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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Os mitos e verdades sobre a classe C




Para André Torretta, da consultoria A Ponte Estratégia, as empresas ainda não sabem como vender para a nova classe média brasileira

Por Silvia Balieiro
   Divulgação
Torretta: "as interfaces das empresas não estão preparadas para o novo consumidor"

Ele chama São Paulo de Manhattan, o escritor Mário de Andrade de energúmeno, tem certeza que a geração Y não existe no Brasil e que as grandes empresas ainda não sabem falar com a classe C. Este é André Torretta, fundador da consultoria A Ponte Estratégia, especializada a estudar e desenvolver projetos para a nova classe média brasileira, da qual fazem parte 170 milhões de cidadãos.

+ Época NEGÓCIOS fez uma matéria de capa sobre a Classe C. Relembre

Baiano que sonhava ser ator, Torretta foi parar no mundo da publicidade ainda nos anos 80. Mas foi a partir de 1994, quando assumiu a Propeg, uma das estruturas de marketing político montadas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, que ele começou a ter contato com o que conhecemos hoje por a classe C. “Se naquele momento a classe C estava começando a existir para a iniciativa privada, para a iniciativa pública ela era fundamental, porque era o grosso da população brasileira. E aí a gente teve que mergulhar e entender quem era esse brasileiro de verdade”.

Hoje, Torretta é considerado um dos maiores conhecedores desse Brasil que para as empresas ainda é desconhecido. E por isso tem sido tão requisitado por empresas de todos os portes. O consultor recebeu Época NEGÓCIOS em seu escritório para falar sobre os mitos e verdades da classe C.

Na sua opinião, além da renda, o que diferencia as classes C e D das A e B?
O Brasil das classes C, D e E ainda não está formatado. Já o Brasil da classe A, da nossa ilha de Manhatan, é todo formatadinho.

O que é a nossa Manhattan?
É o centro expandido de São Paulo, que a gente acha que é Brasil. São Paulo não é Brasil. São Paulo é um lugar mais parecido com Nova York do que com o Brasil. A diferença fica clara quando se vai para Salvador, Porto Velho e Ribeirão Preto. Se você vai num restaurante aqui na ilha de Manhattan e em outro, em Presidente Prudente, a diferença do serviço é absurda. Em Salvador então, você chora. Aqui não é referência. Não é parâmetro. E aí começam os problemas, porque o processo decisório está em São Paulo e isso cria um processo de não reconhecimento do Brasil.

O que São Paulo tem que o Brasil não tem ou vice-versa?
A realidade é muito diferente em São Paulo. Quando eu montei a minha empresa tinha gente que me falava: “André, bom esse nicho aí que você está trabalhando”. Mas eu não trabalho com nicho. A classe C é formada por 170 milhões de brasileiros. As classes A e B são apenas 30 milhões. Elas é que são um nicho. O problema é que a gente não se admite. A gente se recusa a ser pobre. Mas a gente é pobre. Pobre no sentido de que não somos os Estados Unidos e não somos a Europa. A Tiffany do Brasil é a única Tiffany do mundo que vende parcelado. Até o nosso rico é pobre.

Essa falta de (re)conhecimento do Brasil atrapalha os negócios das empresas?
Sim. Tem empresário que fala que não quer vender para a classe C para não sujar a sua marca. Eu tenho um cliente que falou que estava na dúvida se ia para a classe C. Aí eu falei: "nos Estados Unidos, você vende para rico ou para todo mundo? No Japão, você vende para rico ou para todo mundo? Por que no Brasil você quer vender só para rico?" Vivemos num país meio maluco. O povo de Higienópolis diz que não quer pobre no bairro. Tem uma conta no Twitter contra pobre no avião da Gol. E esse cara que reclama não é rico. Ele é de classe média alta. Porque se fosse rico mesmo ele andava de jatinho. Durante anos, essas pessoas fingiram que os mais pobres não existiam e nunca fizeram nada para ajudá-los. Em 1928, o energúmeno do Mário de Andrade escreveu Macunaíma e disse que o brasileiro era preguiçoso, malandro e sem caráter. Só que ele era um filósofo. Para ser filósofo hoje a pessoa já tem que ser rica. Para ser filósofo em 1928 a pessoa tinha que ser multimilionária. Os endinheirados queriam contratar os mais pobres por um salário de fome e ainda queriam que o cidadão acordasse de manhã feliz da vida para trabalhar. Agora, esses ricos não têm escolha e vão ter que pagar pela omissão dos últimos 500 anos.

Você acredita que é no Nordeste que está a verdadeira classe C?
É lá que está a nova classe C. É a classe D que virou classe C. A região do Brasil que possui a maior concentração de classe C é o Sul, mas é a classe C que já está lá há 40 anos estagnada. O Nordeste está renascendo. Era a terceira região de maior consumo no país e agora é a segunda. E isso muda demais o jogo para as empresas, porque nenhum empresário de São Paulo deu importância para o Nordeste nos últimos 500 anos.

Mas você acha que as empresas estão mais interessadas em investir no Nordeste?
Agora elas precisam investir lá. O problema é que os executivos não sabem como é lá. Acham até que todo mundo tem sotaque igual. Para o paulista, acima de Minas é tudo baiano. Para o carioca, é tudo Paraíba.

Editora Globo
Tang: sabores novos para atender às preferências dos nordestinos

E esse consumidor nordestino é muito diferente?
Demais. E as empresas estão tentando se adaptar a essas diferenças. Algumas companhias abriram filiais em estados nordestinos. Agora estamos começando a ver os produtos se adaptarem ao gosto desse brasileiro. O Tang criou sucos com sabores de frutas locais, a Nestlé criou embalagens menores. Outro exemplo interessante: no Brasil inteiro, 98% da população consome embalagem de sabão em pó de papelão. Mas no nordeste não, é apenas 3%. Lá é diferente, porque as pessoas ainda lavam a roupa no rio e no tanque. E quando a água bate no fundo da caixa, ela dissolve. Nordestino prefere as embalagens de plástico.

As empresas já se adaptaram a esses traços regionais?
As companhias estão mais preocupadas em entender esse fenômeno. A Nestlé criou um departamento para estudar essa classe C. A Coca-Cola também.
Tem uma festa em Petrolina chamada “Vai Tomar no Fusca”. É uma festa onde todo mundo vai para no final participar do sorteio de um Fusca cheio de caixas de cerveja dentro. Tem uma outra, em Salvador, chamada Apertadinha. É uma festa que começa às dez da noite só com mulheres, que podem beber à vontade, mas não podem fazer xixi. Quando a primeira mulher faz xixi, a cerveja deixa de ser de graça e os homens, que estão esperando do lado de fora, são liberados para entrar. Até pouco tempo, nenhuma empresa queria patrocinar essas festas. Agora isso está mudando, assim como aconteceu nos Estados Unidos, na década de 50. Nat King Cole foi o primeiro apresentador negro da televisão e durante anos ninguém queria patrocinar, com medo de sujar sua marca. No Brasil, durante 500 anos, ninguém quis patrocinar a “Apertadinha”, a “Vai Tomar no Fusca” e outros eventos da periferia, que chegam a ter 30 mil participantes.

   Divulgação
Sabão em pó: ao contrário do restante do país, no Nordeste a preferência é pela embalagem plástica

Considerando a classe C de diferentes cantos do Brasil, há muitas diferenças?
Quanto mais pobre, menos informação você tem e mais regionalizado você é. A informação de quem está na favela Brasília Teimosa, em Recife, é menor que a de quem está no Capão Redondo. As regiões são muito diferentes em todos os aspectos e essas diferenças são muito relevantes num país como o Brasil. Um cara de Curitiba e outro de Manaus são bem diferentes inclusive fisicamente. Quando a gente montou a empresa, tinha cliente que dizia, “eu já sei como é a classe C, conversei com a minha empregada doméstica ontem”. Eu dizia: “legal, eu também já conversei com Abílio Diniz e sei como são todos os bilionários do mundo”. A classe média alta brasileira é igual em todos os lugares. Tem uma pequena São Paulo encravada na maioria das capitais brasileiras. E as pessoas que vivem nesses lugares mentem para elas mesmas que estão em Nova York. São os bairros de Boa Viagem, em Recife; na Pituba, em Salvador; na Savassi, em Belo Horizonte. Mas esses lugares são nicho. Ali estão 20% da população brasileira. Os 80% não estão lá. No nosso mercado, a gente importava todos os modelos de comunicação e marketing. A gente sempre mentiu pra gente, dizendo que éramos iguais aos americanos. Basta olhar os comerciais, com as famílias germânicas. Você se pergunta, onde é que está esse povo? Fora de Blumenau esse povo de televisão não existe. A gente vive num país à procura de uma nova identidade.

Dá para dizer que quem está na classe C é mais brasileiro?
Muito mais. O rico, em todo lugar do mundo, tem costumes muito parecidos com o americano. Os pobres são mais regionalizados. Viajam menos, têm menos informação e não são tão globalizados.

Você falou das diferenças, mas essa classe C tem traços comuns, que unem a população do Sul, do Nordeste e do Sudeste?
Sim. O otimismo desenfreado. Esse cara era miserável até outro dia. Ele passava fome e agora tem uma TV de plasma na sala. Com mais dinheiro, eles também estão aprendendo a consumir. Hoje essas pessoas estão com uma educação financeira muito maior. A bancarização está aumentando.

E os bancos estão preparados?
Não. As interfaces das empresas não estão preparadas para o grande índice de analfabetismo funcional que há no país. E isso é um fato concreto. As empresas têm que se preparar para isso. Se as empresas esperarem o brasileiro aprender a ler e a escrever, elas vão começar a explorar esse público só em 2025. A gente tem muita mania de usar termos em inglês que o grosso da população não entende. O aeroporto no Brasil é esquizofrênico, tem check-in, overbook... A Dona Maria entra no aeroporto e não sabe para onde ir.

Além desse analfabetismo funcional, tem a questão da capacitação. Esses jovens de classe C ainda saem despreparados para o mercado de trabalho. Como você acha que o Brasil deve encarar esse problema?
Isso é resultado da irresponsabilidade que durou 500 anos e o Brasil vai ter que pagar por isso. As empresas vão ter que contratar esse cara e treiná-lo. Esse maior acesso à universidade ainda é capenga. Sabe como os jovens de classe C escolhem o curso que irão fazer? Primeiro, eles vêem se a escola está próxima de uma estação de Metrô ou de ônibus, depois avaliam o preço do curso e por último vão escolher o que fazer. É uma maluquice, porque esse cara não faz o curso que ele escolhe. E se ele já não faz o curso que gostaria, imagina trabalhar naquilo que sonha. Então hoje nós temos uma geração de universitários frustrados da classe C. Aí vem o empresário falar para esse universitário que a universidade que ele faz não presta. A vida inteira falaram para esse cara que ele precisava ter um curso superior. Ele fez tudo que a sociedade mandou e ainda assim não é aceito.

Em outros países emergentes, a situação é a mesma?
O Brasil ainda está muito atrasado em comparação com outros países. O México está muito mais adiantado. Lá a desigualdade é muito maior, mas eles estão mais preparados. Tem uma empresa na área de cimento, a Cimex, que vai num lugar pobre, como a Paraisópolis, e pergunta quem quer reformar sua casa. Ela só oferece empréstimo para mulheres. E pede um depósito de 50 reais por semana. Se na quinta semana a interessada fizer todo pagamento certinho, a Cimex manda um arquiteto ou engenheiro para desenhar a reforma da casa e fazer um planejamento para ir entregando os produtos aos poucos, já que essa pessoa normalmente não tem onde estocar o material de construção. Essa tecnologia para atendimento de classe C o Brasil está começando a criar. O celular para nós é um luxo, para a empregada é necessidade. Com ele, ela pode ser mais facilmente contatada e pode conseguir mais trabalho. O brasileiro está se digitalizando no celular. Hoje já existe até curso de inglês no celular. Tudo via mobile vai bombar.

A nossa geração Y está conectada via celular? É isso?
Várias ondas que até aparecem em matérias de jornais e revistas, como a dos yuppies, hippies e baby boomers são nomenclaturas que não aconteceram aqui. O baby boom nos Estados Unidos veio depois da Segunda Guerra. Aqui, aconteceu em 1990. Então, aqui não tem geração baby boom, porque aqui não teve uma super elevação no nascimento de crianças. Hippie no Brasil era tudo rico. Leila Diniz, Ipanema, Pasquim... Tudo letrado, todo mundo falando inglês e francês. Tudo intelectual. Aí tem os yuppies. Em 1990 o mercado financeiro brasileiro não era nada. Não tem essa geração yuppie por aqui. Agora aparece a geração Y, que é o cara que nasceu com computador. Quantas pessoas hoje, que tem perto de 20 anos de idade, nasceram com computador em casa? Em 1990, quantas pessoas tinham computador em casa? Uma meia dúzia de gato pingado. Quando se fala em geração, imaginamos que é a maioria da população. A nossa geração Y vai acontecer em 2021. Aqui na ilha de Manhattan você até pode ter uma geração Y, mas no Brasil não tem.






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