Daniel Dantas | 11/07/2008 19:49
“Eu lido bem com a traição”
O ator que vive seu primeiro vilão na TV, se diz triste e introspectivo, revela que já traiu e foi traído e afirma que tem dificuldade de lidar com pessoas burras
Valmir Moratelli
QUEM: Seu personagem em Ciranda de Pedra é prepotente, autoritário e ambicioso. O que você tem de parecido com ele?
DANIEL DANTAS: Todo mundo tem uma reserva de possessividade, maldade. Inclusive eu. O personagem é apaixonado e cheio de certeza do que faz. Certeza e paixão são duas coisas muito perigosas. Grandes monstros da humanidade eram homens de certezas. Eu não sou uma pessoa autoritária. Muito pouco. Questiono muito as coisas, não tenho grandes certezas sobre a vida. Ruins são os atos e não a pessoa em si. O que vejo hoje em dia, como no Big Brother, é que estão estimulando esse hábito de julgar o tempo todo quem é mau e quem é bom. Não se deve julgar a pessoa, mas os atos dela.
QUEM: Você já destratou um fã?
DD: Muito no começo, destratei. Estava numa crise, não me lembro o porquê. Estava entrando no prédio onde fazia análise e uma senhora cismou que tinha que falar comigo. Eu disse que não, porque estava atrasado e fui bem estúpido em poucas palavras. Numa outra ocasião, destratei um casal no teatro. Eles começaram a tirar fotos depois da peça, me mandando sorrir... Virei e falei: “Não me ordene, como se eu fosse um objeto da sua vida que você mexe de lá pra cá”. Eu tinha todo o direito de falar isso, mas poderia ter dito de uma forma menos agressiva.
QUEM: Qual foi a maior maldade que você já fez na vida?
DD: (Pausa) Eu tenho duas ou três coisas que fiz, são coisas que me envergonham e não esqueço nunca. Mas não quero torná-las públicas. São coisas que eu lamento e não tem valor trazer isso à tona.
QUEM: Apesar de ter interpretado diferentes tipos no teatro, você costuma fazer papéis parecidos na TV, quase sempre homens tímidos ou traídos. Por quê?
DD: Talvez eu atraia esse tipo de papel. É até mais difícil fazer papéis semelhantes, porque preciso procurar diferenças mais sutis. Minha obrigação de trabalho não é ficar variando, é fazer bem o que me propõem. Já vi atores que mudam completamente de visual e de estilo para viver um papel diferente, e fazem uma merda! Prefiro fazer bem dois papéis iguais.
QUEM: Além do Natércio, que em Ciranda de Pedra é traído pela personagem de Ana Paula Arósio, você viveu outros homens traídos na TV. Isso não te incomoda?
DD: Olha, um dos meus primeiros trabalhos na TV foi um corno, no especial Quem Ama Não Mata, em 1982. Um tempo depois, fiquei quatro ou cinco anos fazendo sempre cornos. Aí, falei: “Não quero mais. Estou ficando caracterizado como corno, e eles estão ficando cada vez piores. Quero comer alguém”. É preciso brigar de vez em quando.
QUEM: Na ficção, você é mais traído do que trai. E na vida real?
DD: (Pausa) Não é muito nenhum dos dois, é bem pouco. É na mesma medida. Eu lido bem com uma traição. Até perdôo, dependendo do momento.
QUEM: Seu apelido na internet é “lexotan ambulante”, por sua aparência pacata. O que acha disso?
DD: Não concordo com esse apelido. Não sou nada tranqüilo (anda de um lado para o outro da sala). Essa coisa da timidez tem a ver com minha introspecção. É óbvio que me chateio com críticas externas, mas o que me tira do sério sou eu mesmo. Me irrito com a minha burrice. Por isso, quando encontro gente mais burra do que eu, me irrito ainda mais.
QUEM: Por que você se acha burro?
DD: Não é que eu me ache burro, acho que me expressei mal. Eu só não gosto de ter que conviver com pessoas que parecem saber muito menos do que eu, e para não sofrer desse mal procuro me cercar de pessoas inteligentes.
QUEM: Em 2006, você teve um tumor no cérebro e se submeteu a uma cirurgia. Teve medo de morrer?
DD: Sim, mas tentei me assegurar de que estava nas melhores mãos. É um assunto superado. Tenho que fazer uma nova ressonância daqui a uns meses e depois outra em dois anos. Pelos resultados anteriores, já houve a recuperação.
QUEM: O que você aprendeu com esse drama?
DD: Um susto como esse acaba te fazendo dar uma olhada na vida, tive um aumento de consciência da mortalidade. Parei e vi: “Opa, não tô aqui para sempre”. Mudei comigo mesmo, de forma sutil, mas importante. Passei a controlar as rédeas da minha vida, da minha carreira, com coisas cotidianas.
QUEM: Você acredita em vida após a morte?
DD: Eu gostaria muito, mas não. Acredito que haja forças e energias de várias espécies, e o máximo que a gente consegue é canalizá-las para nossas vidas. Mas não consigo acreditar num ser superior olhando para baixo e cuidando deste mundo todo.
QUEM: É verdade que você joga futebol?
DD: É uma das coisas que eu mais gosto de fazer, umas três ou quatro vezes por semana. Jogo muito mal. Fui Flamengo a vida inteira, mas não tenho mais time. Quando passei a reparar mais na vida dos jogadores, me desestimulei com o futebol.
QUEM: Que jogador o fez pensar assim?
DD: Romário. Primeiro, por uma questão de caráter. Achei que o Romário não era uma boa pessoa. Depois, me reconciliei com ele, ao percebê-lo como um triste. Aí, me identifiquei um pouco com ele. Hoje, tenho até admiração pela pessoa que é.
QUEM: Por que você se acha uma pessoa triste?
DD: Tem algumas pessoas que enxergam o mundo como belo e triste. Acho que o Romário tem esse olhar, uma certa tristeza, de que o mundo não é nem perto do que deveria ser. Isso te permite ser mais tolerante com as pequenas falhas dos outros. Eu sou um pouco assim também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário