13/03 às 00h00 Eliane Oliveira e Daniela KreschAgências internacionais
manifestante corre com pedra na mão durante confronto com forças israelenses em ras al-amud, jerusalém - reuters
JERUSALÉM - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca neste sábado no Oriente Médio em meio à renovada tensão entre israelenses e palestinos, provocada pelo anúncio da expansão dos assentamentos judeus na Cisjordânia. O plano de Israel de construir 1.600 novas casas em Jerusalém Oriental fez fracassar a retomada das negociações de paz entre os dois povos, que estava sendo mediada pelos Estados Unidos, e gerou uma série de protestos na região, além de duras críticas da comunidade internacional - incluindo o Brasil, a União Europeia e a ONU.
Na véspera da viagem histórica, a primeira visita oficial de um presidente brasileiro à região, manifestantes entraram em choque com policiais em Jerusalém, depois que israel decretou o fechamento temporário do acesso à cisjordânia , a fim de "evitar uma escalada de violência" em Jerusalém. A medida provocou ainda mais revolta (.
O principal desafio de Lula na região é mostrar que pode servir como ponte para um acordo de paz, apesar da aproximação com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que desagrada parte da comunidade internacional, incluindo Israel e a Autoridade Nacional Palestina (ANP). O brasileiro precisa convencer os dois lados de que sua posição contrária à adoção de sanções ao Irã, por causa do programa nuclear daquele país, não descredencia o Brasil como um interlocutor confiável.
A amizade entre Lula e Ahmadinejad, que ameaça repetidamente "riscar Israel do mapa", leva alguns israelenses a duvidarem da neutralidade brasileira no que diz respeito às negociações de paz com os palestinos. Por causa disso, o governo israelense resiste a uma eventual intermediação brasileira na região. Esse recado foi dado pelo vice-chanceler Rafael Barak em visita recente ao Brasil.
Mas, mesmo dentro da Chancelaria de Israel, as opiniões nesse sentido divergem. Para o porta-voz Igal Palmor a boa imagem do presidente brasileiro fala mais alto.
- Todos adoram o Brasil, e os israelenses não são diferentes. A aproximação dele com Ahmadinejad é conhecida, mas poucos dão muita importância para isso. A imagem do Lula é boa e supera esse detalhe - garante Palmor, lembrando que Lula recebeu há poucos meses a visita do presidente Shimon Peres em Brasília.
Para o ministro da Segurança Pública de Israel, Yitzhak Aharonovitch, que visitou o Brasil na semana passada, o país é mais do que "amigável". Mas ele admite que um de seus objetivos, durante a visita, foi "tentar explicar aos líderes locais a importância das sanções contra o Irã".
- O Brasil é e será sempre amigo de Israel. Tentei explicar aos brasileiros que a ameaça iraniana não é só um problema que tem a ver com Israel, mas um problema mundial - disse Aharonovitch ao GLOBO.
Além da relação com Teerã, os israelenses desconfiam da neutralidade do governo Lula por causa da clara simpatia do presidente pelo mundo árabe. Lula foi o anfitrião, em 2005, da Cúpula América do Sul-Países Árabes, em Brasília, e esteve, ano passado, na Arábia Saudita. Em 2003, visitou países que não têm relação diplomática com Israel como Síria, Líbano, Emirados Árabes e Líbia.
Já os palestinos veem com bons olhos uma mediação brasileira. Mesmo que, também para eles, a proximidade com o Irã também seja um complicador. O motivo é a divisão interna palestina entre os moderados do partido Fatah, do presidente Mahmoud Abbas, que controlam a Cisjordânia, e os radicais do Hamas, que governam a Faixa de Gaza. O Irã apoia abertamente o Hamas.
obras em assentamento judeu em maale adumim, perto de jerusalém - reuters
Mesmo assim, a participação do Brasil nas negociações de paz é bem-vinda pelos palestinos. Segundo o embaixador da ANP no Brasil, Ibrahim al-Zeben, os palestinos defendem a entrada de Brasil, Índia e África do Sul no chamado Quarteto de Madri (formado por EUA, União Europeia, Rússia e ONU). A entrada dos três garantiria um maior equilíbrio de forças.
- Não negamos que a conversa tem que ser entre palestinos e israelenses, mas é preciso uma terceira parte, um testemunho, os chamados facilitadores. O Quarteto já existe, mas não consideramos correto espantar ou afastar esses países que querem e podem ajudar - afirmou o diplomata, destacando que, para os palestinos, os EUA, no momento os principais mediadores no Oriente Médio, são historicamente aliados de Israel.
Para alguns especialistas, o apoio do governo Lula ao Irã pode realmente descredenciar o Brasil como moderador. Antônio Barbosa, do Departamento de História da Universidade de Brasília, lembra que o peso dos brasileiros na região é bastante reduzido e a tentativa de dar mais visibilidade ao país no cenário externo pode fracassar, se não houver uma posição mais assertiva em relação ao tema.
- O governo brasileiro é um dos poucos que têm oferecido apoio quase incondicional ao governo do Irã, que é uma espécie de pária no sistema internacional e se prepara para produzir uma bomba nuclear. Tenho a impressão de que a visita a Israel tem o objetivo de amenizar um pouco o quadro - disse Barbosa.
Para o especialista em Oriente Médio e professor do Curso de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco Guilherme Casarões, o Brasil vive, atualmente, uma situação plenamente nova. O país, bastante retraído na última década, passou a lidar com controvérsias de grande magnitude e está agora tentando atuar como mediador num conflito há muito mais tempo restrito ao Quarteto. Uma vantagem a favor do governo brasileiro, destacou Casarões, é o fato de ter boas relações com os dois lados.
- O problema é que essa agenda colide com a posição brasileira em relação ao Irã - afirmou.
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