A demissão do ministro da Defesa de Dilma lembra um seriado da TV e uma música chatinha da década de 1980. O problema é que ninguém está autorizado a ser descortês com a desculpa de ser verdadeiro, por mais que acredite ser digno de fé
Na televisão, um personagem interpretado por Luiz Fernando Guimarães armava confusões ao contar a verdade — ou pelo menos o que achava ser a verdade. Era inconveniente, deselegante. Falava o que pensava, sem meias-palavras ou arrependimentos. Os episódios, que foram ao ar há dois ou três anos, eram marcados por uma música chatinha de Lulu Santos da década de 1980.
A letra da canção dizia mais ou menos o seguinte: “Você não pode me odiar, só porque eu falei a verdade”. Com a desculpa de ser sincero, Salgado, o personagem de Guimarães, fazia comentários desabonadores sobre o peso de mulheres, reclamava de amigos e colegas de trabalho. É inevitável não relacionar Salgado com o episódio da demissão de Nelson Jobim do Ministério da Defesa.
Ninguém está autorizado a ser descortês com a desculpa de ser sincero, por mais que acredite que está a dizer verdades. Em defesa de Jobim, sem trocadilhos, o ex-integrante do governo Dilma Rousseff não saiu por aí a atacar rotineiramente com sinceridades colegas de Esplanada — não todos os dias, como o personagem da TV. Foi mais vaidoso do que descortês. Vamos aos fatos, pois.
Três atos cometidos por Jobim desagradaram a presidente Dilma. Primeiro, a declaração do comandante durante discurso na solenidade em homenagem aos 80 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 29 de junho. “Nelson Rodrigues dizia que, no tempo dele, os idiotas entravam na sala, ficavam quietos num canto ouvindo todo mundo falar e depois iam embora. Mas hoje, Fernando, os idiotas perderam a modéstia.”
“Os idiotas”
Ao chamar alguém de idiota, o autor da ofensa coloca-se à parte. Não é ele, no caso Jobim, que carece de inteligência. Estúpido, ignorante ou tolo são os outros, não ele. Ao dizer que eles “perderam a modéstia”, o ex-ministro deu a senha. Ele, o inteligente, não precisa de modéstia. Os idiotas, sim, devem continuar quietos, no canto da sala, como no tempo do escritor Nelson Rodrigues.
No início alguém pensou que Jobim referia-se a petistas. Nada, ele falava de jornalistas, pelo menos foi o que disse a Dilma. Desculpas aceitas, o nosso ex-ministro-fardado resolveu dar uma entrevista a um portal da internet, em 26 de julho. Ali admitiu que votou em José Serra nas eleições do ano passado, quando o tucano disputou a eleição com Dilma. Para Jobim, não foi provocação, mas sinceridade.
Mais uma vez Jobim escapava da degola de Dilma, para alegria e alívio dos assessores. Estava, assim, tudo certo. O que não se esperava era que um comentário feito por Jobim no mesmo dia das comemorações do aniversário de Fernando Henrique — e acompanhado por uma repórter da revista Piauí — fosse desabar sobre a cabeça do ministro da Defesa. Aí não teve mais jeito.
No meio de uma discussão sobre a liberação de documentos sigilosos, Jobim deixou escapar que Ideli Salvatti, ministra de Relações Institucionais, era “fraquinha” e Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, não conhecia Brasília. Como a revista é mensal, talvez nem o próprio Jobim se lembrasse do comentário. Com o anúncio da chegada da edição às bancas, a frase acabou destacada no meio do perfil jornalístico.
Isolado, o comentário poderia até passar — o ministro não cairia. Mas, na sequência de frases pouco felizes, Jobim acabou na chuva, sem uniforme militar. Até então ele se apoiava na imagem de comando que tinha sobre os militares subordinados. Desde o primeiro momento, Dilma queria Jobim fora. Aturou-o por pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora terá um ministro mais comedido, um diplomata, que sabe quando e deve expressar alguma opinião, por mais que possa ser sincera. Resta saber se Celso Amorim conseguirá agradar os militares. Sem criar mais problemas para Dilma.
Oposição
É oportuno e divertido o convite dos tucanos para que Jobim entre no partido. Se o camarada tem a capacidade de desagradar tanto a presidente, é razoável que a oposição o aprove.
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