Médico diz que estigma sobre a doença pode atrapalhar tatamento
D.A tinha uma vida normal até os 20 anos. Morador do Flamengo, na Zona Sul do Rio, costumava jogar futebol nos campos do bairro depois das aulas da faculdade de engenharia. Nos fins de semana, era presença constante na praia, sempre acompanhado da namorada, com quem estava há um ano e meio. De uma hora para outra, sem motivo aparente, a alegria deu lugar à tristeza. A partir deste momento, D.A teria que aprender a conviver com os sintomas da depressão.
"Não tinha vontade de fazer absolutamente nada. Deixei de sair, de frequentar as aulas da faculdade e até de conversar com os meus amigos. A única atividade que ainda fazia era navegar na internet. Era uma forma de passar os dias, que eram cada vez mais longos e insuportáveis. Se não pudesse usar o computador, simplesmente deitava e ficava horas no sofá", conta.
A história de D.A, porém, é muito mais comum do que pode parecer. Indo de encontro ao estereótipo de que o brasileiro é um povo feliz, estudo recente da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado no fim de julho na revista BMC Medicine, indicou que o Brasil concentra o maior número de deprimidos (cerca de 10% da população ou 19 milhões de pessoas) entre 18 nações estudadas.
Somente em 2007, de acordo com dados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), cerca de 75 mil trabalhadores foram afastados de suas atividades no país devido à depressão. Além disso, a OMS estima que até 2020, o mal - que já afeta 120 milhões de pessoas - passará a ser a doença mais incapacitante do mundo.
Apesar de os números serem impressionantes, a sociedade ainda enxerga a depressão com grandes doses de preconceito. E o pior, em alguns casos, a resistência em relação ao transtorno parte dos próprios pacientes.
"Embora soubesse que não estava bem, não admitia que precisava de ajuda. Falava que apenas queria ficar quieto. Quando minha família sugeriu que eu me consultasse com um psiquiatra, houve uma briga séria. Para mim, psiquiatras apenas tratavam de loucos. Quando finalmente me consultei e recebi o diagnóstico, não aceitei.Tinha vergonha, não contava a ninguém sobre o meu problema", diz D.A.
Estudante de direito, Renata Silveira também sentiu esse drama na pele. Hoje com 21 anos, ela teve os primeiros sintomas quando ainda era adolescente. Isolou-se de amigos, passou a ter constantes crises de choro e viu o seu rendimento escolar cair bruscamente. Hoje curada, ela conta que sofreu com a incompreensão de colegas e familiares.
"Fui alvo de brincadeiras de mau gosto na escola, era motivo de chacota e fiquei conhecida como "chorona" durante um bom tempo. Mas o que mais me incomodava era quando meus pais, por mais que bem-intencionados, diziam para eu ficar tranquila. Isso só me deixava mais chateada. Eu não estava daquele jeito porque queria, era algo que simplesmente não podia controlar", diz.
Médico lamenta preconceito e alerta para seriedade da doença
Segundo o psiquiatra Gabriel Bronstein, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, os relatos de D.A e Renata provam que, apesar de o cenário ter melhorado nos últimos anos, alguns mitos ainda precisam ser quebrados para que o estigma sobre a doença desapareça. Um deles é a confusão entre depressão e tristeza.
"Esta ideia faz com que muitos considerem "frescura" ir a um médico e acabem perdendo a oportunidade de se tratar. A tristeza é um sentimento normal, mas passa a ser preocupante se presente por um período de tempo mais longo e se associado à perda de energia e à irritação", explica
Bronstein alerta para a importância de acompanhar de perto a evolução da doença, que em casos mais raros e graves pode provocar alucinações persecutórias, pensamentos suicidas e fazer com que o indivíduo perca totalmente os cuidados com a saúde, a higiene e a alimentação.
Não há um exame específico para o diagnóstico de depressão e nem sempre é possível determinar a sua causa. É detectada através de consulta clínica em que o psiquiatra avalia o paciente e verifica se ele apresenta os sintomas da doença. Caso o transtorno seja confirmado, o médico define a melhor opção de tratamento de acordo com o estado do enfermo.
A terapia consiste no acompanhamento psicológico e na administração de antidepressivos, que costumam levar em média quatro semanas para surtir o efeito desejado. Uma vez que o paciente tenha o quadro estabilizado, receberá a medicação por pelo menos seis meses até que possa ser liberado. Em casos mais leves, os remédios podem não ser necessários.
Carlos Caroni - carlos.caroni@jb.com.br
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