IPEA mostra que crianças ficam sem família por até 10 anos, o que é muito prejudicial
Luciana Abade
Brasília
Artigo 19:
"Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família natural e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária".
Estimam-se que 80 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil, às vésperas de o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completar 18 anos de vigência. Quase 70% deles são instituições não-governamentais que dependem de trabalho voluntário e doações de pessoas físicas e jurídicas.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou, em 2003, estudo nacional sobre a situação dos abrigos. Foram avaliadas 589 instituições que receberam recursos do governo federal. O resultado mostra que o principal motivo do abrigamento de crianças e adolescentes é a pobreza, o que contraria o ECA, que é claro ao determinar que a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.
Maus-tratos, abandono, violência física e sexual são outros motivos que levam à institucionalização das crianças e adolescentes.
Apesar de o ECA determinar que a medida de abrigo deve ser excepcional e provisória, a pesquisa do IPEA mostra que mais da metade das crianças e adolescentes pesquisados (52,6%) vivia nas instituições há mais de dois anos. Entre elas, 32,9% estavam nos abrigos por um período entre dois e cinco anos. 13,3% estava entre seis e 10 anos e 6,4% estavam abrigados há mais de 10 anos.
Segundo a autora da pesquisa, Enid Rocha, insegurança, agressividade, angústia e autodesvalorização são algumas características constatadas nas crianças abrigadas. Quando prolongado, o abrigamento ainda acarreta perdas para o desenvolvimento psicossocial da criança, principalmente na sua capacidade de construir vínculos positivos com outras pessoas.
– O indivíduo começa a se apegar com facilidade às pessoas que lhe dão atenção, ou pode evitar as relações pessoais por temer ser abandonado novamente – explica a pesquisadora. – As seqüelas serão tanto maiores quanto mais longo for o período de institucionalização.
Todas as conseqüências apresentadas mostram o equívoco da sociedade em acreditar que a criança abrigada está bem porque, ao contrário de muitas outras, não está nas ruas.
Vítimas do preconceito
Além do abandono, elas têm que conviver com o preconceito. O juiz da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, Francisco Oliveira Neto, ressalta que a sociedade tem dificuldade de diferenciar a criança abrigada do adolescente infrator internado em unidades de ressocialização.
Para Enid, se os dados mostram que no centro dos motivos do abrigamento está a pobreza, o governo federal deveria proceder a imediata inscrição das famílias com crianças abrigadas nos programas assistenciais, entre eles, o Bolsa Família. A sociedade, segundo ela, pode e deve contribuir, mas com ações complementares, uma vez que é dever do Estado "zelar pela integridade física, emocional e cognitiva das crianças e adolescentes afastadas do convívio da família".
O governo federal lançou, em outubro de 2007, o programa Caminho para casa, como parte do Programa Social de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes, conhecido como PAC da Criança. Um dos objetivos do programa é garantir a reintegração familiar de crianças e adolescentes acolhidos em abrigo por motivo de pobreza. Mas, segundo a diretora das Ações de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento (MDS), Valéria Gonelli, dos R$ 6,6 milhões previstos no Orçamento para essa ação, nada foi executado ainda.
O problema, segundo a diretora, é a inexistência de um levantamento de todos os abrigos brasileiros, que o ministério pretende começar ainda este ano.
– A execução orçamentária está prevista para julho – diz. – A preocupação não é apenas com a distribuição dos recursos e sim com a complexidade das relações das famílias que receberão as crianças de volta.
[ 30/06/2008 ] 02:01 Sphere: Related Content
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