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domingo, 13 de julho de 2008

Sônia Bridi lança livro sobre a China e vê possibilidade de abertura pós Olimpíada


Jornalista ficou entre 2005 e 2006 como correspondente da Globo em Pequim.
Em 'Laowai', ela conta como é ser repórter num país onde a informação é controlada.
Débora Miranda Do G1, em São Paulo

Foto: Paulo Zero/Divulgação
Paulo Zero/Divulgação
Os repórteres Paulo Zero e Sônia Bridi com o Dalai Lama (Foto: Paulo Zero/Divulgação)

Foi com a missão de montar uma base da TV Globo no Oriente que a jornalista Sônia Bridi embarcou, em 2005, para a China, acompanhada do marido, o repórter cinematográfico Paulo Zero, e do filho Pedro, então com três anos. Agora, Sônia lança “Laowai – Histórias de uma repórter brasileira na China”, um livro que reúne os bastidores de seu trabalho como repórter ao relato da vivência diária em um país completamente desconhecido.

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Em entrevista ao G1, a jornalista fala sobre a decisão de aceitar o desafio e embarcar para Pequim. Conta, ainda, sobre a complexa tarefa de fazer reportagem em um país onde o governo controla o fluxo de informação, mas demonstra esperança de abertura após os Jogos Olímpicos. Leia, abaixo, trechos da entrevista.

G1 – Como foi a decisão de se mudar para a China?
Sônia Bridi –
Foi a decisão de um casal de repórteres cheios de curiosidade. E isso pesou muito. Pesou muito também o fato de eu ter morado fora antes e saber que, por mais que as crianças sofram nesse período, a convivência com culturas diferentes, sem preconceito, enriquece muito a experiência de vida. As crianças se tornam mais abertas para as outras pessoas. Eu acho que é isso que a gente precisa ensinar aos nossos filhos.

G1 – Apesar de enxergar dessa forma positiva, você teve receio?
Sônia –
Muito. E não foi fácil a adaptação do Pedrinho, por exemplo. No primeiro ano, o choque foi tão grande que ele praticamente parou de crescer. Ele não conseguia se comunicar com as outras crianças, então ele brincava muito sozinho, criava fantasias de que ele era animal. Todo dia ele me acordava dizendo: “Mamãe, sabe que animal eu sou hoje? Sou um dinossauro carnívoro” [risos]. Foi muito difícil, mas assim que ele começou a se comunicar, rapidinho recuperou o crescimento. E ele adora a China. Sempre diz “a nossa China”.

G1 – O que te motivou a escrever o livro?
Sônia –
Eu tenho um amigo, que é o editor [Jakzam Kaiser], que quando a gente se encontrou pela primeira vez, depois que eu já estava na China, me perguntou algumas coisas do meu dia-a-dia. Quando eu contei, ele me disse: “Sônia, você não está percebendo que essas são histórias que as pessoas querem saber? Faz um livro”. E eu: “Imagina, fazer um livro. Não tenho tempo para nada”. Mas a cada 15 dias ele me mandava um e-mail: “Faz um livro”. E depois de um certo tempo, eu comecei a ver algumas histórias e pensar: “Essa história poderia entrar num livro” [risos]. Mas o mais definitivo foi o fato de que, a cada vez que eu chegava aqui no Brasil, as pessoas me diziam: “Sônia, como é a comida?”, “Tem banco lá?”, “Tinha banheiro na sua casa?”. Era preciso também juntar essas experiências numa coisa só, para as pessoas que têm curiosidades sobre a vida na China. Quem quiser saber de economia e de política, por exemplo, existem publicações mais especializadas e muito boas. Esse livro é a experiência de quem viveu lá.

Foto: Paulo Zero/Divulgação
Paulo Zero/Divulgação
Sônia junto com o filho, Pedro, em viagem ao Japão (Foto: Paulo Zero/Divulgação)

G1 – Mas você teve também esse cuidado de contextualizar, falar da economia, da política.
Sônia –
Era preciso mostrar em que ambiente estava e o que acontecia ao meu redor. E a história que está acontecendo na China, que foi o que motivou a gente a ir para lá, é a maior cobertura da qual você pode participar.

G1 – Como foi a decisão de revelar um pouco da sua intimidade e falar da sua família no livro?
Sônia –
Para mim foi uma decisão difícil, porque eu sou muito reservada. Agora, você não tem como contar essa história sem contar as histórias da família. Eu tentei manter uma linha em que a gente não invadisse coisas muito íntimas, mas, ao mesmo tempo, é extremamente íntimo quando eu revelo a nossa preocupação com o Pedro, com a adaptação dele, com a escola e tudo mais. É difícil contar o que é um ‘laowai’ [estrangeiro] vivendo na China se você não revela essas histórias.

G1 –Queria que você contasse sobre a experiência de montar uma base na China e a transmissão ao vivo durante a festa de 40 anos da TV Globo.
Sônia –
Quando a gente foi para a China, achamos que seria complicado. De fato foi, mas por razões diferentes das que a gente pensou. Primeiro que você conhecer as linguagens e os códigos de um país é extremamente importante para conseguir circular nele. Quando você chega num lugar completamente estranho, você tem que descobrir como é que funciona. E sendo extremamente fechado, isso se torna ainda mais complicado. Aquela transmissão ao vivo só foi possível pela minha ignorância. Se eu soubesse, na época, o que eu sei hoje, provavelmente não teria me dado ao trabalho de tentar. Não sabia o ineditismo do que a gente estava fazendo. A decisão da TV Globo de ter um correspondente na Ásia foi extremante importante. A Ásia é onde tudo está acontecendo hoje, a gente não pode compreender o que se passa no mundo sem estar presente na Ásia. E a decisão de ser na China tem dois motivadores principais. Primeiro que a China está num turbilhão de acontecimentos. Outra coisa é que, se você não está na China, você não entra na hora em que a coisa aperta.

G1 – Você fala da burocracia, da censura e do exercício da paciência. Como foi lidar com isso e fazer jornalismo?
Sônia –
É um troço exasperante. É bastante clichê dizer isso, mas é dar murro em ponta de faca o tempo todo. Você bate e sabe que a única pessoa que está sentindo a batida é você mesmo. As pessoas me perguntam se sofremos censura. Eles não precisam censurar o produto acabado, eles censuram as fontes e restringem o acesso. E isso provoca uma frustração terrível, todo dia. Em compensação, a cada janelinha que você abre, qualquer coisinha que você faça é muito interessante. Você continua frustrado porque sabe o que tem atrás do janelão que você não abre, mas para o público, aquelas poucas coisas que você consegue reportar são muito interessantes e importantes.

Foto: Paulo Zero/Divulgação
Paulo Zero/Divulgação
A jornalista em ação na cidade histórica de Pingyao (Foto: Paulo Zero/Divulgação)

G1 – Você sabia até que ponto confrontar esse sistema?
Sônia –
Fui sentindo com o tempo. Tem essa história de chinês não dizer “não” diretamente, ele tem que te fazer entender sem falar “não”. E eu não entendia isso. Eu fui numa cidade na beira de um rio, que estava sendo realocada. Era uma vila, pobre, na beira do rio, que já estava semidestruída. E eles não deixaram a gente entrar na cidade. Andávamos na rua com 26 pessoas atrás da gente o tempo todo. Você tem que entender a maneira como eles trabalham e os códigos culturais deles. Tem que argumentar de uma maneira educada e civilizada, mas tem que contar a história com o que você tem, não com o que você quer.

G1 – Como acha que serão os jogos olímpicos? Qual é a sua expectativa?
Sônia –
Eu gostaria muito que fosse aberto. Seria um grande momento. Mas eu acho que não vai ser. No que eles puderem, eles vão tentar controlar. Vão restringir o acesso para alguns lugares no interior, nas zonas mais conflituosas é claro que ninguém entra. Mas ao mesmo tempo, se tudo correr bem e a China não passar vergonha, eu acho que há uma possibilidade de abertura muito grande após as Olimpíadas.

G1 – Como?
Sônia -
Eles morrem de medo de abrir. Na China, em 2005, o numero oficial foi de 70 mil manifestações reunindo 200 pessoas ou mais. Quer dizer, não é uma sociedade que está exatamente calma. A experiência da União Soviética, que se arrebentou toda, criando vários países, assombra muito os chineses. Manter a integridade territorial e a unidade política é uma preocupação forte. Fiz uma entrevista com o vice-reitor da universidade Tsinghua, que depois da revolução comunista foi transformada numa politécnica e formou a classe dirigente da China. Agora, a Tsinghua decidiu voltar a ser universalista. Aí eu perguntei para o vice-reitor: “Por que essa transformação?”. Ele me diz: “Nós temos sido eficientes em produzir a classe dirigente que a China precisou nos últimos anos. Daqui para a frente, nós precisamos construir a democracia. E engenheiros que não conhecem filosofia e sociologia não vão conseguir fazer um debate, um encontro de idéias.” Eles planejam tanto. É uma característica muito chinesa. Eles planejam a longo prazo.

G1 – E o como você acha que eles planejaram as Olimpíadas, que vai ter imprensa do mundo inteiro e uma movimentação imensa de pessoas?
Sônia –
A China viveu um século de turbilhão político, de guerras, e agora passa por um período de estabilidade, de crescimento econômico, de ascensão social. Os chineses querem ser reconhecidos pelo esforço tremendo que eles estão fazendo para se transformar em uma sociedade mais aberta, mais desenvolvida. Acho que eles sentem que têm alguns méritos -e eles têm méritos muito grandes- e esperam ser reconhecidos por isso. É um sentimento muito comum para nós, brasileiros.

Foto: Paulo Zero/Divulgação
Sônia Bridi com as mulheres chinesas (Foto: Paulo Zero/Divulgação)


G1 – No prefácio do livro, o escritor Werner Zotz diz que o mundo é sua casa. Como você encara essa vida de correspondente?
Sônia –
Não sei se o mundo é minha casa. Minha casa é a minha casa mesmo, que está fechada aqui em São Paulo, me esperando voltar. Eu não planejei que a minha vida fosse assim, as coisas aconteceram. A gente não pode ficar muito tempo longe e perder o contato com a nossa realidade, os nossos valores. Porque depois de muito tempo você tende a ver o mundo com olhos de gringo, e isso não é bom. Não é isso que a gente quer. A gente quer ter um repórter brasileiro lá fora, olhando o mundo com os olhos do Brasil.

G1 – Você tem planos de voltar?
Sônia -
Não sei, depende de várias coisas. Depende dos planos da Globo, depende da gente. Enfim, temos um ano de contrato pela frente e só pensaremos nisso mais perto, porque a realidade tende a ser mais dinâmica que a nossa vontade ou os nossos planos. Mas eu acho que, após o período na França, está na hora de encerrar o ciclo do exterior e voltar para a casa.

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