Daniel Bushatsky
Segunda-feira, 5/4/2010
Recentemente a Veja se comparou ao jornalista e escritor norte-americano Gay Talese, um dos criadores do movimento Novo Jornalismo, que incorporava no jornalismo características de literatura (descrição de cenas, diálogos e ponto de vista dos personagens) e que ficou famoso na década de 60, por "entrevistar" Frank Sinatra para a revista Esquire. Na verdade, como não foi possível uma entrevista nos moldes convencionais com o dono da voz mais charmosa que já existiu, Talese se contentou em perseguir o astro para depois descrevê-lo em um artigo não apenas profundo, mas que lhe rendeu fama e uma enorme projeção.
Com certeza esse não foi o início dos jornalistas inconvenientes ou das pseudo-entrevistas. Esses jornalistas não respeitam a intimidade das pessoas e, lógico, possuem na ponta da língua a resposta que lhes dá legitimidade para o que fazem, e não é "nós somos chatos mesmo", mas sim "há liberdade de imprensa" e "a população tem direito de saber a verdade". Se inspiraram nele, mas não entenderam Talese.
Questiono a verdade de que? A população tem direito de saber que dois jornalistas deram uma de Gay Talese e investigaram a vida de Ronaldo, o Fenômeno, mesmo sem este querer. Ou a população tem o direito de saber que o restaurante argentino Pobre Ruan deixa Ronaldo entrar de bermuda, enquanto os outros fregueses, menos famosos, devem vestir calça?
A população também precisa saber, com certeza, como os famosos se vestem ou como se comportam em casa, mesmo contra as suas vontades. Uns podem argumentar que eles que escolheram ser famosos, mas peraí: já não basta as entrevistas concedidas por livre e espontânea vontade?
Pior, já tivemos lições que esta invasão pode resultar em morte ― ou vocês não se lembram da Lady Di?
Pelo menos o escritor americano não se contentou em relatar a vida social e financeira do astro, fazendo análise bem mais profunda e muito mais inovadora.
Mas acho que não muito longe desse tipo de comportamento está a manipulação da mídia no caso Nardoni. Por opção, vi e li pouco sobre o show. O melhor foi a manchete de alguns jornais que diziam que agora a justiça brasileira provou que pode ser célere. Convenhamos, ela só foi célere porque a população precisa de pão e circo! Tanto circo que após a sentença ter sido lida pelo juiz da causa houve queima de fogos de artifício.
Tanto o caso de Ronaldo ― que não quis dar uma exclusiva e foi punido com dois jornalistas na suas costas, quanto o dia a dia do casal Nardoni só provaram duas coisas: a mídia nos manipula e nós gostamos do que nos é vendido!
Ahh, já estava esquecendo o apaixonante BBB 10. No primeiro, torci para ninguém assistir, mas no décimo, e ainda com essa audiência, vi que estou condenado e ficar de lado em algumas conversas de bar.
Se não houvesse a manipulação da nossa futilidade, ninguém estaria tão interessado em saber dos carros do Ronaldo ou da crueldade dos Nardoni. Existem pessoas interessantes dispostas a dar entrevista e crimes mais cruéis do que o de Isabela para nos interessarmos e estudarmos profundamente.
Porém, o que parece, é que gostamos da superficialidade. É melhor sermos fantoches, acompanhando estaticamente o que a mídia comum nos oferece, em vez de nos revoltarmos e buscarmos informações mais precisas em sites e livros especializados ou em podcasts.
A questão é que esta futilidade não tem origem somente na mídia. A propaganda também tem sua parcela de culpa.
Somos bombardeados diariamente com inúmeras marcas e seus respectivos logotipos e desenhos gráficos que as representam. Elas são a representação, em geral, de uma empresa. Se você se lembra da marca, é porque a empresa é famosa e construiu muito bem sua reputação em volta dela.
Há marcas de alto renome, que são aquelas que são famosas no país de origem a ponto de poderem ter proteção em outras localidades. Há, também, as marcas notórias, que são reconhecidas em qualquer lugar do mundo, como a Coca-Cola ou a Havaianas.
Cinco franceses, muito criativos, escolheram mais de 2 mil marcas notórias e filmaram o curta ganhador do Oscar (apenas 17 minutos) que se passa em uma típica cidade americana. O filme joga com o espectador o conhecimento das marcas, logotipos e ícones comerciais que ganham vida e coloca como personagens principais os bonecos da Michelin e Ronald McDonald.
Considerando que os criadores do curta são franceses, quem vocês acham que faz o papel de mau?
O filme demonstra como somos bons de marca. Duvido que qualquer leitor consiga citar 2 mil instituições de caridade, mas aposto que todos conseguirão reconhecer 80% das marcas.
O universo paralelo construído me fez refletir desde o óbvio consumismo em excesso, passando pelo poder das marcas, pelas reportagens dos pseudo-Gay Talese até a nossa futilidade.
Como não nos revoltamos com o excesso de exposição que somos obrigados a aguentar diariamente, permitimos que marcas sejam mais poderosas que pessoas, e acabamos por ter uma visão limítrofe da realidade.
Ronaldo é, com certeza, uma marca notória, e do mesmo jeito que temos interesse em saber que existem Havaianas que valem milhares de dólares, queremos também saber quanto ele dá de gorjeta.
Quanto mais esses assuntos te deixarem irritado, mais perto você estará de ver o fútil das marcas.
Quanto mais esses assuntos te interessarem, mais perto de você estará a marca do fútil.
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3037
segunda-feira, 5 de abril de 2010
A marca do fútil
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