A arrecadação federal bate mais um recorde no primeiro semestre, mas o espaço para a continuidade dos bons resultados diminui
O governo arrancou exatos R$ 1.964 do bolso de cada um dos 193,2 milhões de brasileiros, mesmo dos recém-nascidos, nos primeiros seis meses do ano. Mais uma vez, o valor é recorde. A arrecadação federal chegou ao volume inédito de R$ 379,491 bilhões no semestre, 12,48% superior ao mesmo período do ano passado. O montante engloba os tributos cobrados diretamente dos trabalhadores, como o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), e os indiretos, embutidos nos preços dos serviços e produtos comprados pelos consumidores. Para o trabalhador que recebe um salário mínimo, o valor seria equivalente à entrega de praticamente quatro meses de esforços profissionais para saciar a fome do Leão.
No mês passado, o recolhimento de impostos também registrou recorde para junho, ao somar R$ 61,488 bilhões, numa alta real de 8,54% sobre idêntico período de 2009, já descontada a inflação. De acordo com o coordenador-geral de Estudos, Previsão e Análise da Receita Federal, Victor Lampert, a arrecadação mensal, quando comparada com períodos equivalentes de 2009, vem acompanhando a evolução da economia. “Tem tido uma boa aderência aos indicadores econômicos”, afirmou. Segundo ele, os fatores que mais ocasionaram impacto nas receitas foram a evolução da produção industrial e o aumento das vendas e da massa salarial.
O espaço para continuar obtendo taxas de crescimento mensais expressivas, capazes de sustentar a gastança da máquina pública, no entanto, vem diminuindo gradativamente. A magnitude da expansão mensal das receitas administradas(1), comparada com o mesmo mês do ano anterior, desacelerou de 12,27% em janeiro para 8,65%. Para o tributarista Jorge Lobão, do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco), o encurtamento do fôlego vem de uma base deprimida registrada no início de 2009, mas que se recuperou ao longo do ano. “A leitura pode ser feita assim: se você tem um parâmetro afetado de diferentes formas pela crise, é natural que o salto seja menor no decorrer do ano”, avaliou.
Pequena pausa
Lampert avalia que a desaceleração desses percentuais ainda não reflete de forma expressiva a acomodação da atividade, uma vez que os fatos geradores da arrecadação do mês passado ocorreram em maio. “Na verdade, a pausa maior da economia aconteceu em junho. Esses números são decorrentes de fatos econômicos ocorridos em maio. Então, ainda não estão refletindo essa desaceleração do crescimento”, comentou.
De acordo com Lobão, os recordes registrados na arrecadação mensal e semestral resultam da combinação entre o crescimento da economia e a retirada de estímulos fiscais, como a redução da incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em bens de consumo duráveis. “Não podemos deixar de lembrar que houve esse estímulo para as compras e muitos desses produtos foram financiados pelos consumidores, o que também gera uma arrecadação maior de impostos sobre as operações de crédito (IOF), além de aumentar os tributos ligados à produção e à venda”, comentou.
As receitas que lideraram a arrecadação no mês passado foram a previdenciária, com R$ 18,347 bilhões e a do Pis-Cofins, com R$ 14,455 bilhões. Esse último é influenciado principalmente pelas vendas no comércio. Os recolhimentos referentes ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) somaram R$ 2,163 bilhões. Em contrapartida, os valores do Imposto de Renda das empresas (IRPJ) e os da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) renderam aos cofres do governo, juntos, R$ 7,327 bilhões, montante R$ 1,664 bilhão menor do que o registrado no mesmo período de 2009.
1 - Controle direto
As receitas administradas são formadas pelos tributos recolhidos diretamente pela Receita Federal. Elas são a quase totalidade dos recursos que entram no orçamento fiscal do governo. Fazem parte desse grupo os impostos e as contribuições que mais afetam os brasileiros, como o Imposto de Renda, o IPI e o Pis-Cofins. Nessa conta, não entram as chamada “demais receita”, como a do pagamento de royalties sobre a extração de petróleo.
Lei da mordaça na Receita
Renato Araujo/ABr - 22/6/10 |
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Eu disse que não vou falar sobre projeção.O secretário me orientou a não fazer isso” Victor Lampert (o “Dunga da Receita”),coordenador de Estudos, Previsão e Análise
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Envolvida em suspeitas de vazamento de informações fiscais sigilosas, a Receita Federal baixou, por ordem do próprio secretário da instituição, Otacílio Cartaxo, uma lei da mordaça sobre os funcionários. A preocupação de evitar declarações comprometedoras é tamanha que já afeta até mesmo o corpo técnico. Em entrevista concedida ontem para avaliar a arrecadação de junho, o coordenador de Estudos, Previsão e Análise, Victor Lampert, se recusou a comentar as projeções para o recolhimento de impostos, procedimento comum nesse tipo de encontro mensal, por orientação do chefe.
Indagado sobre se a arrecadação tende a ter crescimento menor, dado as informações acumuladas no primeiro semestre, Lampert foi taxativo. “Isso já envolve previsão. Eu disse que não vou falar sobre projeção. O secretário me orientou a não fazer isso. Disse que minha competência para responder perguntas a respeito de arrecadação é com relação ao passado”, afirmou. Em clima tenso, ele ameaçou abandonar a entrevista e, por duas vezes, levantou-se com a intenção de deixar a sala, mas foi detido à porta pela assessoria de imprensa. Mesmo quando questionado sobre dados de 2008 e 2009, Lampert respondeu que não estava autorizado a falar.
“Vocês não estão satisfeitos com a pauta imposta, que não fui eu que decidi, que me foi colocada pelo secretário. Então, acho que deveriam se dirigir à assessoria para negociar com o secretário a abertura de outras coisas”, disse. O coordenador, que já foi apelidado de “o Dunga da Receita”, por ser gaúcho e gostar de bater boca com a imprensa, como o ex-técnico da Seleção Brasileira, se recusou a comentar os dados da arrecadação para as câmeras de televisão, um ritual tradicional nos encontros — Lampert está no cargo há três meses.
No início da noite, Otacílio Cartaxo telefonou para os repórteres para pedir desculpas pelo destempero de seu auxiliar. Ele afirmou que não aprova o comportamento do coordenador. O secretário negou que tivesse orientado Lampert a esconder determinadas informações. “Tratava-se de uma matéria técnica. Que tipo de recomendação eu poderia fazer? Não entendo o que aconteceu”, afirmou. Diante da repercussão negativa, o secretário pensa em afastar o subordinado do contato mensal com os jornalistas. (GC)