24/09/2009
O aspecto único do Holocausto, que o diferencia de horrores comparáveis como a escravidão, é que o extermínio do riquíssimo judaísmo europeu, berço de Einsteins, Kafkas e Freuds, foi executado pelo país mais culto da Europa pelo simples fato de os judeus serem judeus.
Eles não eram inimigos do Estado, não tinham exércitos, suas mortes não serviriam (prioritariamente) para o avanço econômico de seus perseguidores. Eram apenas de uma cultura/religião diferente e foram usados pela megalomania germano-hitlerista como a antítese do super-homem ariano, a ser eliminada do tecido alemão.
O sobrevivente do campo de extermínio de Auschwitz e prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel, ao voltar à sua aldeia natal na Romênia, disse que a vida por lá continuava exatamente igual desde que deixara o lugar com a família, 40 anos antes, rumo à morte. A única diferença é que não havia mais judeus.
Quase 9 milhões de judeus viviam nos países europeus direta ou indiretamente sob controle alemão. Os nazistas conseguiram matar cerca de 6 milhões. Se os judeus não lembrarem seu Holocausto, ele certamente será esquecido.
Por isso embrulha o estômago ver o presidente Lula abraçar o presidente Mahmoud Ahmadinejad em Nova York poucos dias depois de o iraniano declarar que "o Holocausto é uma mentira".
O insulto de Ahmadinejad foi ainda mais doloroso por ocorrer às vésperas do Rosh Ashaná, o Ano Novo judaico, período de reflexão. Os grandes países ocidentais o deploraram.
O Brasil se calou.
Ricardo Stuckert/PR |
Presidentes do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, posam para fotos durante encontro na ONU, em NY |
E logo depois ainda prestigiou o semi-pária num encontro de mais de uma hora na ONU, durante a Assembleia Geral da organização, para o mundo todo ver.
Lula e o Brasil estão no auge de sua projeção de poder. Estamos mudando de liga no jogo das nações. E nossa Chancelaria vende barato nosso cada vez mais importante apoio. O que o Irã dá em troca ao Brasil?
Antes de receber Ahmadinejad na cidade com a maior população judaica do mundo, Lula já havia sido o primeiro a apoiá-lo logo após a contestada eleição do iraniano. E ainda fez uma muito infeliz comparação dos conflitos entre oposicionistas e milícias armadas iranianas a uma rixa entre vascaínos e flamenguistas.
Tal rixa deixou dezenas de mortos e enfraqueceu um regime teocrático entre os mais repressores do mundo. Mas o Brasil de Lula foi o primeiro a estender sua mão para fortalecer o regime repressor de Teerã. E ainda receberá Ahmadinejad em visita em novembro.
O presidente brasileiro, genuinamente humanista, parece ter sido enrolado pelo anacrônico terceiro-mundismo que domina seus assessores e o Itamaraty. Ao ser questionado em Nova York sobre o negacionismo hediondo de Ahmadinejad em relação ao Holocausto, Lula respondeu:
"Isso não prejudica a relação do Estado brasileiro com o Irã porque isso não é um clube de amigos. Isso é uma relação do Estado brasileiro com o Estado iraniano."
A frase faria sentido se essa relação trouxesse benefícios ao Estado brasileiro proporcionais aos gestos de Lula. Mas ela só engrossa a lista de equívocos de sua diplomacia.
Já seria duro ver o Brasil tolerar a intolerância por recompensas mundanas. Tolerá-la por nada dá vergonha.
Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas. E-mail: smalberg@uol.com.br |
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