ELEIÇÃO E TERRORISMO
quarta-feira, 3 de março de 2010 | 5:03“Não aceitem a ideia imbecil de que, se ganhar fulano ou beltrano, vai estragar tudo no país”. A fala não é de Sérgio Guerra, presidente do PSDB. Também não é José Serra, pré-candidato tucano à Presidência da República. O autor dessas palavras é Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, e foram pronunciadas numa solenidade na Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), em São Paulo. Segundo Lula, pouco importa quem se eleja em outubro, não há chance de “estragar” o que foi construído no país. E emendou: “A tendência natural é que o próximo governo faça mais e melhor”.
Por alguns segundos, Lula se comportou como um democrata convencional, do tipo que pode ser encontrado nos EUA, na França ou na Alemanha, que considera a alternância de poder uma prática corriqueira, aceitável. Nas democracias, governos ora mais “conservadores”, ora mais “progressistas”, para ficar numa nomenclatura quase neutra, vão se revezando no poder, fortalecendo o sistema da representação e as instituições. Nem uns nem outros ousam sabotar as regras do jogo ou alterar a natureza das instituições do estado. Ninguém ousa sugerir que o país que está “andando para trás”.
A ideia de que um partido detém o monopólio da verdade e, numa dimensão mais profunda, detém o sentido da história, de que ele próprio é o motor e a correia de transmissão para o futuro, é incompatível com a democracia. Trata-se de uma visão totalitária da política, típica do comunismo e do fascismo. Falei bastante a respeito no podcast do Ordem Livre. Vocês ouvirão. É evidente, já se disse aqui tantas vezes, que o PT não é mais um partido tipicamente socialista porque o socialismo, à moda antiga, só existe hoje como folclore. Mas continua autoritário e continua a ver a si mesmo como o dono da história.
Voltemos ao ponto: por conta dessa visão autoritária de mundo e de liderar um partido cuja raiz é totalitária, ninguém faz terrorismo eleitoral no país mais do que Lula. E eu diria que ele o faz de dois modos: retrospectiva e prospectivamente. Sugerir a empresários da Anfavea que a eventual vitória do tucano José Serra poderia significar um terrível abalo ao país soaria absolutamente ridículo, especialmente quando se sabe a importância que o tucano dá à indústria como motor do desenvolvimento sustentado. Então nós o chefão do PT ali, no figurino de um grande cultor da democracia.
Mas quantos são os palanques Brasil afora em que Lula sobe, em companhia de sua candidata, para assegurar que só a vitória do PT nas urnas pode assegurar este ou aquele benefícios? Quantas são as vezes em que, dirigindo-se ao povo, o presidente afirma que tudo o que ele está inaugurando ali corre risco caso não faça o seu sucessor? Não será isso, então, terrorismo eleitoral?
O terrorismo petista, note-se, não se dá só em relação ao futuro. A abordagem que Lula faz do passado é, igualmente, terrorista e obscurantista, porque pretende eliminar da história, o que é fabuloso, uma geração de políticos e de economistas que fizeram um dos planos de estabilização da economia mais bem-sucedidos da história do, atenção!, mundo! O Brasil conseguiu controlar a hiperinflação e matar a cultura inflacionária no país sem provocar nenhum grande trauma na economia e sem usar os famosos “choques”. Foi uma operação de mestre, de longa duração, como se vê.
Não obstante, a forma como os petistas, e Lula em particular, se referem ao passado chega a ser criminosa. Porque obscurantista. Reduz o gigantesco esforço da sociedade e a engenharia verdadeiramente genial do Plano Real a uma espécie de conspiração antipovo. Quando nega — contra os fatos, contra a história, contra as evidências — o esforço bem-sucedido dos homens que fizeram o Real, está cometendo um crime contra a verdade e a memória. Alguns jornalistas “isentos” colaboram para emprestar ares de verdade ao que não passa de uma pantomima partidária.
Então não foi terrorismo o que o PT fez em 2006, e já há indícios de que ameaça repetir a vigarice neste ano, quando inventou que os tucanos iriam privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e a CEF? Que adversários costumem se caracterizar pela incompreensão mútua e que haja divergências entre eles, bem, isso é, antes de tudo, desejável. Mas é uma pilantragem atribuir ao outro uma iniciativa ou uma ação que se sabem falsas. Sim, aquilo era terrorismo. E é terrorismo hoje em dia a sugestão de que um governo Serra poderia acabar com o Bolsa Família porque considera o programa “esmola”. Não! Como se percebe no vídeo abaixo, que publico a título de curiosidade, quem considerava “esmola” os programas assistencialistas eram… Lula e o PT.
Não se faz terrorismo apenas atribuindo ao adversário intenções terríveis que ele não tem. Também se faz terrorismo quando se tenta expropriar indivíduos, povos e países de sua história. Mas sigamos com Lula na Anfavea: “Tive que provar todos os dias que podia fazer muito por esse país”.
Ele e todos os seus antecessores “tiveram de provar”. Ou não se cobrou nada de seu antecessor porque, afinal de contas, ele era professor universitário? Ora… Se formos medir as ousadias, quem terá sido o homem verdadeiramente ousado? FHC, que lançou um plano de estabilização que resumia, sem dúvida, racionalidade e expertise técnica, mas cuja composição e operação era inédita no mundo, ou Lula, que se limitou a seguir as balizas que herdara daquele que, agora, ele diz não ter feito nada pelo Brasil e pelos pobres?
Quem dera Lula falasse a verdade, e seu partido, de fato, renunciasse à prática do terrorismo eleitoral, que deseduca o país. Mas isso não vai acontecer. Não demora, e ele estará repetindo as coisas de sempre. A célebre frase “Nunca antes na história destepaiz”, diga-se, é a divisa por excelência do terrorismo eleitoral.
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