Mensagem em que ministro menciona ex-presidentes e ex-ministros para explicar aumento de patrimônio foi enviada por engano
Mensagem enviada por engano pelo Palácio do Planalto a deputados e senadores levou o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, a telefonar nesta quarta-feira, 18, para ex-ministros e ex-presidentes do Banco Central - alguns deles do governo Fernando Henrique - e pedir desculpas. Além disso, a trapalhada provocou a demissão de Luiz Azevedo, subchefe de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais, comandada por Luiz Sérgio.
O texto no qual Palocci justificava seu patrimônio e argumentava que a passagem pelo governo proporciona uma "experiência única" para valorizar os profissionais do mercado era um tipo de relatório reservado. Foi produzido pelo jornalista Thomas Traumann, assessor especial de Palocci, apenas como subsídio para a articulação política do governo orientar a defesa, no Congresso, do braço direito da presidente Dilma Rousseff.
Azevedo, porém, enviou a mensagem pelo Sistema de Informações Parlamentares (Supar), que segue para todas as assessorias da Esplanada. O e-mail foi parar nas mãos não apenas de líderes da base aliada do governo, mas também da oposição e rapidamente chegou à imprensa. A nota citava ex-presidentes do Banco Central e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BMDES), como Henrique Meirelles, Armínio Fraga, Pérsio Arida e André Lara Rezende, e ex-ministros da Fazenda (Pedro Malan e Maílson da Nóbrega) como exemplos de autoridades que se tornaram consultores.
Aborrecido, Palocci telefonou nesta quarta para os ex-ministros e se desculpou pelo episódio. Tanto Malan como Armínio, Arida e Rezende trabalharam no governo Fernando Henrique. Disse não ter tido a intenção de causar qualquer constrangimento, mas apenas de esclarecer que profissionais que passam pelo governo são valorizados.
Palocci também ligou para líderes da base aliada e se desculpou. Para justificar por que abriu a empresa de consultoria Projeto, a Casa Civil lembrou, na mensagem enviada por engano ao Congresso, que pelo menos 273 deputados e senadores são sócios de "estabelecimentos comercial, industrial, de prestação de serviços ou de atividade rural".
Nos telefonemas que fez ontem para parlamentares, Palocci também deu orientações para sua defesa. Nas muitas reuniões ao longo do dia, ele também conversou com o presidente do PT, Rui Falcão, e com o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (PMDB). "Para o PMDB, esse assunto sobre a evolução do patrimônio de Palocci está encerrado com as explicações dele", disse Alves. "Vamos fazer de tudo para impedir qualquer tipo de convocação de Palocci. Essa história parece mais fogo amigo do que outra coisa", disse o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Logo pela manhã, o governo conseguiu barrar a convocação do chefe da Casa Civil, esvaziando as comissões permanentes da Câmara. Depois, o Planalto derrotou a oposição no plenário. Na tentativa de conter o desgaste com a saída de Luiz Azevedo, a Secretaria de Relações Institucionais divulgou a carta de "demissão" do assessor.
Nela, o petista afirma que recebeu "convite irrecusável" para assumir o cargo de superintendente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em Brasília.
Fim da lua de mel
A "lua de mel" do governo Dilma Rousseff não durou um semestre inteiro. Apesar de haver, sim, boa vontade com o início do governo e reconhecimento à discrição e à seriedade da nova presidente, ninguém pode ignorar que o aumento vertiginoso do patrimônio de Antonio Palocci é de deixar qualquer um tonto, principalmente a própria Dilma, já que ele é, nada mais nada menos, chefe da Casa Civil e o ministro mais importante do governo. Como, aliás, foi também no início do governo Lula, até despencar do pedestal com a quebra de sigilo do caseiro Francenildo.
Relembrando, Palocci declarou bens de R$ 375 mil em 2006, incluindo uma única casa, no valor de R$ 56 mil. Cinco anos e um mandato de deputado federal depois, comprava uma empresa por R$ 882 mil e um apartamento de mais de 500 m2 em São Paulo por R$ 6,6 milhões. O ministro não é fraco, não.
Na avaliação do Palácio do Planalto, a informação, divulgada pela Folha no último domingo, afeta a posição do ministro, deixa dúvidas no ar e expõe o governo a constrangimentos, mas ainda é cedo para dizer que ele vá cair. Pelo contrário, há todo um esforço para manter Palocci. Desde que ele se explique. E, evidentemente, que não continuem saindo coisas cabeludas em jornais, revistas, tvs. É uma batalha minuto a minuto.
A maior contraofensiva pública do ministro, até agora, foi uma carta de sua assessoria a parlamentares atacando, em 13 itens, as acusações. Veja bem o verbo. Em vez de se defender, talvez porque a coisa seja mesmo indefensável, ele tratou de atacar.
Foi uma tática a la mensalão. Sem terem o que dizer, Lula partiu, e Palocci agora parte, para a velha tática do "todos fazem". Se Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Rezende, do governo Fernando Henrique Cardoso, e até Mailson da Nóbrega, do distante governo José Sarney, saíram de postos chaves da área econômica e ficaram milionários, porque o Paloccinho paz e amor também não pode? E os parlamentares, vão falar o quê, se 200 e tantos deles têm negócios em indústrias, consultorias, empreendimentos rurais?
Curiosa é a posição dos partidos. Na base governista, a defesa ficou com o PMDB, incluindo aí o vice-presidente Michel Temer, enquanto o PT --partido de Palocci-- preferiu se preservar e observar do banco de reservas. Na oposição, líderes do PSDB, do DEM e do PPS se esfalfam para acionar a Procuradoria Geral da República, o Tesouro, a Receita, a Coafi, a Comissão de Finanças da Câmara, enquanto dois dos principais nomes nacionais tucanos ficam, ora, ora, em cima do muro.
José Serra, candidato derrotado por Dilma em 2010, minimizou o boom imobiliário de Palocci, meio na linha "deixem o homem trabalhar". Aécio Neves, provável candidato contra Dilma (ou Lula) em 2014, pede "serenidade" em tom ostensivamente governista e diz que não entra em processos de "desestabilização do governo". Tomara que Itamar Franco quebre essa corrente de bom mocismo calculado.
Cá pra nós, com uma oposição como essa, para que Dilma precisa de uma base aliada tão robusta?
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.
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