18/05/2010 |
Giselle Mourão Do Contas Abertas |
No Dia do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o Brasil tem pouco a comemorar. Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), no ano passado foram registradas 15.345 denúncias de violência sexual infanto-juvenil no país pelo Disque 100. Até abril de 2010, quase quatro mil ocorrências já foram relatadas. Para combater o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o governo federal prevê aplicar R$ 101 milhões no programa de enfrentamento do problema neste ano, maior montante registrado desde 2003. Da quantia, desembolsou R$ 37 milhões até agora, pouco mais de um terço da verba prevista. Apesar do aumento, especialistas afirmam que verba ainda é insuficiente diante das dificuldades. Em 2009, houve 9.638 casos de abuso sexual, e só nos quatro primeiros meses de 2010 foram 2.651 ocorrências. Ainda neste ano, foram denunciados 1.307 casos de exploração sexual, 29 de pornografia e oito de tráfico de crianças. Das mais de 211 mil vítimas com sexo informado, registradas nas denúncias desde 2003, segundo a SEDH, 62% são do sexo feminino e os outros 38% do sexo masculino. Em virtude da gravidade do problema, foi criado, em 2002, o programa de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. As ações contidas nesse plano variam entre disque-denúncia, publicidade pública, apoio a projetos inovadores, a educação e proteção social as crianças, adolescentes e suas famílias. Os recursos são frutos de atividades integradas executadas pela Presidência da República e pelos ministérios da Educação, do Turismo e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), responsável pela maior parte do financiamento. Os recursos aplicados pelo governo federal no programa de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes somam R$ 314 milhões desde 2005, 86% do montante previsto no período. Apenas o MDS foi responsável por desembolsar R$ 294 milhões dessa quantia (veja série histórica). No ano passado, foram gastos R$ 77 milhões no programa, quase o dobro do registrado em 2005. Em 2008, ano em que mais houve denúncias de violência sexual no país, R$ 70 milhões foram desembolsados por ministérios e secretarias, incluindo os “restos a pagar” (dívidas passadas roladas pelo governo para anos seguintes). Se o ritmo de repasses do programa continuar desta forma neste ano (média de R$ 8,3 milhões por mês), em 2010, o governo vai bater recorde em valores aplicados, com R$ 90 milhões, maior quantia dos últimos cinco anos. A ação de “serviços de proteção social a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias”, que assegura a proteção imediata e atendimento psicossocial a meninos e meninas vítimas de violência (física, psicológica), abuso ou exploração sexual, bem como a seus familiares, apresenta a maior dotação deste ano. São R$ 62 milhões autorizados em orçamento, 61% do valor total previsto para o programa. Considerando os empenhos (reservas orçamentárias para futuro pagamento), o ritmo está lento. O governo só comprometeu, por enquanto, R$ 28 milhões para ações do programa de combate à violência sexual, até o dia 11 de maio. Caso não sejam pagos, os empenhos são rolados para o ano seguinte como “restos a pagar”. Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil Segundo Karina Figueiredo, secretária geral do Comitê Nacional de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, nos últimos dez anos, desde quando o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil foi aprovado, houve um salto “muito grande” do orçamento público para evitar o abuso sexual. “No entanto, diante da proporção do problema no país, o recurso não é satisfatório”, afirma. |
Mas a pouca demanda de recursos não é o único problema, para Karina, a falta de uma boa política também prejudica. “Ainda há poucos Creas [Centros de Referência Especializados de Assistência Social] para atendimento psicossocial às vítimas e poucos CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] voltados para a saúde. Muitos municípios ainda não possuem ou têm número reduzido de conselhos tutelares com pouca infraestrutura”, acredita.
Para ela, a principal meta do plano é conseguir implantar um sistema de proteção a crianças e adolescentes. “O maior desafio para o comitê é garantir que todas as ações se articulem. Não adianta somente escola, saúde, conselho tutelar, sociedade civil, discutirem sozinhas. Temos que fazer com que essa rede se implemente, que funcione”.
A denúncia continua sendo a principal ferramenta para o combate a violência sexual e, apesar dos grandes avanços, o que precisava ser feito, segundo Karina, é a monitoração do plano que está sendo realizado agora, para que daqui alguns anos se possa ter uma avaliação precisa. “O comitê avançou muito, trazendo setores da sociedade para engajar nessa luta. Mas ainda devemos avançar mais para que a lei seja cumprida, pois o grande problema está na demora entre a denúncia ser feita e o agressor ser responsabilizado”, afirma.
A maioria das vitimas são crianças do sexo feminino, embora tenha crescido o número de meninos abusados. “Já recebemos denúncias de abuso sexual com crianças e adolescentes de várias faixas etárias, desde um ano de idade até um adolescente mais velho”. Ela também afirma que a grande maioria dos agressores é conhecida da criança, está no núcleo familiar delas.
Dia 18 de maio
Foi criado, em 2000, o Dia Nacional Contra o Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Lei nº 9970/00). A data escolhida - 18 de maio - representa um momento emblemático para o país. Nesse mesmo dia, em 1973, Araceli Cabrera Crespo, de oito anos, desapareceu da escola onde estudava e nunca mais foi vista com vida. A menina foi espancada, estuprada, drogada e morta durante uma orgia, em Vitória (ES). Seis dias depois do massacre, o corpo foi encontrado em um terreno baldio. O crime, apesar de sua natureza hedionda, ficou impune e acabou prescrevendo.