Autor(es): J.R. Guzzo |
Veja - 23/05/2011 |
Muito pouca gente notou, alguns dias atrás, que foram eleitos uma nova diretoria e um novo presidente, que aliás é o mesmo de antes, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp de antiga fama como porta-voz dos empresários brasileiros, ou pelo menos paulistas. É como jogo de futebol no campeonato da terceira divisão - sai só o resultado, quando sai, naquela salada de tabelas que aparecem no fim do noticiário esportivo. Mas a vida de hoje em dia é cheia de surpresas, e problemas podem aparecer onde menos se espera que apareçam. Pois então: a Fiesp publicou uma página inteira de jornal com os nomes dos seus novos 133 diretores, um por um, sendo que o nome do presidente, o socialista Paulo Skaf, aparece cinco vezes no mesmo anúncio. Até aí tudo bem, levando-se em conta que a maioria deles gosta de ver o nome anunciado no jornal, sobretudo quando é a Fiesp que paga tudo. Mas logo fica claro que alguma coisa está errada nessa história. Olha-se um pouco melhor para o anúncio e logo se vê a encrenca: não há, entre os 133 novos diretores da Fiesp, uma única mulher, nem uma que seja. É o diabo: o que poderia haver de mais incorreto do que isso? O duro é que foi acontecer logo com a Fiesp, que, como uma porção de gente boa neste país, presta tanta atenção para se manter a favor de tudo o que é moderno, virtuoso e democrático nos tempos de hoje - da sustentabilidade à defesa das terras indígenas, da alimentação hipocalórica ao casamento gay. Não é uma falha sem riscos. Teoricamente, a entidade poderá ficar sujeita a uma investigação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (secretaria com status de ministério, diga-se) ou, quem sabe, de alguma severa procuradora do Ministério Público Federal- isso se não tiver, ainda, de responder a um pedido de explicações por parte da senadora Marta Suplicy. Com essas coisas não se brinca. Afinal, a fundação da secretaria foi saudada pelo governo anterior como "um novo momento na história do Brasil". Não ajuda em nada a Fiesp, além do mais, a circunstância de que a Presidência da República é atualmente ocupada por uma mulher. Fazer uma diretoria 100% masculina justo numa hora dessas? A esperança para a entidade seria dizer, como faz o governo quando lhe aparece algum desgosto, que se trata de um "episódio superado"; é bem possível que ninguém se incomode. A Fiesp viveu, alguns anos atrás, os seus quinze minutos de fama. Na ocasião, por falta do que fazer dos jornalistas, foi promovida à categoria de assunto importante, com direito a aparecer todo dia na imprensa; depois, o tema foi perdendo a graça, por sua monotonia congênita, e acabou morrendo de causas naturais. Hoje em dia a Fiesp é apenas uma dessas curiosidades da política brasileira. Seu presidente deveria estar presidindo um sindicato de trabalhadores, já que até outro dia estava num partido de esquerda e, ultimamente, tenta ser um amigo dileto do ex-presidente Lula; em seu lugar deveria estar um dos novos sindicalistas do Brasil Potência, que andam de carro com chofer, sentam em conselhos de empresas estatais e não gostam de greves nas obras do PAC. Mas a questão, no fundo, não é que a Fiesp tenha conseguido montar uma diretoria com mais de 100 cidadãos sem colocar entre eles nenhuma mulher. É que as mulheres não reclamaram; provavelmente nem perceberam. O episódio, de fato, diz muito sobre a banalidade dos direitos nos dias atuais. Os direitos, atualmente, passaram a ser fabricados em linha de montagem; são tantos, e se multiplicam num ritmo tão veloz, que fica difícil para as pessoas saber todos os direitos que têm, beneficiar-se deles ou fiscalizar se estão sendo respeitados. Há direitos para os sem-teto, sem terra, quilombolas, cotistas raciais, vítimas da ditadura, deslocados por barragens, homossexuais, transexuais e, com um pouco de sorte, todo o grupo que apresenta alguma exigência coletiva. A contribuição mais recente vem do Ministério da Educação, que acaba de conferir aos brasileiros o direito de escrever em português grosseiramente errado - adverte, inclusive, que é "preconceito" criticar quem escreve, por exemplo, "dois pastel". País moderno é isso. Por falar em "caso superado": acaba de acontecer de novo, agora com o ministro Antonio Palocci e seu apartamento de 6,6 milhões de reais em São Paulo; em menos de 48 horas o governo descobriu que está tudo bem. A culpa acabará ficando com a Folha de S.Paulo, que deu a notícia - em mais uma tentativa de golpe, sem dúvida, contra o governo Dilma Rousseff. |
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