja - 23/05/2011 |
Uma reportagem desta edição de VEJA relata as reações provocadas pela revelação de que o livro Por uma Vida Melhor foi distribuído à guisa de material didático a 500 000 alunos de escolas públicas pelo Ministério da Educação. Nele, apregoa-se que não existem o certo e o errado no emprego da língua portuguesa. Que a norma culta urbana - ou seja, o modo correto de falar e escrever, segundo as regras da gramática - é apenas mais uma forma de expressar-se. De fato, existem outras maneiras de comunicar-se. O problema não está na eficiência da comunicação entre pessoas igualmente incultas, e sim na inclusão desses cidadãos no universo linguístico que produz filosofia, ciência e literatura - e que, assim, lhes possibilita pensar com mais profundidade acerca das realidades objetiva e subjetiva e, claro, conseguir um bom emprego e ascender profissionalmente. Esse universo é o da norma urbana culta. No livro, Heloisa Ramos, uma das autoras, diz que quem "fala errado" pode ser vítima de "preconceito linguístico". Esse sofisma não só tenta desqualificar as regras gramaticais, como procura estabelecer o preconceito contra quem segue os fundamentos do bom português. O pano de fundo dessa fraude intelectual é a concepção ideológica segundo a qual só o povo é detentor do verdadeiro conhecimento. O lado perverso desse desvario é que, com isso, se justifica o não fornecimento, às pessoas que mais precisam deles, dos códigos que lhes permitiriam alcançar uma vida melhor. A procuradora da República Janice Ascari, do Ministério Público Federal, resumiu a gravidade da questão: "Vocês estão cometendo um crime contra os nossos jovens, prestando um desserviço à educação já deficientíssima do país e desperdiçando dinheiro público com material que emburrece em vez de instruir. Essa conduta não cidadã é inadmissível, inconcebível e, certamente, sofrerá ações do Ministério Público". A discussão arcana sobre o "falar popular" ocupa um escaninho secundário na sociolinguística e seria um enorme favor aos brasileiros que estudam e trabalham se nunca tivesse deixado seu porão acadêmico. Mas deixou, em prejuízo de alunos já tão pouco predispostos ao estudo da gramática e atolados em um sistema educacional que, ao final do ensino básico, produz 62% de jovens que mal sabem ler e 89% que não sabem fazer as operações aritméticas básicas. Isso em um país que ainda abriga 14 milhões de analfabetos; em um país cuja economia tem 1 milhão de vagas nas empresas que não podem ser preenchidas porque os candidatos não apresentam qualificação técnica para ocupá-las; em um país que aparece na 53ª posição entre os 65 avaliados pelo Pisa, o mais rigoroso teste comparativo internacional de desempenho escolar. Ao contrário do que pensam ideólogos da educação como Heloisa Ramos, a educação formal é libertadora. Que o diga a americana UrsuIa Burns, de 52 anos, entrevistada das Páginas Amarelas desta edição. Negra, filha de faxineira, ela se tomou presidente da Xerox, gigante mundial da documentação digital e uma das 500 maiores empresas do planeta. "Minha mãe exigia apenas que os filhos tivessem bom desempenho na escola", diz Ursula. Um contraste melancólico com o caso brasileiro. |
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