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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural







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Fomento à Identidade e à Diversidade Cultural no Contexto Brasileiro
A importância do tema Identidade e Diversidade Cultural no atual governo
Fomento à Identidade e à Diversidade Cultural no Contexto Brasileiro *

Agosto de 2004


A criação da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural no âmbito do Ministério da Cultura revela a importância deste tema para o governo Luíz Inácio Lula da Silva, e está relacionada à crescente importância deste tema nos debates sobre Cultura e Política Cultural. As sociedades ocidentais em geral e o Brasil em particular passam por transformações desde o final do século XX, colocando em crise as noções modernas de Cultura e Identidade Cultural, bem como à construção moderna de identidade cultural brasileira. A essas modificações ocorridas na dinâmica social devem corresponder um aperfeiçoamento das instituições responsáveis pelas políticas públicas culturais e nas formas de apoio e à diversidade cultural brasileira.

Auspicioso é o fato da dimensão Cultural ser incluída no conceito de desenvolvimento nacional no Plano Plurianual 2003/2007 – Plano Brasil de Todos do governo do Presidente Lula, ao lado das dimensões econômica, da inclusão social, regional, ambiental e democrática. O Desafio 24 do Megaobjetivo III – Promoção e expansão da cidadania e fortaleciemento da democracia – propõe: “Valorizar a diversidade das expressões culturais nacionais e regionais”. Dentre as Orientações Estratégicas várias são as que se relacionam com os temas da identidade e da diversidade cultural, tais como:

a) ampliar o nível e a qualidade da escolarização da população, promovendo o acesso universal à educação e ao patrimônio cultural do país;

b) reduzir a vulnerabilidade das crianças e de adolescentes em relação a todas as formas de violência, aprimorando os mecanismos de efetivação dos seus direitos sociais e culturais;

c) promover a redução das desigualdades raciais, com ênfase na valorização cultural das etnias;

d) promover a redução das desigualdades de gênero, com ênfase na valorização das diferentes identidades;

e) ampliar o acesso à informação e ao conhecimento por meio das novas tecnologias, promovendo a inclusão digital e garantindo a formação crítica dos usuários;

f) ampliar, desconcentrar regionalmente e fortalecer as bases culturais, científicas e tecnológicas de sustentação do desenvolvimento, democratizando o seu acesso;

g) reduzir as desigualdades regionais e intra-regionais com integração das múltiplas escalas espaciais (nacional, macro-regional, sub-regional e local), valorizando as identidades e diversidades culturais e estimulando a participação da sociedade no desenvolvimento local;

h) valorizar a identidade e preservar a integridade e soberania nacionais;

i) promover os valores e os interesses nacionais e intensificar o compromisso do Brasil com uma cultura da paz, solidariedade e de direitos humanos no cenário internacional.

Como problema de política pública temos que enfrentar os riscos de empobrecimento de nossa diversidade cultural - devido a processos e tendências culturais homogeinizadoras e à vulnerabilidades de reprodução de determinados modos de vida no Brasil - e, também às dificuldade de produção de diálogos e trânsitos culturais entre os brasileiros (bem como entre os brasileiros e outros povos), fazendo com que a diversidade cultural brasileira ainda seja pouco conhecida e usufruida. Diversos e grupos identitários na sociedade brasileira são sub-representados na nossa produção cultural. Além da invisibilidade de grupos e manifestações de dois dos três povos formadores – os afro-descendente e os povos indígenas – manifestações construídas por imigrantes de várias origens também são sub-representados. Além disso há o insuficiente reconhecimento e aceitação de diversas culturas e manifestações culturais consideradas como sub-nacionais, regionais ou locais, produtos originais de modos de vida ao longo do território e história brasileira.

Em conseqüência, devemos aperfeiçoar o conjuntos de instrumentos de políticas públicas que apoiem a preservação e o desenvolvimento dos grupos e redes culturais que produzem as manifestações características de nossa diversidade, além de fomentar o intercâmbio cultural entre grupos e regiões do país. Esta é a missão da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural e uma das novidades estratégicas da atual gestão do Sistema MinC. Na revisão do PPA 2004/2007 o MinC propôs o Programa Brasil Plural – Identidade e Diversidade Cultural. A elaboração destes instrumentos está associada ao debate conceitual e político sobre os conceitos de Cultura, Identidade e Diversidade Cultural, além de uma discussão em relação ao contexto brasileiro.


Os deslocamentos da Identidade Cultural na Modernidade e do Conceito de Cultura

As identidades culturais apresentariam ao longo do tempo maior ou menor estabilidade, capacidade de fixar significados e coesionar coletividades humanas. A construção das identidades e seus deslocamentos, tanto as expressões e identidades singulares - como as das nações, etnias, religiões, etc – quanto os elementos que se consideram universais, têm seus significados historicamente e socialmente construídos, sendo fluidos e em transformação.

A idéia moderna de Cultura está, desde seu surgimento, associada à idéia de diversidade e ao chamado sujeito Iluminismo, passando a reunir na mesma noção, desde o início do século XIX, a tradição humanista de cultivo das realizações “superiores” do espírito humano nas artes e ciências e a nova valorização, de raiz iluminista, da diversidade de costumes e crenças dos povos como via para o conhecimento do humano.” A Cultura no sentido moderno - mesmo considerando as diferentes conceituações construídas durante o século XX - ao mesmo tempo seria o conjunto de expressões do espírito ou gênero humano e das expressões singulares da humanidade, tais como dos indivíduos ou de grupos sociais que tornam-se identificados com determinada expressão ou “cultura”. As transformações dos sentidos de cultura estão relacionadas a tensões entre tendências homogeinizadoras ou universalizantes com afirmações ou manifestações singulares.

Em “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, Stuart Hall faz um mapeamento dos sujeitos da modernidade, postulando que o sujeito típico da modernidade – o sujeito do Iluminismo – teria sua identidade deslocada, resultando em identidades abertas, contraditórias, inacabadas e fragmentadas, características da modernidade tardia ou pós-modernidade. O sujeito do Iluminismo (ou sujeito cartesiano) - basicamente o “indivíduo soberano”, uma entidade baseada na Razão, ao mesmo tempo indivisível (unificada no seu interior) e singular, distintiva, única – constitui-se em pólo na relação dual com as diversas estruturas ou instituições sociais. Por exemplo, será ele o homo economicus da Economia Clássica ou de “O Capital”, ou o cidadão individual enredado nas maquinarias e burocracias do estado moderno, ou ainda o artista individual criador, que manifesta seu gênio em obras de arte.

O século XX assiste ao surgimento e consolidação das Indústrias Culturais que ao mesmo tempo definem novas formas de produção e comunicação dos “produtos” culturais e novas relações entre os Estados Nacionais e essas indústrias. Até a metade do século as principais indústrias culturais estava ligadas ao rádio - veículo de novas formas de jornalismo e música (especialmente os produtos da indústria fonográfica) – ao cinema e ao livro. A partir dos anos 1920 e 1930 desenvolve-se o conceito de cultura de massa associado aos processos de industrialização e urbanização, em que atomização social e padronização dos gostos e comportamentos pela cultura de massa - que incluem as técnicas de publicidade e propaganda - aparecem conjuntamente. Durante o século passado as indústrias culturais incorporaram novas tecnologias de produção, difusão e comercialização de produtos culturais, tais como a televisão e as transmissões via satélite, além do recente desenvolvimento dos computadores, de novas tecnologias de captação, tratamento e transmissão de som, imagem e outros dados. A capacidade de abrangência desses meios de comunicação propicia condições supra-nacionais de homogeinização e padronização cultural, riscos apontados desde os pioneiros estudos críticos da Escola de Frankfurt.

É na segunda metade do século XX que o Sujeito do Iluminismo é descentrado, segundo vários autores. Hall aponta 5 fatores de deslocamento dessa identidade moderna: a) a interpretação marxista (não somente os escritos de Marx) contrariam a idéia de que haveria uma essência universal de homem (qualquer que seja ela), o caracterizaria como singular. Ao contrário, as determinações sociais, especialmente as posições em relação ao mundo do trabalho, ou seja, a situação de classe determinaria fortemente a identidade dos sujeitos contemporâneos; b) a proposição freudiana do inconsciente como base formadora de identidade - muito distinta da Razão – e as interpretações psicanalísticas, como as de Jaques Lacan, em que a formação do eu dá-se na relação com os outros em processos contraditórios de identificação; c) as proposições da lingüística estrutural, em especial de Saussure, que minimizam a idéia de que somos realmente “autores” das afirmações que fazemos, já que as línguas são sistemas sociais e não individuais; d) a proposição foucaultiana do “poder disciplinar” cujo objetivo consiste em manter as vidas, as atividades, o trabalho, as infelicidades e os prazeres do indivíduo, manifestado através de modernas instituições como quartéis, escolas, prisões, hospitais, clínicas, etc; e) o impacto do feminismo e dos novos movimentos sociais que emergiram nos anos 1960, que não se filiam nem ao liberalismo capitalista nem ao estalinismo, que afirmam dimensões subjetivas da vida como elementos da política, suspeitam das formas burocráticas (inclusive os partidos políticos) e valorizam formas especificamente culturais de manifestação, como o teatro revolucionário.

Os deslocamentos sofridos pelo sujeito do Iluminismo, tomado como representação da Identidade Cultural moderna, fazem com que se reconheça a legitimidade de identidades outras que as pretensamente universais. Essas identidades tem várias origens, tais como: a) situação de classe ou do mundo do trabalho (identidades de trabalhadores do campo ou da cidade, estudantes, etc); b) situações de gênero ou orientação sexual, como os movimentos de mulheres e os movimentos de gays, lésbicas, trangêneros e bissexuais; c) situação etária, como os idosos, jovens e crianças; d) situação étnica, como os dos afro-descendentes, dos povos indígenas e de imigrantes de várias origens. Este reconhecimento é fundamental para uma nova visão sobre Política Cultural, dada a importância das expressões ou manifestações especificamente culturais (não tomada a Cultura aqui na sua acepção antropológica) na construção dessas identidades.


A Identidade Cultural Nacional e a Modernidade Tardia

Um dos aspectos mais destacados nos debates em torno da globalização é em relação às tranformações dos Estados-Nação. No mundo moderno, as culturas nacionais são fontes principais de identidade cultural, ao um só tempo forças homogeinizadoras em determinado território e singulares no contexto internacional. Por exemplo, ao nos caracterizarmos como brasileiros estamos revelando esse traço da modernidade quase como um dado de natureza. Histórica e socialmente construídas as diversas idéias de nacionalidade são mais do que entidades políticas e sim elemento fundamental para um sistema de representação cultural. Diversas são as instituições culturais que re-produzem cotidianamente as representações e os símbolos das identidades nacionais, integrando diferenças entre os membros (indivíduos ou grupos) de uma nação.

A globalização como um conjunto de processos ou tendências que atravessam as fronteiras e culturas nacionais, coloca em crise as identidades culturais nacionais. Convém destacar que os movimentos globalizantes ou mundializantes são anteriores inclusive à mundialização proporcionada pelo capitalismo industrial. O que chamamos de globalização, segundo Harvey, foi um fenômeno de compressão de nossos mundos espaciais e temporais, um encolhimento das distâncias provocados principalmente pela influência de novas tecnologias de comunicação, afetando obviamente as representações de mundo, pois estas existem com referências espaciais e temporais. Convém lembrar que fenômeno semelhante ocorreu no final do século XIX e início do século XX, correspondendo ao aparecimento de diversas representações modernistas e futuristas, especialmente no mundos das artes plásticas. Frente à globalização, as identidades nacionais representam aspectos singulares da cultura e, ao mesmo tempo, internamente a cada país representam forças homogeinizadoras e “universalizantes”. Porém, uma das conseqüencias do questionamento das identidades nacionais é o reaparecimento de laços e identidades antes tidas como locais, regionais ou étnicas.


Diversidade Cultural e os debates em torno da UNESCO

A necessidade do reconhecimento, valorização e apoio à diversidade cultural aparece nos debates sobre Cultura e Políticas Culturais como reação às tendências homogeinizadoras já referidas. O tema da Diversidade Cultural adquire centralidade nos debates internacionais sobre Cultura e Política Cultural, bem como importância crescente nas negociações de tratados de Comércio Internacional, já que os chamados bens e serviços culturais têm apresentado importância crescente no comércio entre as nações. Freqüentemente são relacionados os esforços no sentido de uma Convenção de Diversidade Cultural no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO e de tratados internacionais regulamentando o comércio de bens e serviços culturais no âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC.

Há múltiplas definições de diversidade cultural e diferentes termos e campos intelectuais relacionados, como os debates relativos ao multiculturalismo, o pluralismo cultural, o interculturalismo, a fusão cultural, etc. Obuljen distingue duas aproximações gerais para caracterizar a diversidade cultural. Uma destaca a diversidade dentro de uma sociedade em particular, em que os indivíduos seriam denominadores potenciais de múltiplas identidades e características culturais heterogêneas, que em conjunto construiriam uma identidade nacional. Partindo de direitos humanos básicos e em ambiente democrático de construção de democracia cultural em que se explicitariam expressões específicas, ligadas a aspectos étnicos, de gênero, orientação sexual, etc. Uma outra dimensão da diversidade cultural pode ser percebida tomando as sociedades ou as nações-estado como unidades de afirmação identitária e a diversidade cultural seria entendida como um princípio representante das necessidades para intercâmbios de bens e serviços culturais entre estados e/ou culturas. As duas acepções são aqui aceitas e, posteriormente, discutidas em relação ao contexto brasileiro.

Entre 1946 e 2000 há modificações conceituais em torno do termo diversidade cultural nos documentos da UNESCO. Em um primeiro momento, a cultura ainda era vista mais centrada na produção artística, em que as nações-estados são consideradas unidades e o pluralismo se refere a diferenças entre as nações e também diferenças intra-nacionais. Posteriormente, há um alargamento do conceito de cultura associado a identidades, a defesa dos direitos culturais, a e ao debate em relação ao imperialismo ideológico no contexto da Guerra Fria. Mais recentemente o conceito de cultura é ainda mais alargado e caracterizado pela ligação entre cultura e democracia, como já referido.

Uma série de documentos constróem os atuais significados de Diversidade Cultural no âmbito da UNESCO, especialmente o relatório Nossa Diversidade Cultural (1995) e a Declaração Universal de Diversidade Cultural (2001). Provavelmente, a definição de cultura mais sintética foi adotada na Conferência MONDIACULT, na cidade do México e reiterada no documento de 2001, em que cultura deve ser considerada como o conjunto de traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. Esses traços distintivos caracterizariam o que se conhece por identidade cultural. Assim, a diversidade cultural se referiria à multiplicidade de culturas ou de identidades culturais e a preservação da diversidade cultural implicaria na manutenção e desenvolvimento de culturas/identidades existentes e à abertura às demais culturas (promoção de intercâmbios culturais). A “Declaração” de 2001 associa o respeito à diversidade cultural à garantia da paz e da segurança internacionais, o que é muito significativo pelo momento histórico em que é proferida, haja vista a possibilidade de choque entre culturas e a luta contra o terrrorismo liderada pelos EUA.

O reconhecimento e valorização da diversidade cultural estão ligados à busca da solidariedade entre os povos, à consciência da unidade do gênero humano e no desenvolvimento dos intercâmbios culturais. Os processos de globalização e/ou mundialização, caracterizados por rápida evolução das tecnologias da informação e da comunicação constituem desafios para a diversidade cultural, criando condições e ameaças aos diálogos renovados entre culturas, civilizações ou grupos sociais. Os artigos da Declaração Universal da Diversidade Cultural são:

1) A diversidade cultural, patrimônio comum da humanidade;
2) Da diversidade cultural ao pluralismo cultural (pluralismo, convivência harmoniosa entre pessoas e grupos) como resposta política à diversidade;
3) A diversidade cultural, fator de desenvolvimento;
4) Os direitos humanos, garantias da diversidade cultural;
5) Os direitos culturais, marco propício da diversidade cultural;
6) Rumo a uma diversidade cultural acessível a todos;
7) O patrimônio cultural, fonte da criatividade;
8) Os bens e serviços culturais, mercadorias distintas das demais;
9) As políticas culturais, catalisadoras da criatividade;
10) Reforçar as capacidades de criação e de difusão em escala mundial;
11) Estabelecer parcerias entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil.

Além disso, é declarado um Plano de Ação para a promoção da diversidade cultural.

Sob liderança franco-canadense, há um movimento para que os debates no âmbito da UNESCO vá além: que seja estabelecida uma CONVENÇÃO sobre a diversidade cultural. Para apoiar esta Convenção, foi articulada uma Rede Internacional de Políticas Culturais, da qual o Brasil faz parte. Entre os objetivos da Convenção estão: 1) reconhecer a importância da diversidade cultural; 2) reconhecer que os bens e serviços culturais diferem de outros produtos; 3) reconhecer que medidas e políticas que visem garantir o acesso a produtos culturais de origem nacional diferem de outras políticas; 4) definir as regras que se apliquem às medidas regulamentadoras e outras no sentido de realçar a diversidade cultural e lingüística; 5) determinar como as disciplinas comerciais se aplicariam ou não às medidas culturais que respeitam as regras conveniadas.

Assim, este movimento não busca retirar a cultura do âmbito da Organização Mundial do Comércio, mas sim garantir a manutenção da legitimidade e legalidade de políticas públicas de preservação e desenvolvimento da diversidade cultural.


A Identidade e a Diversidade Cultural no Contexto Brasileiro

Os elementos já referidos fazem parte da realidade cultural e política brasileira, não sendo necessariamente derivadas estas presenças de influências externas. Por exemplo, faz parte do contexto político brasileiro os chamados novos movimentos sociais, em especial na luta ligadas às diversas questões de gênero, meio ambiente ou etnia (em especial o movimento negro). O mesmo ocorre em relação com as lutas relativas às condições de trabalho, como os movimentos operário ou às lutas camponesas, com destaque especial aos grupos de luta pela terra, derivada da trágica situação fundiária brasileira. Utilizando a clássica imagem proposta por Roberto Scharz, não se trata aqui de discutir o quanto “as idéias estariam “no lugar”', mas sim de reconhecer esses elementos e tranformações discursivas no contexto brasileiro e passíveis de afirmação como elementos de política cultural. A seguir são arrolados alguns elementos específicos no debate brasileiro sobre identidade e diversidade cultural.

O século XX, em especial durante a chamada Era Vargas (entre as décadas de 1930 e 1980), assiste à consolidação de novas sínteses identitárias, em especial o que poderia ser chamado de Identidade Nacional Brasileira Moderna. Em “O Mistério do Samba”, Hermano Vianna, ao mostrar como elementos da cultura popular são eleitos símbolos pátrios, revela a peculiar incorporação destes símbolos por correntes artísticas modernistas e das ciências sociais - com decisiva participação estatal - na formação de uma nova e moderna identidade cultural brasileira na qual a mestiçagem racial deixa de ser o bode expiatório do atraso para ser elemento positivo central da nacionalidade, tese expressa de maneira especial na obra de Gilberto Freyre. Desde a década de 1930 registram-se avanços institucionais no sentido do reconhecimento das manifestações brasileiras da cultura popular e do patrimônio histórico e cultural, especialmente a partir da criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

A construção de uma identidade cultural moderna no Brasil incorpora diversos elementos, alguns deles destacados aqui. Um deles é a idéia de superação do atraso herdado dos períodos anteriores, a idéia de progresso e de modernidade ligadas à cidade e à indústria. Destaque-se, também, a construção dos mitos das “três raças”, da democracia racial e do homem cordial. Superando heranças do período colonial, o Brasil moderno apresentaria uma inédita harmonia entre seus elementos formadores, especialmente, ainda, fruto de uma inédita miscigenação racial. Outro mito fundamental, do homem cordial, não se deriva diretamente da famosa proposição de Sérgio Buarque de Hollanda – que distingue o brasileiro de outras sociedades ocidentais por não construir uma base impessoal de relações sociais e, ao contrário, ser movido pelo core. O homem cordial no imaginário brasileiro estaria mais associado a idéia de passividade e de superação harmoniosa de conflitos (inclusive diferenças religiosas cederiam lugar ao sincretismo religioso) como traço distintivo de nossa identidade. A idéia do convívio harmonioso entre as diferentes culturas formadoras da nacionalidade seria elemento distintivo do Brasil no contexto das nações, em que o convívio entre culturas diferentes produziria conflitos sociais como o racismo e a intolerância religiosa.

Destaca-se aqui, também, que os significados desta identidade nacional são passíveis de questionamento e transformação. Elementos identitários já descritos relativos aos movimentos sociais são fatores de deslocamento desta identidade, tais como os questionamentos sobre desigualdades sociais relativas às condições de trabalho ou classe social, relativa às desigualdades raciais ou étnicas (especialmente a situação dos negros e dos povos indígenas – duas das três raças formadoras), desigualdades em relação à orientação sexual ou gênero. Além das críticas ao mito da democracia racial, expressas por exemplo, nas orientações estratégicas do PPA 2004-2007 acima referidas, convém destacar a relativa invisibilidade de manifestações culturais produzidas desde o século XIX por grupos imigrantes de diversas origens. Por exemplo, se os afro-descendentes são “invisíveis” na produção televisiva, também o são os descendentes de japoneses.

Outra dimensão importante relativa à identidade e diversidade cultural brasileira é a da chamada cultura regional. Diferentemente da formação histórica européia, o Brasil não é fruto da incorporação de povos ou tribos dominados por um destes povos, como , por exemplo, foram os ingleses em relação ao Reino Unido ou a hegemonia de Paris em relação às “regiões” da França. O Brasil é fruto de um processo de colonização das coroas da península ibérica sobre o território e os povos sul-americanos, com o domínio e mesmo extermínio de populações indígenas e processos migratórios compulsórios (escravos africanos) ou voluntários. A língua portuguesa e a unidade da formação das elites (como mostra José Murilo de Carvalho) foram e são elementos integradores decisivos da formação e manutenção da identidade nacional brasileira. Mesmo assim, há o reconhecimento diferenciado de certas manifestações como nacionais e uma “regionalização” ou secundarização (do ponto de vista do reconhecimento identitário brasileiro) das demais. Mesmo na “escolha” de símbolos e manifestações da cultura popular na construção da identidade brasileira moderna, houve destaque especial para as manifestações desenvolvidas na capital, no Rio de Janeiro, como o samba e o carnaval modernos. Por exemplo, o formato nacional de carnaval – o desfile de Escolas de Samba criado no Rio de Janeiro – foi nacionalizado, constituindo-se hoje em inegável patrimônio nacional da cultura popular.

A tensão entre os poderes e manifestação “locais” e os governos centrais (do Império ou da República) é tema de análise para os vários intérpretes do Brasil, desde os que destacam uma predominânica as forças centrífugas ou locais da experiência brasileira àqueles, como Raymundo Faoro, que destacam a predominância das forças homogeinizadoras do Estado e das elites portuguesas (e, depois, brasileiras) na vida nacional. De qualquer forma, as diversas formas de se reconhecer brasileiros, ou as diversas manifestações culturais “regionais” brasileiras fazem parte da riqueza de nossa diversidade cultural, ainda que pouco conhecidas e aproveitadas pelo conjunto dos brasileiros.

Convém destacar que os momentos em que, na chamada Era Vargas, os momentos em que o Estado mais se envolveu na re-construção da identidade nacional brasileira, são momentos de centralização política autoritária, em especial nos períodos do Estado Novo e do regime militar (1964-85). Vivemos um momento histórico em que está colocada uma oportunidade rara: a construção cotidiana da identidade nacional brasileira que busque valorizar sua diversidade e pluralidade e também, as positividades geradas por processos homogeinizadores e integradores, em um momento de consolidação democrática.

São vários as interpretações da cultura brasileira que destacam a importância do reconhecimento de seu caráter plural. No ensaio “Cultura Brasileira e Culturas Brasileira – do Singular ao Plural”, Alfredo Bosi propõe uma interpretação da cultura brasileira não como uma unidade uniforme, mas sim o entendimento necessariamente plural. Como uma primeira tentativa, o ensaio aponta elementos da cultura erudita brasileira (com forte referência nas universidades e outras instituições produtoras desta cultura erudita); da cultura popular brasileira, basicamente iletrada, característica do homem rústico ou interiorano; da cultura criadora individualizada dos artistas profissionais e da cultura de massas ou das chamadas indústrias culturais brasileiras.

São diversos os projetos culturais, especialmente no registro audiovisual de manifestações da cultura popular, que trabalham com a idéia da promoção da idéia de um Brasil Plural ou da Diversidade Brasileira. Como exemplos, temos a expressiva produção televisiva “regional” ou local, valorizando elementos das culturas “locais”, especialmente da cultura popular. Pode-se destacar, também, programas difundidos nacionalmente como o “Balaio Brasil” (Rede Sesc/Senac), “Me Leva Brasil e Brasil Total (Rede Globo) ou reportagens do Globo Repórter e Globo Rural. Esses e os demais projetos sobre o tema (como as cartografias culturais), reforçam também a idéia de que há uma base social para que o tema da diversidade cultural seja tema privilegiado de política pública cultural.

A sub-representação da Diversidade Cultural Brasileira, as Indústrias Culturais no Brasil e o Modelo de Financiamento à Cultura no Brasil.

Como formulado no âmbito do Programa Brasil Plural – Identidade e Diversidade Cultural, a sub-representação de diversas manifestações e de seus grupos sociais produtores ajuda a descrever o problema dos riscos de empobrecimento da diversidade cultural brasileira. As indústrias culturais e seus conteúdos assumem caráter estratégico no reconhecimento e valorização da diversidade cultural. Se no nível internacional seria importante proteger o controle dos meios de produção e distribuição de bens e serviços audiovisuais como forma de garantir a difusão de conteúdos nacionais, a questão da garantia da produção “regional” e de produtores independentes ganha relevância

Tramita no Congresso Nacional tramita um importante projeto no sentido da promoção da diversidade cultural brasileira é o Projeto de Lei nº 256/91 de autoria da Deputada Jandira Feghalli, que estipula a obrigatoriedade das emissoras de televisão veicularem, no horário de cinco às vinte e quatro horas, programas culturais, artísticos e jornalísticos produzidos e emitidos nos estados onde estão localizadas as sedes das emissoras e/ou suas afiliadas.

As questões da Identidade e da Diversidade como aqui descritas são transversais e complementares à necessidade de buscar um padrão de sustentabilidade para a produção artística e cultural brasileira, que conte com os necessários recursos públicos, via renúncia fiscal e via orçamentária, mas que, além da garantia do interesse público no uso destes recursos, do amplo acesso dos artistas, grupos e redes de apoio às manifestações culturias e um modelo de financiamento às artes no Brasil caminhe no sentido de romper o paternalismo estatal, situação vivida por produtores e artistas de diversos países europeus.


A Criação de uma Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural no MinC

A criação, no âmbito do Ministério da Cultura, de uma Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural tem um caráter estratégico na nova postura do MinC, de formular e implementar políticas públicas ativas na Cultura. Ativas no sentido da promoção da cultura tanto do ponto de vista de seus aspectos econômicos, de inclusão social e cidadania, bem como da importância da cultura como produção simbólica. A afirmação positiva da diversidade e pluralidade cultural brasileira, nos termos aqui expostos busca estimular e promover ações transversais de promoção da diversidade cultural brasileira e do intercâmbio cultural no território nacional.

Além de apoiar os processos de formulação de políticas culturais e articulação institucional, cabe à nova secretaria promover a diversidade e o intercâmbio cultural. A transversalidade de atuação da SID dá-se em relação aos segmentos culturais destacados na legislação cultural em vigor, que se refere às linguagens artísticas – música, artes cênicas, produção audiovisual, literatura, artes plásticas – ao artesanato, à preservação do patrimônio cultural, das manifestações dos povos “formadores da nacionalidade” e ao “folclore”. A promoção da diversidade cultural brasileira tem o sentido de incorporar as manifestações das identidades ligadas aos movimentos sociais (às novas identidades), como as referentes às situações de classe (como dos trabalhadores do campo e da cidade), de gênero e orientação sexual, étnicas e grupos etários, com ênfase no apoio às manifestações da cultura popular e das culturas “locais” ou “regionais” brasileiras.

No processo de revisão do PPA 2004-2007, foi aprovado o Programa para aprovação do Congresso Nacional. Veja o anexo.


Referência Bibliográfica

BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna.
OBULJEN, Nina. Um Resumo da História do Instituto para a Discussão de Diversidade Cultural para as Relações Internacionais. Zagreb, Culturelink Network, mimeo.
VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed; Ed. UFRJ, 1995.

(*) Redação: Álvaro Pontes de Magalhães Jr., a partir de debates com a equipe técnica da SID/MinC:
Sérgio Duarte Mamberti – Secretário
Ricardo Anair Barbosa de Lima – Secretário- Substituto

Equipe Técnica: Ana Maria Bravo Villalba, Flávia Galiza, Geraldo Vitor da Silva Filho e Napoleão Alvarenga.

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