Autor(es): Fábio Vasconcellos |
O Globo - 24/07/2011 |
Gastos com terceirização dos veículos da PM dariam para triplicar a frota
O projeto do governo do estado de terceirização dos carros da Polícia Militar - cujos contratos com uma única empresa somam mais de R$900 milhões - desembolsa, apenas com a manutenção dos carros, dinheiro suficiente para triplicar a frota. Assinado em 2007, o primeiro contrato com a Júlio Simões Transportes previa aquisição, manutenção e gestão de 578 Gols e 54 Blazers. Do total de R$69,8 milhões, cerca de 67% foram destinados à empresa em 30 parcelas iguais para arcar com a manutenção dos carros. A discrepância dos valores levou a 7ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania do Ministério Público estadual a instaurar um inquérito para apurar indícios de superfaturamento no negócio. Valor é maior que o pago pela Defesa Civil A terceirização da frota foi uma espécie de resposta ao filme "Tropa de Elite", que, em 2007, mostrou a corrupção nas oficinas que existiam nos batalhões. O projeto conseguiu mudar o aspecto dos carros da polícia e agilizou a reposição dos veículos danificados, mas tudo a um custo nunca antes visto. No primeiro contrato, que serviu de modelo para os demais, o governo pagou R$2.313 pela manutenção mensal de cada um dos 578 Gols. Ao fim de 30 meses - antes da prorrogação que levou o contrato a ser encerrado apenas no ano passado -, o estado desembolsou R$40 milhões em reparos. Com esse dinheiro, que equivale hoje a R$47 milhões, seria possível adquirir 1.243 novos Gols, modelo 2011, completos, com motor 1.6 - sem levar em conta o desconto que o estado poderia ganhar. Caso optasse por trocar a frota periodicamente, o dinheiro da manutenção daria para o governo substituir os 578 Gols a cada dez meses - período no qual os carros da polícia rodam, em média, cem mil quilômetros. Em outros dois contratos (2008 e 2010), o custo unitário e mensal com a manutenção dos Gols continuou elevado: R$2.685 e R$2.892. Os valores acertados entre 2007 e 2010 pelo governo para a manutenção dos veículos superam até mesmo o preço obtido pela Secretaria estadual de Defesa Civil na semana passada. O órgão anunciou a contratação da Peça Oil Distribuidora para fazer a manutenção preventiva e corretiva de 115 ambulâncias. O valor mensal a ser pago por cada veículo ao longo de seis meses: R$2.212. Para ter outros parâmetros de comparação, O GLOBO conversou com técnicos de três concessionárias da Volkswagen localizadas na Barra, na Zona Sul e na Zona Norte. Segundo eles, um Gol zero deve passar por revisão a cada dez mil quilômetros ou seis meses de uso. Os técnicos explicaram que, para um carro que roda até cem mil quilômetros a cada dez meses, seriam necessárias ainda revisões mais completas, possivelmente com a substituição de amortecedores, suspensão, pneus e itens que sofrem desgaste no motor. Além disso, seria preciso fazer alinhamento e balanceamento. No total, com as revisões mensais e outras duas mais completas, o governo gastaria cerca de R$11.200 em dez meses com cada Gol. Com a Júlio Simões, o estado pagou R$23 mil. Para Cláudio Gurgel, professor de administração pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), os valores desembolsados não são razoáveis. Na avaliação de Gurgel, mesmo que a concepção de terceirizar a frota da polícia seja acertada, os cálculos sobre os custos do serviço deveriam ter sido feitos pelo governo antes da assinatura dos contratos: - Um dos princípios da administração pública é a razoabilidade. Esses valores não me parecem razoáveis. O gestor público, que infelizmente vem abrindo mão de gerir o serviço público em favor do setor privado, tem a obrigação de fazer essas contas e cobrar do prestador que ele reduza os valores. Já Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec, considera que os valores dos contratos poderiam ser reavaliados. Para ele, os custos mostram que não se pode descartar, por exemplo, a hipótese de substituição de toda a frota a cada período específico e, além disso, com uma possível negociação direta com os fabricantes: - Sabemos que os carros da PM de fato sofrem um desgaste grande. São veículos que circulam 24 horas por dia e que sofrem avarias constantes. Mas os valores mostram que é preciso uma reavaliação, com a possibilidade de aquisição dos carros a cada dez meses, por exemplo. É uma possibilidade que pode ser levada em conta, dado os custos dos contratos de manutenção. Desde 2007, o governo assinou quatro contratos com a Júlio Simões - agora denominada apenas JSL - que somam R$418 milhões. Todos são para aquisição, manutenção e gestão da frota de 3.344 veículos para a polícia, entre eles Gols, Blazers, picapes, motos e furgões. A frota foi distribuída inicialmente entre os batalhões da capital e da Baixada Fluminense, mas hoje já atende a todo o estado. Há duas semanas, o governo assinou mais um contrato de terceirização da frota, dessa vez com a CSBrasil Transportes, empresa do grupo JSL, no valor de R$490 milhões. Serão mais 1.508 veículos novos: 1.187 Renault Logans e 321 Blazers. Estado e empresa defendem contratos Governo diz que desgaste de carros da polícia é bem maior que o de veículos comuns Tanto o governo estadual como a Júlio Simões apresentaram argumentos semelhantes para defender os gastos com os contratos de terceirização da frota da PM. Embora o primeiro contrato com a empresa tenha sido divulgado e defendido publicamente pelo secretário de Governo, Wilson Carlos, em 2007, desta vez coube à Secretaria da Casa Civil responder às perguntas enviadas pelo GLOBO. Segundo o órgão, "não é correto nem possível comparar veículos particulares com viaturas policiais, pois o uso extremo e durante 24h por dia, o ano inteiro, faz com que o veículo transformado em viatura tenha um desgaste muito superior ao dos carros utilizados para uso particular". A Casa Civil informou que esse é um dos principais motivos pelos quais as fábricas "restringem e diminuem a garantia de uma viatura policial, já que para ser utilizado na Polícia Militar o veículo tem alterados/transformados cerca de 30 itens". Na avaliação do governo, portanto, a afirmação de que "com o valor pago em cada contrato daria para trocar a frota por carros novos não procede". Para a Casa Civil, a comparação com as despesas de manutenção oferecida por concessionárias "é equivocada". De acordo com o governo, "a garantia de três anos não é integral para qualquer tipo de carro. Refere-se apenas a alguns itens específicos. As revisões em garantia (dada) pelo fabricante não contemplam a manutenção corretiva nem as avarias de uma viatura policial". A Júlio Simões, por sua vez, disse que, em razão da amplitude da prestação do serviço e do grande desgaste dos carros da PM, "o custo dessa manutenção é elevadíssimo e não pode ser comparado, nem de longe, ao de um veículo comum". Segundo a empresa, o valor cobrado do governo pelo "trabalho de gestão e manutenção de frotas contempla, com abrangência em todo o Estado do Rio, a assistência 24 horas/dia, sete dias por semana (inclusive feriados), incluindo, sem limitação, a prestação de serviço de reboques/remoção, revisões preventivas e corretivas de todas as viaturas, com fornecimento de mão de obra, peças, acessórios e itens customizados das viaturas (fruto da adaptação), bem como o reparo de qualquer dano sofrido". Por fim, a Júlio Simões informou que o modelo de gestão terceirizada da frota "gera mais eficiência na operação de patrulhamento e mais produtividade, pois garante um mínimo de 90% da frota permanentemente em circulação". Serviço gerou ação criminal na Bahia O serviço de terceirização da frota da Polícia Militar é motivo de uma ação criminal movida pelo Ministério Público da Bahia. Os promotores acusam o proprietário da Júlio Simões, Fernando Simões, que assina a maioria dos contratos com o governo do Rio, e um dos seus funcionários de prática de corrupção ativa e fraude na licitação para contratar a empresa que forneceria 150 carros para PM e seria responsável pela manutenção dos veículos por 30 meses. No total, 20 pessoas, entre policiais e empresários, foram denunciadas pelo MP da Bahia. As investigações começaram depois que o governo do estado desconfiou dos valores que a PM pretendia pagar - cerca de R$28 milhões - pela compra e manutenção dos carros. Segundo o MP, com esse dinheiro era possível adquirir três frotas para a polícia. Com escutas telefônicas e prisões em flagrante, a investigação revelou que, durante o processo licitatório, que começou em 2007 e foi concluído em fevereiro de 2008, policiais e representantes da Júlio Simões e de uma outra empresa atuaram para direcionar e superfaturar a licitação. O contrato com a Júlio Simões foi assinado com o comando da Polícia Militar da Bahia até mesmo contrariando uma orientação da Procuradoria do Estado, que, num parecer enviado à corporação, não considerou economicamente viável a contratação do serviço. Fernando Simões informou que já prestou todos os esclarecimentos à Justiça e que está seguro de que as acusações serão consideradas improcedentes. |
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