Velloso foi citado nas investigações. Ele nega ter usado sua influência para ajudar o grupo acusado de comprar sentenças
Às 11 horas da manhã da quinta-feira, um agente da Polícia Federal (PF) bateu à porta do apartamento do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, em Belo Horizonte. Foi a filha dele, Ana Flávia, quem atendeu. O policial estava ali para entregar uma intimação, destinada ao próprio Velloso. O documento convocava o ex-ministro da mais alta corte judicial do país a comparecer à Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, no bairro vizinho de Cidade Jardim. Velloso foi chamado a prestar depoimento numa investigação que começou modesta, destinada a mapear desvio de dinheiro em prefeituras, mas acabou por esquadrinhar um esquema muito maior, com pagamento de propina a autoridades e suspeitas de compra de sentenças judiciais.
A PF intimou Velloso para saber o que o motivou a visitar o Tribunal Regional Federal de Brasília (TRF-1), no dia 10 de abril, para pedir a libertação do advogado Wander Tanure, preso um dia antes na Operação Pasárgada. Tanure é acusado de envolvimento num esquema de desvio de verbas do Fundo de Participação dos Municípios, mecanismo que transfere recursos do governo federal para prefeituras. Segundo a PF, gravações telefônicas, documentos apreendidos em diligências e depoimentos revelam que Tanure se valia de suas relações com juízes para obter decisões favoráveis a seus clientes. Tanure e Velloso trabalharam juntos na Justiça Federal em Minas Gerais. Velloso era juiz, e Tanure diretor do tribunal.
O nome de Velloso é citado em conversas gravadas pela PF. Aparece também em anotações apreendidas na casa de um dos líderes do esquema com as prefeituras, o empresário Sinval Drummond. Drummond é sócio do Grupo SIM-Instituto de Gestão Fiscal. Dono de contratos milionários em mais de 200 prefeituras de Minas e outros Estados, o SIM é acusado de pagar propina a prefeitos, auditores, conselheiros de tribunais de contas e juízes que, em troca, adotariam decisões favoráveis ao grupo.
Velloso é suspeito de participar, com Tanure, de uma articulação para salvar o mandato de um prefeito de Minas Gerais, cliente do SIM. A ÉPOCA, o ex-ministro disse que é amigo de Tanure há 40 anos. Mas negou ter recebido qualquer pedido dele para interferir em decisões judiciais. “Fui procurado em meu escritório, mas recusei a causa do prefeito por estar de quarentena na Justiça Eleitoral”, afirma. Ele diz ter apenas sugerido nomes de outros advogados.
Depois de ler a intimação da PF, Velloso telefonou para o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Queixou-se dos termos do mandado, que considerou desrespeitosos. Por ordem de Gilmar Mendes, o STF informou à PF que, mesmo aposentado, Velloso tem prerrogativa para marcar data e hora para seu depoimento. Velloso diz que foi ao TRF “compartilhar a preocupação” com a prisão de Tanure pelo fato de ele ter 75 anos e ser “muito gordo”.De acordo com Velloso, o envolvimento de seu nome na investigação da PF parece retaliação. “Tenho protestado contra as prisões pirotécnicas de advogados e criticado os juízes que decretam prisões provisórias sem nenhuma necessidade”, afirma.
De acordo com a PF, Tanure e Drummond estariam envolvidos numa dessas operações de compra de sentença judicial. O objetivo seria anular no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cassação do mandato de um prefeito ligado ao esquema de desvio de verbas que eles comandavam. Trata-se de Geraldo Nascimento Oliveira (PT), prefeito de Timóteo, município da rica região do Vale do Aço, em Minas Gerais. O mandato de Oliveira fora cassado pelo uso de dinheiro público na campanha. Como ele tinha um contrato milionário com o Grupo SIM, reverter sua cassação passou a ser encarado como um negócio estratégico pela turma.
A operação foi assumida por uma força-tarefa. Peças do processo impetrado na Justiça Eleitoral para reconduzir Oliveira ao cargo foram apreendidas pela PF na casa de Tanure, mesmo ele não tendo nenhuma atuação formal na ação. A primeira tentativa de reconduzir Oliveira ao cargo, em novembro passado, não deu certo. O ministro Marcelo Ribeiro, do TSE, manteve a cassação. O caso retornou, então, ao Tribunal Regional Eleitoral mineiro. Ali, os bastidores foram acompanhados de perto pela PF, que gravou as negociações e fotografou encontros.
Nessa tarefa, a PF flagrou conversas entre os supostos integrantes do esquema de compra de sentenças e o desembargador Francisco Betti, do Tribunal Regional Federal, em Brasília. Em uma das conversas foi acertada a entrega de “seis apostilas” ao juiz Betti. Para a PF, tratava-se de um código: as apostilas na verdade seriam dinheiro. Em conversas telefônicas gravadas pela polícia, Betti falava abertamente de dinheiro com os integrantes da quadrilha desarticulada pela PF. Os investigados queriam a ajuda dele para apressar uma decisão do TRE a favor ou contra o prefeito Oliveira para o processo retornar rapidamente a Brasília, onde apostavam num desfecho favorável. Tiveram sucesso. O processo voltou para Brasília. Um mês depois, o TSE reconduziu Oliveira ao cargo.
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