Num momento em que se teme uma explosão do mercado de propinas como efeito colateral da lei de tolerância zero para o álcool no trânsito, vale lembrar que a palavra, como se sabe, quer dizer gorjeta, gratificação extra por serviço prestado, mas não traz de berço conotações de prática escusa. Se no Brasil ela é empregada quase exclusivamente em contextos negativos, como parte do arsenal da corrupção, isso tem mais a ver com nossa cultura do que com sua etimologia.
A propina surgiu no século 17, vinda do latim tardio propina, “dar de beber”, termo saído por sua vez do grego por um caminho curioso. Quem explica é o dicionarista Rafael Bluteau, autor do clássico Vocabulário Português e Latino: “Propinar – Os latinos tomaram esta palavra dos gregos, os quais nos seus banquetes costumavam encher um copo de vinho, e depois de dizer Tibi propino, ‘Bebo à tua saúde, ou faço-te um brinde’, bebiam um trago, e logo davam o copo a algum dos convidados”.
Propina nasceu, assim, como o ato – legítimo e até elegante – de dar de beber e comer a quem se desejava agradar ou homenagear. Ninguém precisa ser cínico para enxergar aí o caldo de cultura em que fermentaria a “cervejinha do guarda”, mas o sentido logo transbordou do campo alimentar, como registra Bluteau: “Hoje se dá propina em dinheiro, ou em tantas varas de pano, e outras coisas usuais”.
Em Portugal, o sentido básico de propina é atualmente o de taxa legal paga ao Estado por certos serviços escolares. No entanto, o alcance semântico da palavra já foi mais amplo por lá. Mesmo sem aludir a procedimentos escusos, Bluteau atestava a importância da propina na sociedade lusa do início do século 18 ao dizer que “se dão propinas aos oficiais da Casa Real, aos tribunais, ao reitor, chanceler, lentes, licenciados, bedéis etc. da universidade”. Era o começo da farra.
Publicado na “Revista da Semana”.
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