Moradores tentam encontrar sobreviventes no Morro do Bumba, em Niteroi. A favela ficava em cima de um lixão
Com o objetivo de tentar entender os flagrantes erros dos governos municipais, estaduais e federal no que diz respeito à prevenção de desastres, ÉPOCA entrevistou, em fevereiro, a professora Norma Valêncio, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (Neped) do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Norma coordenou a produção do livro Sociologia dos Desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil, o qual conclui que, na origem das tragédias, está a falta de seriedade e transparência dos governantes brasileiros. Esse comportamento, afirma ela, é responsável pela falta de um serviço de Defesa Civil capaz de envolver todos os setores da sociedade e efetivamente defender a população civil.
Nesta quinta-feira, 8 de abril, em meio a uma semana na qual mais de 150 moradores do Rio de Janeiro morreram por conta do descaso, a entrevista continua totalmente atualizada. Confira abaixo o início da conversa com Norma Valêncio e clique no link para ler a entrevista na íntegra:
Norma Valêncio – Há muitas origens. Duas delas, aparentemente ambíguas, são: a cultura acadêmica verticalizada e a cultura política reativa e conservadora. A cultura acadêmica que valoriza a verticalização da formação profissional gera especialistas excelentes, mas pouco predispostos a compartilhar visões de mundo com sujeitos diferentes de si. Por conta da falta de diálogo, esses profissionais e as instituições em que trabalham atuam minimizando os riscos sabidos mas não se apercebendo de outros. A recorrência de desastres, assim, é a materialização dessas lacunas. De outra parte, temos uma cultura político-institucional cuja burocratização instituiu o gosto pela manutenção das relações com certos grupos de poder. Se há um lobby que força investimentos no setor da construção civil, associado a profissionais empenhados em fazer ajustes a tais interesses, o gestor público se acomoda e perde a dimensão global dos efeitos cumulativos dessas intervenções. A setorialização leva um grupo a cuidar da insuficiência da calha do rio para receber as águas pluviais enquanto o outro está construindo novas pistas marginais. Sendo conservador, o gestor testemunha estupefato o desastre e, infelizmente, recorre aos mesmos setores e especialidades para achar soluções, o que faz o desastre persistir, ainda que em nova roupagem.
Norma – Nem sempre o desastre só traz desgaste político. Isso depende muito de qual ética ancora o gestor. Em primeiro lugar, a ocorrência de desastres implica a possibilidade de captação de recursos públicos adicionais e, ainda, de doações privadas, para mitigar danos e para a reconstrução. Pode ser um bom negócio tanto para ofertadores de produtos e serviços ao município, quanto para políticos que querem alavancar sua imagem com a adoção de medidas assistencialistas. Claro que há os que se exasperam, sofrendo junto com a população afetada, mas que não conseguem acionar estratégias, recursos e equipes que lhes ofereçam um plano de reconstrução alternativo, que reduza a vulnerabilidade socioambiental. Nas campanhas políticas que vem por aí, não dá pra jogar o desastre na cara do adversário, porque regiões desenvolvidas e atrasadas, das múltiplas colorações partidárias, são acometidas do mesmo mal. É uma questão que interfere no planejamento de Estado e assim deveria ser tratada.
As ruas da cidade ficaram cobertas de entulho. País não tem um sistema de Defesa Civil que funcione para prevenir os desastres
As tragédias ocorridas na virada de 2010 em cidades como Angra dos Reis (RJ) e São Luiz do Paraitinga (SP) colocaram em xeque, mais uma vez, os trabalhos dos governos federal, estaduais e municipais no que diz respeito à prevenção de desastres. Construções em áreas de proteção, ausência de um sistema de alerta e a precariedade do atendimento às populações atingidas deixaram claro que o Brasil precisa repensar suas estratégias para evitar a repetição dos desastres.
No livro Sociologia dos Desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil, lançado no fim de janeiro pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (Neped) do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), os pesquisadores debatem as causas dessa rotina de desastres e concluem que, na origem das tragédias, está a falta de uma cultura de prevenção e proteção civil.
Nesta entrevista a ÉPOCA, Norma Valêncio, coordenadora do Neped, critica a falta de seriedade e transparência dos governantes brasileiros e explica o que impede, até hoje, que o país tenha um serviço de Defesa Civil capaz de envolver todos os setores da sociedade e efetivamente defender a população civil.
Norma Valêncio – Há muitas origens. Duas delas, aparentemente ambíguas, são: a cultura acadêmica verticalizada e a cultura política reativa e conservadora. A cultura acadêmica que valoriza a verticalização da formação profissional gera especialistas excelentes, mas pouco predispostos a compartilhar visões de mundo com sujeitos diferentes de si. Por conta da falta de diálogo, esses profissionais e as instituições em que trabalham atuam minimizando os riscos sabidos mas não se apercebendo de outros. A recorrência de desastres, assim, é a materialização dessas lacunas. De outra parte, temos uma cultura político-institucional cuja burocratização instituiu o gosto pela manutenção das relações com certos grupos de poder. Se há um lobby que força investimentos no setor da construção civil, associado a profissionais empenhados em fazer ajustes a tais interesses, o gestor público se acomoda e perde a dimensão global dos efeitos cumulativos dessas intervenções. A setorialização leva um grupo a cuidar da insuficiência da calha do rio para receber as águas pluviais enquanto o outro está construindo novas pistas marginais. Sendo conservador, o gestor testemunha estupefato o desastre e, infelizmente, recorre aos mesmos setores e especialidades para achar soluções, o que faz o desastre persistir, ainda que em nova roupagem.
Norma – Nem sempre o desastre só traz desgaste político. Isso depende muito de qual ética ancora o gestor. Em primeiro lugar, a ocorrência de desastres implica a possibilidade de captação de recursos públicos adicionais e, ainda, de doações privadas, para mitigar danos e para a reconstrução. Pode ser um bom negócio tanto para ofertadores de produtos e serviços ao município, quanto para políticos que querem alavancar sua imagem com a adoção de medidas assistencialistas. Claro que há os que se exasperam, sofrendo junto com a população afetada, mas que não conseguem acionar estratégias, recursos e equipes que lhes ofereçam um plano de reconstrução alternativo, que reduza a vulnerabilidade socioambiental. Nas campanhas políticas que vem por aí, não dá pra jogar o desastre na cara do adversário, porque regiões desenvolvidas e atrasadas, das múltiplas colorações partidárias, são acometidas do mesmo mal. É uma questão que interfere no planejamento de Estado e assim deveria ser tratada.
Norma – O Brasil naturalizou as desigualdades distributivas que se manifestam, entre outros, nos processos de territorialização precários no campo e na cidade. Por trás da moradia frágil que, inserida nas bordas periféricas, sofre o impacto da enchente ou do deslizamento, há o sujeito oculto do Estado, que não levou a infraestrutura e equipamentos públicos essenciais, não levou educação de qualidade, não levou saúde, não levou segurança pública até ali. Essa falta de assistência fica também expressa quando as medidas atendimento às famílias afetadas inexistem ou são indignas. Chamar de desastre o barraco que despenca do morro e isso motivar, apenas, a melhoria do sistema de alerta para as chuvas é complicado para nós, cientistas sociais. Deveria haver prioridade na leitura das informações dos "sistemas de alerta" para a condição social desastrosa daquele sujeito ou região, e isso mobilizar o ente público, independente das condições do tempo.
Norma – Depende muito do que se vai chamar de processo educativo, pois, do meu ponto de vista, são as populações desassistidas que precisam se organizar para ensinar os gestores, os peritos e a sociedade em geral, a partir e seu conhecimento empírico, forjado a muito sofrimento, o que é barbárie e apontar os caminhos para a integração social, com base na cidadania. O ente público e os grupos que estes apoiam, no geral, calcam sua afirmação no mundo contestando o ponto de vista daqueles a quem as políticas não alcançam ou alcançam de forma desfavorável. Vejo com preocupação as práticas de silenciamento dos empobrecidos, como através de ações de conscientização da população, como se “matar um leão por dia” não exigisse muita consciência sobre o que é a realidade social vivida. Conscientização é o que devemos ter nós, os incluídos, ao ver os corpos cobertos de feridas dos moradores do Jardim Romano e do Jardim Pantanal [bairros de São Paulo] que estão há semanas vivendo sob águas fétidas e contaminadas na região mais rica do país.
Morro do Bumba: casas foram soterradas, 3 mil desabrigados e centenas de desaparecidos
O prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira (PTD), sabia que a comunidade do Morro do Bumba, em Viçoso Jardim, na zona norte da cidade, havia sido construída sobre um antigo lixão. Cerca de 3 mil moradores do Morro do Bumba ficaram desabrigados após o deslizamento de terra que atingiu o local na noite de quarta-feira (7). Pelo menos 17 pessoas morreram e os bombeiros procuram outros corpos que podem estar soterrados. (Confira fotos no fim da reportagem)
“A gente sabia que o lixão estava desativado há 30 anos. Quando eu assumi pela primeira vez, já havia um início de ocupação. A região é muito pobre e as informações que eu tinha eram de que aquele aterro era muito antigo e não representava nenhum risco”, disse o prefeito. Esta é terceira vez que Silveira ocupa a Prefeitura de Niterói (o quarto mandato, contando uma reeleição). A primeira foi entre 1989 e 1992, a segunda de 1997 até 2002 (ele foi reeleito em 2000 e deixou o cargo dois anos depois para se candidatar ao Governo do Rio), a terceira teve início em janeiro de 2009. O PDT administrou a cidade 15 dos últimos 21 anos.
Sobre a retirada dos moradores, Silveira afirmou que não tinha conhecimento do tamanho do risco. “As pessoas dizem assim: ‘deviam ter removido [as pessoas]’, mas quem fala isso não conhece o real Brasil hoje. Eu, realmente, não tinha conhecimento que havia esse risco todo. Se eu soubesse, evidentemente, teria providenciado isso”, afirmou.
A Prefeitura de Niterói tinha em seu poder, desde 2004, pelo menos dois estudos produzidos pela Universidade Federal Fluminense (UFF) que alertavam sobre os riscos da ocupação desordenada da cidade e de deslizamento nas encostas do município. As pesquisas foram elaboradas pelos departamentos de Geociência, de Arquitetura e de Engenharia Civil da UFF, que fica em Niterói.
O estudo mais recente, concluído em 2007, apontou 142 pontos de risco em 11 regiões da cidade. De acordo com o coordenador da pesquisa, o professor do Departamento de Engenharia Civil da UFF e doutor em Recursos Hídricos, Elson Antonio do Nascimento, os desmoronamentos ocorreram em cinco das áreas apontadas pela pesquisa, que teve o apoio do Ministério das Cidades.
"O plano seguiu a metodologia do ministério, que dá prioridade sempre a soluções mais simples e econômicas. Para drenagem, as obras sugeridas custariam em torno de R$ 20 milhões. Para estabilização das encostas, R$ 19 milhões. As obras de emergência levariam dois anos para ser concluídas e o plano poderia ser finalizado em cinco anos", explicou Nascimento.
Segundo Nascimento, o então prefeito Godofredo Pinto (PT) preferiu não aplicar o plano "por discordar da metodologia". (Pinto foi vice-prefeito de 2000 até 2002 e assumiu o cargo com a saída de Silveira; foi reeleito em 2004). Em junho de 2004, o Instituto de Geociências entregou à prefeitura um outro mapeamento com todas as áreas de risco de Niterói.
No documento, o Morro do Bumba era apontado como uma região de "extremo risco", onde facilmente poderiam ocorrer deslizamentos pelo fluxo de detritos acumulados no solo. "Fizemos o estudo com uma equipe multidisciplinar e realizamos a análise geológica e o estudo da cobertura vegetal. Podemos afirmar que a degradação do lixo foi o motor do deslizamento", disse o professor e geólogo Adalberto da Silva, que participou do estudo.
Niterói teve o maior número de vítimas fatais no Estado. Segundo o Corpo de Bombeiros, já são 107 mortos. O prefeito decretou estado de calamidade pública e luto oficial de uma semana.
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), visitou morro na tarde de quinta-feira. “Foi uma tragédia de dimensão brutal. Eu fiquei muito impressionado e as informações não são de boa perspectiva. A dimensão é de uma catástrofe humana e ambiental”, declarou. O deslizamento pode ter sido provocado pela explosão do gás metano em decomposição no solo do local, segundo a secretária estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, Marilene Ramos.
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O governo federal liberou R$ 200 milhões para o Rio de Janeiro. O dinheiro será destinado a ações emergenciais nas áreas atingidas pela chuvas, sob o comando do Ministério da Integração Nacional. O governo estadual e a prefeitura da capital fluminense haviam solicitado R$ 370 milhões.
O governo enviará 50 novas ambulâncias para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e 52 kits de emergência para atender 75 mil desabrigados. Os kits de emergência possuem colchões, lençóis, filtros de água, além de cestas básicas.
A Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro disponibilizou mais 21 postos de atendimento para receber doações a desabrigados. De acordo com a prefeitura, as necessidades mais urgentes são colchonetes, roupas de cama e banho, material de higiene, fraldas, alimentos não perecíveis, leite em pó e água mineral.
Além desses postos de atendimento, os donativos podem ser entregues das 9h às 17h no Centro Administrativo São Sebastião, na Cidade Nova, e na Praça da Cruz Vermelha, 10, no centro. O endereço de todos os postos e mais informações podem ser obtidos pelo telefone (21) 3973-3800 ou no site www.rio.rj.gov.br .