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sexta-feira, 8 de abril de 2011

O incompreensível, o irremediável e o inaceitável


O que aconteceu no Rio? O incompreensível!

Há coisas que não têm uma explicação e ponto final. Eu sei que isso desafia a nossa sede de tudo entender, de conhecer as causas, de encontrar as motivações. É justo. Quando as procuramos, estamos, na verdade, em busca de soluções e de medidas preventivas. Saibam que psicólogos e psicanalistas — e há muitos profissionais dessa área entre os leitores deste blog; poderão dizer se estou errado — não aceitam trabalhar com psicopatas. Por quê? Porque não há rigorosamente nada a fazer. Os riscos seriam imensos: eles próprios se exporiam ao indeterminado e poderiam ser involuntariamente envolvidos em histórias macabras. O assassino de ontem era um psicopata. O que fazer? Para esse tipo de coisa, nada! Ainda que se colocassem guardas fortemente armados em cada escola, os homicidas escolheriam, sei lá, o ponto de ônibus, o parque de diversões, a praça pública, o cinema…

Terêncio, um dramaturgo latino muito requintado, é autor de uma frase que tem valor quase universal: “Homo sum, humani nihil a me alienum puto”. Trata-se do elogio da tolerância e da necessidade de compreender o outro: “Sou homem; nada do que é humano, considero estranho a mim”. Há, em suma, ao menos um pouco de cada homem em nós mesmos: de suas qualidades e de seus defeitos; de sua sanidade e de sua loucura. A frase só não vale para os psicopatas. Eles nos são estranhos. Não os compreendemos porque não há o que compreender. O senso moral é parte constitutiva da civilização humana. Ele varia com o tempo, claro; avança com a história; os valores vão mudando. Os psicopatas de qualquer tempo vieram ao mundo despidos desse escrúpulo.

O país está traumatizado; a dor das famílias é imensa; perdemo-nos, atarantados, tentando encontrar os motivos. Eles estavam muito bem guardados na cabeça do assassino e só por ele podiam ser compreendidos. É inútil a gente tentar entender; o psicopata é o único capaz de emprestar significado e nexos causais a seus atos — e, por isso, não tem como dividi-los com ninguém. Quando tenta, a gente nota pela carta, o enredo é alucinado porque não é deste mundo. Qual é a saída para os portadores desse distúrbio incurável? Se identificados a tempo, a reclusão permanente. Hoje, seria difícil saber onde. Conseguiram transformar a internação psiquiátrica num “crime contra os direitos humanos”, o que é uma violência contra milhares de portadores de outras doenças mentais incapacitantes que circulam por aí como zumbis, abandonados pela família. Mas essa é uma questão que deixo para outra hora.

Perplexidade
Compreendo, sim, a razão da perplexidade geral e até mesmo o afã de dar uma resposta que tente levar um pouco de conforto e tranqüilidade ao país. Mas não podemos perder os parâmetros. Critiquei ontem a volta do debate sobre o desarmamento como remédio para o mal a que assistimos. Aqui e ali, notava gente flertando com essa idéia. Não deu outra! José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça (o post abaixo deste lhe é dedicado), anunciou que o governo lançará uma campanha nacional nesse sentido. No Jornal Nacional, Rodrigo Pimentel, ex-Bope e hoje consultor de segurança, foi peremptório: “A única solução é retirar armas da rua. Não existe outra forma de prevenção”. Afirmei num post que ele está errado, e algumas pessoas lhe deram o benefício da dúvida: “Calma, Reinaldo, ele não deixou claro se está falando de armas legais ou ilegais”. Um sujeito até me ofendeu porque, afinal, “você não entende nada de segurança, e ele é especialista…” Até parece que me intimido com isso. Ele é especialista, mas não refundou a lógica.

Não importa o que ele tenha querido dizer, mas o que disse. O FATO INQUESTIONÁVEL É QUE OCORRÊNCIAS COMO ESSA INDEPENDEM DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA. Pimentel pode até achar que o desarmamento das pessoas de bem (porque só elas se desarmariam) é uma boa idéia para combater outros crimes — e discordo dele, claro! Mas nesse caso? Quem quer matar com a determinação do assassino desta manhã não depende de meios. Não houvesse uma só arma circulando no Brasil, ele recorreria a outros instrumentos. Já não houve enfermeiras que passaram anos matando pacientes no escurinho dos quartos de hospital? O que fazer? Proibir as seringas?

Politização da tragédia
Alguns idiotas me acusaram de politizar a tragédia, claro! Eu??? Politiza a tragédia quem se acerca do caso com ar caridoso e compungido e, em seguida, propõe uma política pública inútil para, de algum modo, obter dividendos. Então vamos ver:
- os que defendem uma nova campanha em favor do desarmamento à esteira da tragédia do Realengo são pessoas boas, honestíssimas;
- eu, que digo ser ela estúpida — e que a acuso de ser uma tentativa de transferir ao homem comum uma responsabilidade que ele não tem — estou “politizando” a tragédia?

Desculpem! Ninguém me pega nessa! E os 103.338 acessos que este blog teve ontem indicam que há milhares de pessoas que não caem nessa conversa! Aliás, o referendo, apesar de todos os “descolados” que entraram na campanha, evidencia que milhões de pessoas não aceitaram a premissa. Qual é o problema dessa gente?
1) os bandidos assombram os brasileiros; 50 mil pessoas são assassinadas por ano, e querem tirar as armas de quem não é bandido?
2) um psicopata comete um sandice, porque essa é sua natureza, e querem tirar as armas de quem não é nem bandido nem psicopata?
Para tanto, haverá uma campanha oficial! E eu é que estou “politizando” a tragédia?

Não! Estou tentando fazer um debate intelectual honesto, já que estupefatos estamos todos. Estou pedindo que me expliquem qual é a relação de causa e efeito entre uma coisa e outra; se não houver, estou pedindo que me digam como elas, ao menos, se correlacionam. Se circulação legal de armas faz o crime, digam-me por que, nos EUA, matam-se 6 pessoas por 100 mil habitantes (apesar de seus atiradores malucos, que Dilma disse não ser “característica” nossa), e, no Brasil, onde comprar uma arma é dificílimo, são quase 26 os mortos por 100 mil. A propósito: um homem decente que queira comprar uma arma registrada no Brasil tem de provar que não é bandido. Um bandido, que não precisa provar ser um homem decente, compra arma ali na esquina.

E o estado?
A vigilância das nossas fronteiras é uma piada. A cocaína que o Brasil cheira vem da Bolívia — onde o BNDES financia uma estrada para transportar folhas de coca. A maioria das armas que circulam por aqui e boa parte da maconha — a produção local não dá conta da vontade que nossos “progressistas” têm de queimar esse mato ao menos — vêm do Paraguai, com quem o Brasil também tem mantido uma relação paternalista, de “rico” bonzinho. As iniciativas hoje mais incensadas pela imprensa de “pacificação” têm como política deliberada não prender os bandidos — adoraria que tentassem me provar com números que estou errado. Dado esse quadro, vão convidar a população a se desarmar? Qual população? Aquela que não oferece risco nenhum!

Não dá! Parem de fazer proselitismo chulo sobre os cadáveres! Respeitem a dor das famílias. Infelizmente, ninguém poderia ter feito nada para evitar o que aconteceu ontem. O país pode, sim, é fazer muita coisa para diminuir o espantoso número de homicídios que ocorre por ano no país: 50.113 em 2008. Que guerra civil mata isso? José Eduardo Cardozo tem uma idéia: o desarmamento de quem não mata, mas morre.

Por Reinaldo Azevedo





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