Homem de 40 anos é o perfil da população de rua em São Paulo
Levantamento da Fipe mostra aumento de 50% de desabrigados na cidade.
Dois terços deles trabalham, mas 75% consumem drogas ou álcool.
Homem, adulto, por volta de 40 anos, não branco, com ensino fundamental incompleto, que já foi pai de família, mas vive sozinho. Esse é o perfil do morador de rua da cidade de São paulo, segundo estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), divulgado na última segunda-feira (31) pela Prefeitura.
Já são mais de 13,5 mil pessoas vivendo sem casa e sem emprego na capital paulista, a cidade mais rica do país. Entretanto, o levantamento aponta que a grande maioria deles não vive de esmola: 66% deles trabalham, sendo que apenas 50% dorme em albergues. Entretanto, 75% dos entrevistados admitiram usar drogas ou consumir bebidas alcoólicas. Outro dado alarmante é que 65% deles afirmaram já terem sido vítimas de violência.
A reportagem do Fantástico vasculhou a capital paulista para entender quem são essas pessoas e encontrou até um ex-gerente de supermercado dormindo debaixo de um viaduto: o paranaense Celço Benedetti de Araújo, de 44 anos, era funcionário de uma multinacional.
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“Eu era gerente de um supermercado”, diz Araújo, morador de rua há nove meses. A empresa confirmou que ele era empregado 17 anos atrás, mas não informou o cargo. Depois que foi demitido, a vida dele só piorou. Araújo passou dois anos preso por roubo e furto. Solto no fim de 2009, ele não tinha mais para onde ir. “Vim para a rua e estou até hoje”, diz ele.
"Normalmente, são pessoas da própria cidade ou das regiões bem próximas”, revela a socióloga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rosana Schwartz. Há três razões principais que são apontadas para essas pessoas ficarem sem nada. Uma delas envolve brigas de família.
“Briguei com a mulher, perdi meu barraco, perdi tudo”, diz Paulo Roberto da Silva, morador de rua há três anos. “Nunca me esqueci dela. Quando bebo é que parece que o chifre cresce mais ainda”, brinca João Vieira Neto, que mora nas ruas de São Paulo há 15.
Outro motivo é o alcoolismo. “Sou aposentado. Quase 75% dos moradores de rua em São Paulo usam álcool ou outras drogas. Tinha condição de pagar um aluguel em um quarto, mas...” diz Vieira Neto, fazendo sinal para a bebida. “Se você mora na rua, você é considerado um lixo e acaba se drogando”, explica a socióloga Rosana Schwartz.
Entretanto, uma das grandes surpresas apontadas pela pesquisa é que a grande maioria dos moradores de rua, mais de 66%, não pede esmola e, sim, trabalha, ganhando em média R$ 19 por dia.
A violência também é uma ameaça constante. Mais de 65% dos entrevistados disseram já ter sido atacados, principalmente por outros colegas de rua. "Foram várias facadas. Fiquei muito tempo com o braço enfaixado”, afirma Vieira Neto.
Contestação
Para Sebastião Nicomedes, ex-morador de rua que virou escritor, o Censo foi incompleto. Ele afirma que há pelo menos outras 5 mil pessoas na mesma situação na cidade.
A coleta de dados aconteceu no fim do ano passado, período em que muitos andarilhos vão para o litoral, diz. “Eles vão para as praias, tentam sobreviver. É por lá que está todo mundo nessa época”, afirma Sebastião.
Outro morador de rua, Izael Leonel, consegue meio salário mínimo por mês fazendo peças de artesanato em uma casa mantida por uma organização católica em São Paulo.
Márcio Henrique de Aguiar, morador de rua há nove anos, se garante com música. Ele saiu de Minas Gerais para tentar a carreira de músico em São Paulo. Mesmo correndo o risco de perder o violão, Márcio prefere ficar ao relento a dormir em albergue. Muitos moradores reclamam da burocracia para conseguir vaga e das regras rígidas.
“Se não levantar às 5h, eles gritam com a gente, fazem humilhações”, reclama Araújo. “Albergue é cheio daqueles bichinhos que mordem a pele da gente, sai sangue”, conclui ele.
Pouco mais de 50% dos moradores de rua passam as noites nas 41 instituições ligadas à Prefeitura, com capacidade para atender até 10 mil pessoas no inverno.
A casa Arsenal da Esperança tem até biblioteca, além de tendas onde se pode tomar banho e descansar. “Tomamos banho de chuveiro de água quente. A comida é da melhor qualidade. Aqui a situação é bem melhor”, diz Nelson dos Santos, morador de rua há 49 anos.
Araújo, a pedido da equipe de reportagem, tentou procurar uma vaga em outros três albergues.
Em dois deles, Araújo foi aceito, depois de uma hora debaixo de chuva, na fila. No terceiro, nada feito, porque, segundo a atendente, a casa estava lotada devido ao tempo frio.
Os moradores de rua alegam que a prefeitura reserva camas para pessoas recolhidas pela cidade. Algumas dessas camas, eles afirmam, não são ocupadas e muitos candidatos, que chegam pelos próprios meios, acabam sem abrigo.
Consultada pela reportagem, a vice-prefeita de São Paulo, Alda Marco Antônio, aponta, nesse caso, falha no atendimento. “Todos os albergues são obrigados a fazer o primeiro acolhimento, mesmo que não exista vaga naquele albergue. Ele chama nosso serviço de emergência e realoca a pessoa para onde tem vaga”, conta.
A solução, para os especialistas, não é fácil. “Não há políticas públicas eficazes de moradia. Se essas pessoas tivessem a oportunidade de ter uma moradia popular, ela não ia querer morar debaixo de uma ponte”, diz Rosana Schwartz.