Será que meu iPod está tentando ler a minha mente – e mandar mensagens subliminares? Essa sensação me persegue: o maldito/bendito aparelhinho – invariavelmente programado para escolher músicas aleatoriamente – sempre parece adivinhar o que eu quero ouvir ou (mais surpreendente ainda) parece saber escolher exatamente o som que eu preciso para me inspirar. Como hoje de manhã, por exemplo.
Saí de casa para vir até a redação do “Fantástico” escrever sobre Elizabeth Taylor, as escolhas de quem passou por aqui para deixar um comentário sobre o que seria um Rock in Rio “dos seus sonhos” (tema do post anterior), e o que significa ser uma celebridade hoje. E eis que, ao apertar o “play”, logo na saída do meu prédio, ele toca “Heroes”, de David Bowie.
De onde eu moro até onde eu trabalho é uma caminhada de cerca de 15 minutos – o que permite que eu ouça uma canção como essa pelo menos três vezes. E foi exatamente isso que eu fiz. Não apenas porque essa é talvez a música de Bowie que mais fala comigo (ou talvez seja “Changes”; ou “Aladdin Sane”; ou “Sound and vision”; ou “Ashes to ashes”; ou “Modern love”; ou “Fame” – eu sei, divago…), mas porque ela tinha tudo a ver com os sonhos de quem quer um dia ser diferente – algo que tinha totalmente a ver com o que eu estava planejando escrever hoje aqui. “Podemos ser heróis, para todo o sempre, o que você me diz?”, canta Bowie, num de seus momentos mais inspirados (guarde este verso – já volto a ele).
Quase chegando no trabalho, decidi deixar o tal “aleatório” do iPod seguir seu curso – e o que ele me oferece? “All I need”, do Radiohed. Aquela música belíssima em que Thom Yorke gorjeia: “Você é tudo que eu preciso, eu estou no meio da sua foto…”. Seria possível? Eu aqui querendo escrever sobre o que nossas celebridades – que um dia já foram consideradas como heróis – significam para nós atualmente, e as músicas certas para me inspirar, de repente, surgem nos meus ouvidos?
Cético que sou, preferi não dar asas a esses pensamentos – se bem que, você há de concordar, essa conexão do iPod com o pensamento é uma coincidência irritantemente frequente. Afinal, tinha um texto trabalhoso pela frente – e o pior que eu poderia fazer agora era perder tempo com especulações esotéricas. Assim, concentrei-me no que havia me proposto: cheguei aqui na minha mesa de trabalho e fui ver os comentários mais recentes que haviam mandado para cá – as últimas listas (até a publicação deste post) com as sugestões de bandas e artistas que você gostaria de ver naquele que é um dos festivais de música mais importantes do mundo.
E lá estavam eles – os “suspeitos de sempre”! Rolling Stones, Paul McCartney, Led Zepellin, Guns, AC/DC, Foo Fighters, Ozzy, Sepultura, Deep Purple, Metallica, U2, Red Hot Chili Peppers – os perenes baluartes do Rock (com letra maiúscula mesmo). Depois, “os suspeitos de sempre – versão alternativa”: Coldplay, Oasis (e a variante Beady Eye), Evanescence, Muse, The Killers, Radiohead, Phoenix, Arcade Fire, Kings of Leon, MGMT, The Strokes, The White Stripes, Queens of the Stone Age, Franz Ferdinand, The Smiths (!), Pearl Jam (curiosamente, pouquíssimas pessoas lembraram de Nirvana – apesar de a lista, por ser justamente “dos sonhos”, tinha espaço até para os que já foram).
Não faltaram também propostas mais pop, na linha de Rihanna, Lady Gaga, Justin Timberlake, Lily Allen, Mika, Katy Perry (!), Daft Punk, Black Eyed Peas, Depeche Mode, Beyoncé, Chemical Brothers, Madonna, Britney Spears (onde está Rebecca Black, pergunto eu sem esperar resposta…). E a reserva nacional também tinha sua cota de “suspeitos de sempre”: NX Zero, Barão Vermelho, Capital Inicial e Raul Seixas, Legião e Mamonas, entre os “pedidos impossíveis” (mas, se não me engano, quase ninguém se lembrou de Cássia Eller…), Skank, Los Hermanos, Ivete e Cláudia (sim!), Ultraje a Rigor, Charlie Brown Jr.
Os destaques acima, claro, não comportam todos os desejos expressados dos que se prontificaram a mandar seus comentários (quase 250, neste momento em que escrevo). Sugestões surpreendentes – Noel Gallagher com Paul Weller, The XX, Marina & the Diamonds – pipocaram aqui e ali com boa frequência (e me deixaram cheio de esperança). Mas o que me fez contente mesmo foi que a pluralidade desses desejos comprovou exatamente o que eu queria dizer na minha postagem anterior: que não há uma escalação “perfeita” para nenhum festival, simplesmente porque os gostos musicais são infinitos!
E o que estamos dizendo quando fazemos nossas escolhas musicais? Não apenas que determinadas canções têm tudo a ver com a gente – e com o que a gente acha do mundo –, mas que os caras (e as “minas”) por trás desses sons são nossos modelos, nossas projeções, nossos espelhos. Eles e elas são não apenas o que gostaríamos de ser mas a própria imagem de como todo mundo deveria ser. A vida dele (ou dela) – quase sempre tão pública – contém uma biografia que nós gostaríamos que fosse a nossa. É a essa fantasia personificada (“você é tudo que eu preciso”, certo Thom Yorke?), a essa encarnação de tudo aquilo que não somos, que aprendemos, um dia, a chamar de heróis – e hoje, simplesmente chamamos de “celebridade”. (Retome novamente aquele verso de “Heroes”, de Bowie, que citei acima, e substituía “heróis” por “celebridades” – você vai entender rapidinho do que eu estou falando…).
O termo, de tão surrado, quase não inspira muita reflexão. Usamos essa palavra na nossa conversa como uma nota de R$ 2,00 – para rechear uma frase, dispondo de algo que deveria ser importante, mas, em última análise, mal nos faz falta. Só que a banalização da “celebridade” é um fenômeno triste, que vale a pena perder alguns parágrafos para registrar. Especialmente porque, na semana passada, perdemos uma das figuras mais significativas deste panteão – e estou falando, como você já pode imaginar, de Elizabeth Taylor.
Nasci no ano em que “Cleópatra” – um de seus filmes mais icônicos – foi lançado. Boa parte de suas melhores personagens no cinema já existiam quando eu ainda engatinhava, e, com apenas 3 anos de idade, era pouco provável que eu tivesse cruzado com um dos momentos mais estupendos de sua carreira: Martha, em “Quem tem medo de Virginia Woolf?”. Brinco com essas datas, justamente para explicar que não posso me gabar de ter sido marcado por Liz (um apelido que ela, aparentemente detestava) na minha formação de cinéfilo. Mas, assim como não posso dizer que “cresci ouvindo Beatles e Rolling Stones”, mas fui atrás dessas referências assim que comecei a me interessar por música, afirmo que “descobrir” os filmes da atriz era um dos meus maiores prazeres desde que entendi que seria para sempre um refém de uma arte chamada cinema.
Porém, mais do que seus papéis, o que sempre me chamou mais atenção em Elizabeth Taylor foi o poder que ela tinha de sequestrar nossa emoção muito além das telas. Para uma geração que conheceu Liz como “madrinha” de Michael Jackson (curiosamente ausente em boa parte dos obituários da atriz que li até agora) é até difícil explicar o fascínio que aqueles olhos – e aqueles diamantes! – eram capazes de exercer.
E parte desse fascínio vinha justamente da vida – e suas consequentes atribulações – que a atriz deixava transparecer além do seu trabalho. Elizabeth Taylor nunca foi exatamente um exemplo de comportamento. Das grandes estrelas de Hollywood, já em meados do século 20, a última coisa que o público poderia esperar era uma conduta irrepreensível – uma pequena cota de “pequenos pecados” era quase desejável, como que para contrabalançar aqueles cotidianos tão glamurosos. Mas Taylor levou os limites de escândalos aceitáveis um pouco mais além, quase educando seu devoto público a amá-la apesar de suas falhas, quase implorando que seus dilemas fossem debatidos por todos, quase usando a comoção de seus fãs como bálsamo para as próprias feridas.
Mas estamos falando, certamente, de uma outra época – e hoje sabemos bem que o “jogo das celebridades”, o equilíbrio de forças entre os astros e estrelas e seus fãs, é definitivamente outro. Como colocou brilhantemente o escritor americano (e biógrafo de estrelas de Hollywood) William J. Mann, num debate recente no jornal “The New York Times” sobre a questão “Será que é mais difícil ser uma celebridade hoje em dia?” – atualizado depois da morte da atriz –, “o que as celebridades de hoje em dia não percebem é que Elizabeth Taylor fazia tudo aquilo não porque ela cobiçava os holofotes; os holofotes é que vinham até ela por conta da vida genuinamente fascinante que ela levava”. E Mann continua: “Nada na vida de Taylor era calculado para atingir a máxima exposição pública, como muitas celebridades fazem hoje. Talvez se suas vidas fossem espontâneas, convincentes e autênticas, como a dela, elas não precisariam se esforçar tanto para serem noticiadas”.
Tem alguma celebridade lendo isso aqui? Pergunto, porque não quero constranger ninguém. Mas entre tantas lembranças boas de uma carreira fulgurante, o que Elizabeth Taylor também levou consigo, na hora de sua morte, foi a última esperança de que ainda poderíamos admirar uma vida notável de uma celebridade justamente porque ela era… notável – e não porque ela se esforçava para ter uma vida notável. Nem preciso citar nomes, mas quantas das “celebridades instantâneas” de hoje em dia – tem mais uma quentinha saindo do forno amanhã como vencedor (ou vencedora) do “BBB 11” – não fazem justamente isso: agonizam diante dos nossos olhos mendigando atenção com “casamentos-surpresa” (com fotos propositalmente granuladas, como se tivessem vazado espontaneamente para a imprensa); separações depois de semanas; brigas públicas (ou privadas, mas com consequências públicas, que resultam até em prisões, fartamente documentadas); períodos de “solidão” (fortemente documentados por fotógrafos e repórteres que contradizem o suposto isolamento da figura em questão); tragédias pessoais que clamam por um pouco de privacidade, mas que são sofregamente expostas em tentativas vãs de catarses e comoções coletivas?
Não são poucos os exemplos de histórias assim que eu sei que estão rondando sua cabeça agora – e se lhe faltar inspiração, basta alguns cliques aqui mesmo na internet para que sua memória seja refrescada. Cada vez mais as celebridades precisam fazer mais barulho – contudo, curiosamente, cada vez ouvimos menos os seus apelos. Chegamos a um ponto em que nossa fome de “notícias” sobre celebridades é proporcional à nossa indiferença sobre o conteúdo delas. Numa rapidez que me surpreende – afinal, aqui mesmo neste espaço, há apenas três anos, escrevi que havíamos chegado num ponto em que extraíamos um prazer especial em odiar as celebridades –, percebo que estamos já num outro estágio: uma cultura da “pós-celebridade”, onde o que essas pessoas, hum, famosas fazem não nos afetam nem um pouco. Fingimos ficar escandalizados com uma pequena infidelidade, encantados com uma singela união, tocados com uma perda pessoal – quando, na verdade, não ligamos a mínima para a vida daquela pessoa. Seguimos com a nossa, que se não é das mais sensacionais, agora talvez seja ainda mais vazia por não termos sequer um “herói” – ou a “celebridade à moda antiga” – para nos inspirar.
O que é uma pena. Porque nós precisamos dessa referência para viver. Cultura – mesmo a cultura pop – é feita disso. Pegando emprestado mais uma vez a música do Radiohead, você, celebridade, é tudo que eu preciso. Mesmo. Mas não desse jeito.
Que a verdadeira sucessora de Liz Taylor se apresente com urgência!
O refrão nosso de cada dia
“Pretty pretty pryia”, Anand Prayang & Chorus – talvez você já esteja se acostumando a clicar neste espaço, ouvir uma musiquinha com um refrão bonitinho, e seguir com sua exploração sobre “como matar o tempo em horário de trabalho usando a internet”. Pois prepare-se para algo totalmente diferente – eu diria surreal! Esta é uma música que descobri em uma das inúmeras compilações de pop indiano dos anos 60 – e que guardo há tempos na minha pasta “prazeres inconfessáveis”. Há pouco tempo, porém, descobri (onde mais, senão no youtube) a cena do filme ao qual ela pertence – lembrando que 99% da música pop indiana (até hoje) vêm de trilhas de cinema. As cenas, os cortes, os figurinos, as expressões dos atores, as coreografias – tudo é tão deliciosamente absurdo (e ao mesmo tempo, tão perturbadoramente parecido com “nossos” filmes do tempo da Jovem Guarda), que quase não prestamos atenção à música em si. Mas tente ouvir uma segunda vez, de olhos fechados – e você vai perceber que o refrão “She’s very very very very pretty” é tão perigosamente contagiante quanto um certo… “It’s Friday, Friday, gotta get down on Friday!”…
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