RIO - Reverenciadas por sua arte e seu pensamento crítico, Grécia e Itália atravessam um momento histórico do qual dificilmente seus povos sentirão orgulho no futuro. É muito provável que os dois países, apontados como berços da civilização ocidental, sejam lembrados nos livros de História como o retrato da crise europeia neste início de século. Endividamento explosivo, desemprego em massa, escândalos de corrupção e protestos nas ruas são alguns dos ingredientes que desafiam a ordem e o senso de Justiça que um dia Zeus e Júpiter inspiraram, respectivamente, entre gregos e romanos.
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Para entender por que as duas nações enfrentam dificuldades hoje, é preciso voltar no tempo. Não num tempo tão distante quanto ao das batalhas sangrentas que sustentaram seus impérios, mas, sim, aos anos que sucederam à guerra que dividiu a Europa.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, França e Alemanha, até então em lados opostos do conflito, deram o primeiro passo para formar o que hoje é a União Europeia (UE). Criaram, ao lado de Itália, Luxemburgo, Bélgica e Holanda, a chamada Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Colocar suas indústrias pesadas sob uma autoridade comum significava selar um pacto para a não fabricação de armas que poderiam ser usadas entre os Estados fundadores da comunidade.
- Era preciso acabar com os nacionalismos que levaram à Segunda Guerra Mundial e reintegrar a Alemanha e outras potências, como a Itália, para que elas não se inclinassem para o comunismo soviético - lembra o historiador e professor de Relações Internacionais da Uerj Williams Gonçalves.
Mas era também preciso criar um mercado cativo para as potências que se reerguiam da guerra. Logo, o bloco que começou com a união entre setores produtivos ganhou força, com a criação, em 1957, de um mercado comum, a Comunidade Econômica Europeia, em que a circulação de pessoas e mercadorias seria livre.
- A Alemanha era economicamente forte, mas um anão político. A França era politicamente forte, mas frágil do ponto de vista econômico. A Comunidade Europeia buscou equilibrar esses dois extremos e promover a extensão do mercado para alimentar o núcleo duro europeu - diz o economista Luiz Carlos Prado, do Instituto de Economia da UFRJ.
Selo de Atenas
Fosse para blindar o inimigo russo ou para fortalecer a economia das potências centrais europeias, essa extensão continuou ao longo das próximas décadas. A Grécia foi incorporada ao bloco em 1981, conferindo ao projeto o selo de Atenas, uma espécie de grife da civilização ocidental, frisa o colunista do "New York Times" Roger Cohen, em artigo recentemente publicado no jornal americano. Outros tantos aderiram à iniciativa, especialmente após o fim da Guerra Fria, até se chegar ao atual desenho de 27 associados.
Nesse grande abraço ao continente europeu, os Estados-fundadores da UE foram lenientes com os novatos. O não cumprimento das metas macroeconômicas acertadas quando do ingresso ao bloco foi ignorado. Os tempos de bonança, diz Cohen, permitiram um acúmulo de dívidas e déficits em patamares insustentáveis sem melhora na competitividade das economias periféricas, como a Grécia.
Quando a crise imobiliária americana estourou em 2008, e contaminou as finanças da Europa e do resto do mundo, as fragilidades econômicas foram reveladas e não pouparam sequer nações do núcleo duro europeu, como a Itália, mais frágil economicamente que os demais membros fundadores da UE e envolta em escândalos políticos protagonizados por seu premier, Silvio Berlusconi.
Com taxa de desemprego de15% no primeiro trimestre de 2011 e uma dívida pública de mais de 300 bilhões de euros - ou 142% de seu Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) - a Grécia se vê diante do desafio de implementar um severo programa de austeridade. Uma contrapartida tanto para conseguir receber as próximas parcelas do empréstimo acordado em 2010 com a UE e o Fundo Monetário Internacional (FMI), como para receber um segundo socorro. Na opinião de muitos analistas, se os demais Estados europeus não assumirem parte da dívida, o governo de Atenas decretará moratória:
- A crise grega é uma crise europeia. Os principais países do bloco terão de resolver como distribuirão a conta. Não vejo outra saída - diz Prado.
Algo difícil de engolir para os gregos. Logo eles, que exportaram a democracia para o resto do mundo e, hoje, protestam nas ruas para que as medidas de austeridade não lhes roubem os benefícios de que passaram a gozar quando aderiram à união monetária.
Embora a economia italiana seja mais diversificada e robusta que a grega e ainda não se cogite um calote, os indicadores econômicos do país não são menos preocupantes, especialmente sua relação dívida/PIB, que atingiu 119% em 2010. O grande temor é que a crise grega contagie o país, provocando um efeito dominó.
- A Itália tem problemas clássicos de gestão pública muito anteriores à crise de 2008, além de conviver com a corrupção por anos e ter dificuldades de formação de coalizões políticas que apresentam uma alternativa a Berlusconi. Mas não acredito em calote. A UE jamais deixaria isso acontecer - avalia Prado.
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