Amanda Gurgel
9/7/2011 11:45, Por Redação - do Rio de Janeiro e Natal
No início da semana, a organização Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE) entregou o prêmio Brasileiros de Valor 2011. O júri escolheu a professora Amanda Gurgel, autora de um discurso replicado pela internet, “pela manifestação contra a incúria do governo em relação à educação e aos maus tratos aos seus protagonistas, demonstrando corajosamente toda a sua indignação aos governantes”. “Depois de analisar um pouco, decidi recusar o prêmio”, explica a professora, em carta publicada na íntegra, aqui no Correio do Brasil.
Amanda Gurgel agradeceu pela escolha mas foi categórica: “Minha luta é outra”.
“Espero que a carta sirva para debatermos a privatização do ensino e o papel de organizações e campanhas que se dizem ‘amigas da escola”, acrescentou a educadora. A instituição se disse surpreendida pela atitude da professora, mas consignou, em nota, a plena compreensão pela recusa do prêmio.
Leia a carta de Amanda Gurgel, na íntegra:
Natal, 02 de julho de 2011
Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,
Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.
Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald’s, Brasil Telecom e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.
A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de ualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.
Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas.
Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.
Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade Pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.
Saudações,
Professora Amanda Gurgel
Resposta da instituição
Prezada Professora Amanda Gurgel e em respeito aos demais premiados 2011.
Fomos surpreendidos pela noticia vinculada pela internet (matéria abaixo) que informa que recebemos sua carta de que não aceitaria a premiação por nós conferida. Infelizmente essa carta não foi por nós recepcionado, porém não há problema. Pudemos lê-la através da internet e entendemos suas razões.
Gostaríamos de enfatizar porém que podemos ter divergências e isso é totalmente contemplado em nosso ideário que sustenta que a diversidade de opiniões deve ser respeitada e que a compreensão e negociação são as melhores formas de resolução de eventuais conflitos.
Evidentemente que sua exposição de motivos deixa claro que nossa instituição possui muitas visões antagônicas a defendidas em sua vida. Portanto nesse momento não há o que questionar. Sua decisão de não aceitação é soberana.
De qualquer forma mantemos nossa visão de que a educação universal e de qualidade deve ser prioridade de nossa nação. E com profissionais competentes e adequadamente remunerados, gestão eficiente, engajamento da comunidade e compromisso. Em muitos desses atributos certamente nossas visões são convergentes.
Obrigado pelo seu compromisso pela educação. Nós continuamos a considera-la prioridade nacional.
José Roberto Romeu Roque
1º Coordenador Geral do PNBE
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