Policiais que mataram brasileiro em 2005 irão depor; família acompanhará novo inquérito que começou nesta 2ª
Agências internacionais
Jean Charles tinha 27 anos quando foi atingido na cabeça por sete tiros disparados pela polícia antiterrorista do Reino Unido, ao embarcar numa estação do metrô de Londres em 22 de julho de 2005. O brasileiro foi confundido com o suspeito de uma tentativa de atentado a bomba ocorrida nas ruas de Londres no dia anterior. As tensões estavam elevadas na capital britânica, porque duas semanas antes quatro terroristas suicidas haviam atacado o sistema de trânsito da cidade e matado 52 pessoas. O inquérito, que pode demorar três meses, deverá ser o mais detalhado exame público dos acontecimentos que levaram à morte de Jean Charles. Dezenas de testemunhas são esperadas para prestar depoimento numa corte improvisada no Estádio Oval de Cricket de Londres, incluindo os outros passageiros do metrô que presenciaram o incidente.
A legislação britânica exige a realização de um inquérito quando alguém morre inesperadamente, violentamente ou de causa desconhecida. Ninguém foi condenado pela morte de Jean Charles: em 2006 os promotores decidiram que não buscariam a condenação criminal dos policiais envolvidos e a Comissão Independente de Denúncias contra a Polícia disse que eles não enfrentariam medidas disciplinares por causa da ação.
No ano passado, uma corte britânica condenou a força policial por ter colocado em perigo a segurança pública ao fazer os disparos. A mãe e o irmão de Jean Charles devem ser ouvidos em algumas partes do inquérito. "A família está muito feliz, porque foi uma longa batalha para chegar a este ponto", disse Estelle du Boulay, porta-voz da família. "Foi uma longa espera."
Segundo a BBC, a família do brasileiro criticou o anonimato concedido a policiais em posição-chave no caso e a possível ocultação de documentos confidenciais por motivo de segurança nacional. A mãe de Menezes, Maria, e o irmão dele, Giovani, viajam do Brasil para o Reino Unido, e devem acompanhar os trabalhos do inquérito por um mês, à partir de 3 de outubro.
Investigações
No total, já são quatro as investigações sobre a morte do brasileiro, que resultou ainda em um julgamento criminal. A primeira examinou as circunstâncias em que o brasileiro foi baleado e resultou em processo contra a polícia metropolitana, que foi considerada, em 2007, culpada de violar normas de procedimento, colocando a segurança pública em risco no episódio que resultou na morte do eletricista brasileiro, mas não pela sua morte.
Equipes de policiais à paisana seguiram Jean Charles do momento em que ele deixou um conjunto habitacional onde, acreditava-se, também estaria um suposto militante suicida, Hussain Osman, e seguiu para a estação de Stockwell. O brasileiro foi morto à queima-roupa dentro de um vagão do trem que havia parado na plataforma.
Uma outra investigação examinou as ações dos oficiais no comando horas depois que Jean Charles foi morto. Supostamente eles haviam divulgado informações imprecisas sobre a identidade da vítima. Este inquérito concluiu que eles não haviam planejado enganar o público deliberadamente, mas foram criticados pela forma como lidaram com as informações.
Um último inquérito foi estabelecido para analisar uma queixa da família Menezes sobre a forma como foi tratada após a morte de Jean Charles. Mas a queixa foi rejeitada. A investigação que começa nesta segunda-feira é parte das leis de Inglaterra e País de Gales, que determina que todas as mortes violentas devem ser apuradas. Este tipo de inquérito conta com um júri e é presidido por um juiz, mas é diferente de um tribunal criminal porque o juiz decide quem deve apresentar evidências para que toda a estória seja revelada para o júri. Já os casos criminais ocorrem em torno de advogados que apresentam evidências e testemunhas que reforçam a sua versão dos acontecimentos.
Atirar para matar
Segundo a imprensa britânica, o caso deve selar o destino do chefe da polícia metropolitana, Ian Blair, muito criticado na época e hoje sob pressão por alegações de racismo na polícia e favorecimento de um amigo. A polícia deve se defender procurando explicar a pressão que enfrentava após os ataques de 21 de julho de 2005. Também vai procurar defender a tática de atirar para matar que, alega, era a única forma de defesa contra um homem-bomba nas ruas de uma cidade britânica.
Neste sentido, o veredicto do inquérito iniciado nesta segunda-feira pode, em parte, ditar a forma que a ação de combate ao terror pode adotar futuramente no país.
Matéria atualizada às 7h40.
Entenda o novo inquérito sobre o caso Jean Charles
Caso do brasileiro morto por engano em 2005 no metrô de Londres será reexaminado
Sobre o que é este inquérito?
O inquérito, realizado em uma sala no Oval Cricket Ground, vai procurar apurar como e porque Jean Charles de Menezes, um eletricista brasileiro de 27 anos, foi morto a tiros pela polícia quando estava sentado no vagão de um trem do metrô de Londres na estação de Stockwell, no sul de Londres. O juiz que preside o inquérito, Michael Wright, e o júri vão ouvir quase 70 testemunhas, inclusive mais de 40 policiais. O júri deverá dar um veredicto dizendo o que acredita ter acontecido no dia em que Menezes morreu, 22 de julho de 2005.
O que a polícia estava fazendo quando atirou em Jean Charles de Menezes?
Um dia antes da morte, um ataque suicida frustrado havia ocorrido no sistema de transportes de Londres. Em poucas horas, a polícia obteve pistas sobre os suspeitos, que fugiram da cena dos atentados. Jean Charles de Menezes vivia em um conjunto habitacional que tinha alguma relação com um dos potenciais homens-bomba, Hussain Osman. Quando o brasileiro saiu de casa na manhã seguinte, ele foi seguido porque alguns policiais acharam que ele poderia ser o militante. Cerca de meia hora depois, o Jean Charles estava morto.
Como foram as outras investigações sobre o caso?
Foram realizados quatro inquéritos e um julgamento em conexão com a morte do brasileiro. Três foram realizados pela Comissão Independente de Queixas contra a Polícia Britânica (IPCC, em inglês) e um pela Autoridade da Polícia Metropolitana (MPA, na sigla em inglês), que supervisiona a força.
O primeiro inquérito, conhecido como Stockwell I, examinou as circunstâncias em que os tiros foram disparados. Suas conclusões levaram a um processo contra a polícia metropolitana por violar normas de procedimento, colocando a segurança pública em risco no episódio que resultou na morte do eletricista brasileiro.
A força foi considerada culpada em 2007 e multada em mais de R$ 600 mil, depois que o júri ouviu evidências de que os oficiais no terreno não haviam estabelecido com firmeza se o seu alvo era o homem-bomba.
O inquérito do IPCC chamado de Stockwell II examinou as ações dos oficiais no comando nas horas que se seguiram à morte de Menezes. Supostamente eles haviam divulgado informações imprecisas sobre a identidade da vítima. O inquérito concluiu que eles não haviam buscado deliberadamente enganar o público, mas criticou a forma como passaram as informações.
Um terceiro inquérito examinou uma queixa feita pela família de Menezes sobre seu tratamento após o incidente. A queixa foi rejeitada. No último inquérito, a Autoridade da Polícia Metropolitana (MPA, na sigla em inglês), que supervisiona a força, realizou sua própria revisão de como a cúpula da polícia respondeu aos relatórios do IPCC. O órgão concluiu que eram necessárias mais investigações e que ainda não havia um relato definitivo sobre o acontecido.
Há necessidade deste inquérito?
Sim. Todas as mortes violentas ou inexplicadas estão sujeitas a um inquérito pelas leis vigentes na Inglaterra e País de Gales. Os inquéritos são fundamentalmente diferentes de julgamentos criminais porque quem o preside, o legista, decide quem deve trazer evidências no interesse de revelar toda a estória para o júri. Já os casos criminais giram em torno de advogados que apresentam evidências e testemunhas que beneficiem sua versão dos eventos.
O que o júri pode decidir?
O júri não decide se há ou não algum culpado de um crime, mas ele tem uma gama de veredictos possíveis. Pode considerar a morte legal, ilegal ou emitir um "veredicto aberto", se não tem certeza de como e por que o brasileiro morreu. Também pode ser dado um veredicto "de narrativa", onde acreditam que suas conclusões exigem uma explicação detalhada. Uma narrativa pode ser vinculada a um veredicto de morte legal ou ilegal, onde o júri acredita que vai ajudar a explicar porque a tragédia ocorreu.
Então haverá um veredicto no final?
Não necessariamente. Muitos parentes de pessoas que morrem em circunstâncias complexas ou suspeitas contam com um inquérito para apurar os fatos para depois tomar novas providências. Pessoas que vêm dando apoio à família Menezes dizem que ainda querem um inquérito público independente. Elas criticaram a anonimidade concedida a policiais em posições-chave no caso e a possível ocultação de alguns documentos supostamente por dizerem respeito à segurança nacional.
Então quem vai comparecer a este inquérito?
Vários dos policiais que vão comparecer já deram depoimento no julgamento sobre o cumprimento das leis sobre segurança. Entre estes policiais estão Cressida Dick, comandante no dia da operação em que Menezes morreu e vários oficiais de vigilância encarregados de seguir o brasileiro.
Mas, pela primeira vez, o público vai ouvir depoimento dos oficiais que receberam o nome-código de C2 e C12, e que deram os tiros que mataram Jean Charles. Passageiros que testemunharam os momentos finais da vida do brasileiro.
Quais são as questões-chave para o júri?
Entre as questões-chave para o júri estão as táticas de vigilância da polícia e o que exatamente as equipes da polícia acharam sobre o homem que estavam seguindo. Uma outra questão serão as ordens operacionais dadas, como elas foram seguidas e o que as equipes de vigilância e armas de fogo presentes sabiam uma sobre a outra.
Isto estará ligado às decisões tomadas pelas equipes de policiais em campo e as instruções que estavam recebendo da sala de controle da Scotland Yard. O júri vai comparar os depoimentos de policiais sobre o que aconteceu na estação de Stockwell aos de passageiros.
Quais são as implicações para a polícia metropolitana de Londres?
O inquérito é muito importante - será o escrutínio mais público e politicamente sensível sobre a forma como a força lidou com um incidente grave desde uma investigação sobre a morte de Stephen Lawrence em um ataque racista no sul da cidade em 1993.
Na época, os suspeitos pelo crime foram inocentados, ninguém foi condenado e a polícia foi acusada de má investigação e racismo. Ian Blair, à frente da polícia metropolitana, enfrentou pedidos para que renunciasse depois que a força foi considerada culpada no julgamento sobre normas de segurança pública. Ele estará novamente sob pressão durante todo este inquérito, previsto para durar três meses, se os seus críticos lançarem dúvidas sobre sua liderança da força.
Policiais em posição de chefia vão procurar explicar as pressões que enfrentaram nas circunstâncias extremas dos ataques frustrados de 21 de julho de 2005. Eles também vão buscar defender táticas de "atirar para matar" que dizem ter sido a única forma possível de defesa contra um militante suicida nas ruas das cidades britânicas. Neste sentido, o veredicto do inquérito pode, em parte, ditar o estilo a ser adotado em operações britânicas de combate ao extremismo no futuro.
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