Com Amorim, Hillary insinua que o Irã está ludibriando o Brasil
Secretária de Estado diverge de posição brasileira em relação ao programa atômico iraniano e à Venezuela
Denise Chrispim Marin
BRASÍLIA
Brasil e EUA evidenciaram ontem suas divergências em temas como o programa nuclear iraniano e a democracia na Venezuela. Após de três horas de conversa com o chanceler Celso Amorim, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, insinuou à imprensa que o Irã está manobrando o Brasil, a Turquia e a China, e defendeu novas sanções contra Teerã.
Como sinal de que não se dobraria à pressão, Amorim insistiu em uma solução negociada e rejeitou a ideia de que o Brasil estaria sendo "enrolado" pelo Irã. O chanceler ouviu ainda o lobby da secretária em favor dos caças F-18 Super Hornet, da americana Boeing (mais informações na pág. A18).
"Estamos observando que o Irã vai ao Brasil, à Turquia e à China e conta histórias diferentes para cada um. Pessoalmente, acredito que só depois de passarem as sanções no Conselho de Segurança da ONU (é que) o Irã vai negociar de boa-fé", afirmou Hillary Clinton.
Amorim rebateu: "É possível ainda encontrar uma solução com base nos mesmos conceitos e nas mesmas ideias e preocupações que inspiraram o acordo? A nossa avaliação é que sim", disse, referindo-se ao acerto que prevê a troca de urânio iraniano por combustível nuclear. "Temos a visão de que, de modo geral, as sanções têm efeitos contraproducentes."
Horas antes do encontro de Hillary com Amorim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou da posição brasileira em relação à questão nuclear iraniana: "Não é prudente encostar o Irã na parede. É preciso estabelecer negociações. Quero para o Irã o mesmo que quero para o Brasil: usar energia nuclear para fins pacíficos. Se o Irã for além disso, não poderemos concordar."
Em missão de convencer o Brasil a afinar sua posição com a de cinco potências (EUA, França, Grã-Bretanha, Rússia e Alemanha) e apoiar sanções, Hillary alertou o governo brasileiro sobre o fato de que, em um momento próximo, a decisão sobre o Irã terá de ser tomada. Com isso, deixou no ar a responsabilidade do Brasil por sua posição.
Diante da imprensa, a secretária de Estado tentou derrubar as principais teses que mobilizam o Itamaraty para uma solução negociada. Defendeu que o Irã tornou-se uma força desestabilizadora no Oriente Médio e afirmou ainda ser "evidente" a determinação do Irã em produzir armas atômicas.
A número 1 da diplomacia americana insistiu que os EUA, assim como o Brasil, também preferem a negociação com o regime persa. Mas completou que o Irã manteve a sua porta fechada para a solução diplomática. Por fim, lembrou que as sanções constituem uma saída "pacífica".
Apesar do cuidado de não deixar escapar nenhuma nesga de flexibilização da posição brasileira, Amorim lembrou que "nunca" informou como o Brasil vai votar no Conselho de Segurança da ONU. Mas insistiu que o acordo de troca de urânio iraniano por combustível nuclear terá o mérito de permitir ao país o enriquecimento do minério em baixos teores, para fins pacíficos. "Será uma perda se o Irã desperdiçar essa oportunidade."
VENEZUELA
A divergência entre Brasil e EUA sobre o regime do presidente venezuelano, Hugo Chávez, também ficou evidente. À imprensa, Hillary declarou que o governo venezuelano "mina as liberdades" de seus cidadãos e, com isso, prejudica também os países vizinhos.
Ela advertiu ainda que é preciso haver a restauração da democracia e das regras de mercado no país, que deveria "olhar um pouco mais para o Sul e seguir os exemplos do Brasil e do Chile".
Amorim agarrou-se a essa abordagem de Hillary para marcar a diferença de posição do governo brasileiro, que considera a Venezuela como uma democracia plena. "Concordo que a Venezuela tenha de se integrar mais com o Sul. Por isso, integramos a Venezuela ao Mercosul, o que será positivo em todos os sentidos", afirmou o chanceler.
COLABOROU TÂNIA MONTEIRO
"Agradável e interessante"
Dessa maneira Celso Amorim definiu o encontro entre Hillary e Lula. Chanceler também afirmou que a relação entre Brasil e EUA "está ótima"
Tânia Monteiro A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, ficou cerca de uma hora com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Ao deixar a reunião, o ministro Celso Amorim contou que a conversa entre a secretária de Estado e o presidente Lula foi "agradável e interessante". O ministro disse que não ficou acertada data para a visita do presidente Obama ao Brasil. "O convite foi por mim reiterado e nem é a Presidência que trata disso", disse Amorim. Ele também disse que não houve, na conversa com Lula, nenhuma tratativa sobre a compra dos caças e nem sobre a questão do Irã. Sobre os caças, Amorim disse que Hillary Clinton abordou o assunto na reunião mais cedo no Itamaraty. "Disseram que o caça é o melhor, o mais barato, da melhor qualidade do mundo e eu não esperava ouvir nada de diferente", disse Amorim. Relações abaladas Questionado sobre se uma das intenções do encontro com Hillary Clinton não era melhorar a relação entre os países, que estaria um pouco ruim, Amorim disse: "não estão um pouco nada. A relação (com os EUA) está ótima. Eu não vejo nenhum problema", disse. Segundo ele, só pessoas adultas conseguem conviver com a divergência. "No nosso caso, divergência é diálogo, discussão, é troca de pontos de vista. Quando há divergências. No nosso caso, há convergência em muita coisa, em Haiti, em cooperação trilateral, em cooperação para evitar violência contra as mulheres, em cooperação para promoção de igualdade racial. Tudo isso é convergência e como há convergência também nos objetivos, em relação ao Irã, em relação ao Oriente Médio e muitos outros assuntos", disse, esclarecendo em seguida que, em relação ao Irã, era ele, chanceler, quem estava falando. Ao final do encontro com Hillary Clinton, o presidente Lula a chamou para uma foto e fez uma brincadeira. Todos colocaram uma mão sobre a outra, Lula, Amorim e Hillary e, então, Lula chamou a ministra Dilma, que participou da reunião, e colocou sua mão sobre as mãos dos quatro e comentou: "Sabe lá, quem sabe um dia..." (REPAREM NA POSIÇÃO DO LULA EMPURANDO A CLINTON E PUXANDO A DILMA , FORÇANDO UMA FOTO DE BOM MARKETING , A DILMA SE ANCORA E RESISTE SEGURANDO NA MESA, ESSA MULHER VAI SER DIFICIL DE VENDER !E COM CARA DE BABÃO, ESSE LULA É MUUUUITO TOSCO!)
Segundo relato de Amorim, vários assuntos foram tratados na reunião e o presidente Lula começou falando da Conferência do Clima. "Ele está disposto a continuar dialogando para o êxito da Conferência da COP 16, no México. O presidente Lula mencionou a importância de o presidente Obama (Barack Obama) continuar o diálogo com a América Latina, em especial com a América do Sul, citando o que ocorreu em Trinidad e Tobago", disse o ministro.
Amorim contou que, no encontro, houve alguma referência ao Oriente Médio, quando o presidente Lula comunicou que visitará Israel, Palestina e Jordânia na próxima semana e mencionou que irá ao Irã em maio. Lula também, segundo relato de Amorim, disse que tem a intenção de falar com os principais líderes do mundo, entre eles, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sobre a questão do Irã e sobre a busca que ele tem feito para uma solução pacífica para esta situação.
Lula para as damas: ‘Ninguém sabe o dia de amanhã’
Sérgio Lima/Folha
Ao acomodar Dilma Rousseff a quatro pontos de seu principal rival, o Datafolha conferiu à candidata de Lula uma aparência de ex-poste.
O cabo-eleitoral da ministra, que carregou Dilma em sua fase mais pesada, agora mesmo é que não perde oportunidade de levá-la aos ombros.
Nesta quarta (3), Lula aproveitou uma audiência com Hillary Clinton para prover a Dilma uma imagem de campanha.
À mesa, a ministra de Lula sentara-se distante da secretária de Estado de Barack Obama. Súbito, Lula autorizou a entrada dos repórtres fotográficos.
Em pé, Dilma continuava separada de Hillary por dois corpos, o de Lula e o do chanceler Celso Amorim.
Lula cuidou de estreitar a distância. Instou Dilma a cumprimentar a visitante. Aos risos, disse: “Sabe como é, ninguém sabe o dia de amanhã”.
Era como se o chefe dissesse à subordinada: Veja bem, Dilma, você sou eu amanhã. Vê se vai pegando o jeito.
Afora a foto, a audiência não produziu novidades. Naquilo que de fato interessa, as divergências entre Brasil e EUA em relação ao Irã, nada mudou.
Antes do encontro, Lula cuidara de fincar o pé: "O Brasil mantém sua posição. O Brasil tem uma visão clara sobre o Oriente Médio e sobre o Irã...”
“...O Brasil entende que é possível construir outro rumo. Eu já disse que para Obama, o [Nicolas] Sarkozy, não é prudente encostar o Irã na parede. O que é prudente é estabelecer negociações..."
"...Eu quero para o Irã o mesmo que quero para o Brasil: utilizar o desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos...”
“...Se o Irã tiver concordância com isso, terá apoio do Brasil. Se quiser ir além disso, o Irã irá contra ao que está previsto na Constituição brasileira e, portanto, não podemos concordar".
Mais cedo, em reunião com Celso Amorim, no Itamaraty, Hillary dissera que descrê dos ímpetos negociadores do Irã. A hora, disse ela, é de sanções.
Lula visistará o Irã em maio.
DECLARAÇÕES
Hillary Clinton
Secretária de Estadodos EUA
"Estamos observando que o Irã vai ao Brasil, à Turquia e à China e conta histórias diferentes"
"Só depois de passar as sanções no Conselho de Segurança o Irã vai negociar de boa-fé"
Celso Amorim
Chanceler brasileiro
"Nunca disse como o Brasil vai votar no Conselho de Segurança. Mas nós temos a nossa visão de que, de modo geral, as sanções têm efeitos contraproducentes"
Entenda os pontos de atrito na relação entre Brasil e EUA
Em Brasília, Hillary Clinton deve discutir temas delicados como o programa nuclear do Irã.
Enquanto os Estados Unidos defendem a imposição de sanções econômicas ao Irã, o governo brasileiro argumenta que a medida poderá "isolar" Teerã, dificultando as negociações.
As polêmicas na relação entre os dois países vão além, incluindo temas recentes como a recuperação do Haiti, a situação política de Honduras e retaliações comerciais.
De acordo com o Itamaraty, mesmo os assuntos "delicados" serão tratados em um clima de "total cortesia" entre a secretária Clinton e o chanceler Celso Amorim.
Entenda quais são os pontos de atrito entre Brasil e Estados Unidos.
Programa nuclear do Irã
Desde que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, anunciou, em fevereiro, a ampliação de seu programa nuclear, os Estados Unidos passaram a defender a imposição de sanções econômicas a Teerã.
Um dos argumentos do governo americano é de que o Irã estaria "disfarçando" a construção de armamentos nucleares por meio de um programa nuclear supostamente pacífico.
Na avaliação do governo brasileiro, porém, a adoção de sanções econômicas ao Irã pode ter um resultado "negativo".
O chanceler Celso Amorim tem dito que essas "penalidades" podem acabar "isolando" o governo iraniano, dificultando as negociações. Para o ministro, a fase do diálogo "ainda não está encerrada".
Além disso, o Brasil defende que o Irã tem o direito de enriquecer urânio a 20%, limite ainda permitido pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear, assinado no âmbito das Nações Unidas.
Segundo Amorim, o Brasil "se preocupa" com as atividades nucleares no Irã, mas é preciso "respeitar" o direito do Irã de gerar a energia para fins pacíficos.
O governo americano confirmou que a secretária Clinton tentará convencer o governo brasileiro a mudar sua posição quanto às sanções.
Na semana passada, o secretário-assistente do governo americano para assuntos da América Latina, Arturo Valenzuela, disse que os Estados Unidos ficarão "desapontados" se o Brasil não usar sua influência para fazer com que o Irã cumpra suas obrigações internacionais.
Recuperação do Haiti
O terremoto que devastou o Haiti, deixando mais de 200 mil mortos, tornou-se um dos principais temas na agenda do Brasil com os Estados Unidos.
Se por um lado, a liderança dos dois países na recuperação do Haiti é dada como certa, ainda não está claro como essa parceria será colocada em prática.
De acordo com o Itamaraty, um dos desafios será o de definir uma estratégia conjunta para a reconstrução do país caribenho, evitando, assim, que uma posição seja "sobreposta" a outra.
Há seis anos, o Brasil chefia as tropas da missão de paz da ONU no Haiti (Minustah) e, segundo a diplomacia brasileira, essa é uma chance de "consolidar" a liderança do país na região.
Quinze dias após o grande tremor do dia 12 de janeiro, cerca de 10 mil militares americanos já estavam em território haitiano, número que surpreendeu as tropas brasileiras.
Na época, o chanceler Celso Amorim negou que houvesse algum tipo de "disputa" entre Brasil e Estados Unidos quanto à liderança na recuperação haitiana.
As tropas do Brasil, porém, chegaram a organizar uma megaoperação de distribuição de alimentos com o objetivo de "marcar posição" frente à presença americana, como disse o chefe da Minustah, general Floriano Peixoto.
Honduras
Tanto o Brasil como os Estados Unidos condenaram a deposição do então presidente de Honduras, Manuel Zelaya, como um "golpe de Estado". Desde então, o país está suspenso da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Mas a eleição de um novo governo, em novembro passado, dividiu opiniões entre brasileiros e americanos.
Na avaliação dos Estados Unidos, a eleição de Porfírio "Pepe" Lobo ocorreu um ambiente "democrático", abrindo caminho para que o governo eleito seja imediatamente reconhecido pelos outros países da região.
O embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, disse no mês passado que a eleição de Lobo foi o "melhor feito" em Honduras e que o assunto deve ser discutido "sem retóricas".
Já o Brasil é contrário ao reconhecimento "imediato" do novo governo e diz esperar "sinais de mudança" em Honduras antes de mudar sua posição.
O argumento do Itamaraty é de que a situação de Honduras só deve ser regularizada com certas condições - uma delas seria a criação de uma comissão da verdade, com o objetivo de investigar os episódios que marcaram a crise política hondurenha.
"Se não for assim, ficará um mau exemplo na região, de que golpes são facilmente perdoados", diz um diplomata.
Disputa comercial
No mês passado, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão ligado ao Ministério da Indústria e Comércio, aprovou uma retaliação comercial aos Estados Unidos no valor de US$ 560 milhões.
A medida é resultado de uma disputa que começou em 2002, quando o Brasil foi à Organização Mundial de Comércio (OMC) acusar os Estados Unidos de adotarem práticas que favoreciam seus produtores de algodão.
Com o aval da OMC, o Brasil agora está prestes a definir que produtos americanos terão de pagar mais impostos para entrar no mercado brasileiro.
O governo brasileiro diz que ainda está disposto a negociar, mas, segundo o Itamaraty, os Estados Unidos ainda não ofereceram uma contraproposta que evite as retaliações.
O chanceler Celso Amorim disse, no mês passado, que o Brasil "não prefere" a via do contencioso, mas que o país "não pode se curvar" diante de nações mais fortes.
Esse, porém, não é o único atrito comercial entre os dois países. No ano passado, o Brasil voltou a acionar a OMC contra os Estados Unidos, dessa vez em função de uma suposta prática antidumping no suco de laranja importado do Brasil.
O Brasil, por sua vez, é frequentemente criticado no meio empresarial americano por não respeitar as regras internacionais de propriedade intelectual.
Há dois anos, o Brasil foi retirado da lista americana que reúne os maiores mercados piratas do mundo, mas associações industriais dos Estados Unidos estariam pressionando seu governo a incluir novamente o Brasil no grupo, como forma de pressionar pela suspensão das retaliações.
Bases militares na Colômbia
Um dos principais atritos entre Brasil e Estados Unidos, a instalação de bases militares americanas na Colômbia foi extremamente criticada pelo governo brasileiro.
Segundo o governo da Colômbia, o acordo com os Estados Unidos, que veio a público em julho passado, teria como objetivo facilitar as operações contra o terrorismo e a produção de drogas.
O governo brasileiro, no entanto, criticou a "falta de transparência" do acordo militar e pediu explicações tanto à Colômbia como aos Estados Unidos.
Um dos argumentos do Itamaraty era de que as bases aumentariam as "desconfianças" entre os países, contribuindo para um clima de "insegurança".
A preocupação acabou levando os 12 países da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) a convocarem uma reunião extraordinária para discutir o assunto.
A ideia era pedir "garantias formais" tanto da Colômbia como dos Estados Unidos de que a operação militar ficaria limitada a questões do narcotráfico.
A secretária Hillary Clinton chegou a enviar uma carta a diversos países da região "garantindo" que não seriam atacados. BBC Brasil -
Visita é reconhecimento tardio à liderança brasileira
Julia Sweig*, INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE
Hillary entende que os EUA precisam se adequar a um mundo multipolar, trabalhando com potências como a China, Rússia e Índia. Entretanto, em 2009, a diplomacia americana em relação ao Brasil foi abalada por atritos em Honduras, pela questão do uso de bases militares colombianas por forças americanas e pelas tensões com o Irã.
A urgência, tardiamente admitida, deve permear a visita. Os EUA estão perdendo terreno enquanto a América Latina cria outra organização regional que os exclui. A atenção do Brasil logo estará voltada para seu plano interno, com o início da campanha presidencial.
Os EUA têm pouco espaço de ação para fixar suas atenções no Brasil. A agenda interna do presidente americano, Barack Obama, está totalmente tomada pelos problemas de emprego, saúde, infraestrutura e solvência financeira. No exterior, as principais preocupações estão voltadas para Afeganistão, Paquistão, Irã, Iraque e China.
Talvez o Brasil não tenha um grande incentivo em investir num relacionamento com os EUA. Preocupado em grande parte com a própria situação interna, o Brasil sobreviveu à crise financeira global, construiu uma crescente classe média, reduziu a pobreza e a desigualdade e consolidou a democracia. Corrupção, criminalidade, violência e drogas agora são os principais problemas para o eleitorado.
No plano internacional, os últimos sete anos lançaram o Brasil no cenário global. Os EUA representam apenas uma parte da agenda global brasileira: a ênfase deste governo na multipolaridade e no multilateralismo pressupõe o declínio da influência americana.
Em todo caso, considerando sua insistência histórica na própria autonomia em relação às grandes potências, não se pode esperar que o Brasil subordine seus interesses aos dos EUA. Não obstante, alguns americanos consideram a importância que o Brasil atribui à autonomia em política externa, às vezes, como uma tentativa deliberada de contrariar a diplomacia americana.
Outro possível impedimento é o comportamento dos EUA como potência imperialista. Quando Hillary fala em "parceria", talvez os brasileiros entendam que ela se refere, na verdade, a uma deferência para com os interesses americanos. Para tentar solucionar os problemas da agenda bilateral, regional e global, a secretária de Estado terá de vencer o ceticismo de Brasília em relação à promessa de Washington de uma autêntica reciprocidade. O Brasil terá de dar-lhe o benefício da dúvida e dizer claramente o que quer dos EUA.
Em termos bilaterais, impostos, tarifas e comércio, e até mesmo gênero e raça, serão os principais itens da agenda. O caso do Haiti realçará mais os talentos de ambos os países do que as disputas na questão da Colômbia e de Honduras. A secretária ouvirá o que o Brasil tem a dizer sobre a região andina e sua visão da integração sul-americana. Talvez ela explique a posição glacial da política de Washington em relação a Cuba. As discussões sobre a mudança climática e as finanças globais deverão progredir.
Mas o Irã será muito provavelmente o tema mais importante. Agressiva a este respeito, Hillary insiste que as potências emergentes devem se unir aos EUA e à Europa para pressionar o Irã, enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva considera as sanções o caminho mais curto para o uso da força militar. O próprio abraço que o presidente Lula deu publicamente no líder iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, não pode deixar de ser visto como um comportamento antiamericano.
A visita de Hillary talvez não resulte na intimidade de um "relacionamento especial" ou no abraço incômodo que Washington muitas vezes dá em seus melhores amigos na região.
Mas, se ela regressar reconhecendo o caráter excepcional do Brasil - qualidade que os brasileiros percebem claramente nos Estados Unidos -, é possível que comece a surgir um respeito mútuo saudável e profundo entre os dois países.
* Julia E. Sweig é pesquisadora sênior e diretora de estudos latino-americanos do Council on Foreign Relations
Entrevista coletiva – Hillary e Amorim
- 3 de março de 2010|
- 14h47|
- Por Luiz Raatz
Celso Amorim, sobre o Irã:
”O que certamente no preocupa é a questão nuclear iraniana. Não estão esgotadas as possibilidades de negociação. Nesse aspecto nossas avaliações não são idênticas, mas não impediu de trocar ideias sobre o assunto. A questão do Irã é complexa, mas se criou uma perplexidade. Os países fizeram uma proposta de troca e acreditamos que é possível um acordo. Isso exige um pouco de flexibilidade de parte a parte.”
Sempre é muito complicado comparar situações. Sobre a ideia de que o Irã estaria enganando a China, a Turquia e a ONU. Eu fui embaixador na ONU durante os momentos críticos sobre o Iraque. E o que se viu é que foi um engano. Não estou dizendo que isso vai se repetir. O Irã é um país grande e complexo e não vai concordar com os acordos propostos. Mesmo quem teme que o Irã faça a bomba atômica sabe que isso não acontecerá num espaço de dois ou três meses de negociação.
Será uma pena se o Irã desperdiçar essa oportunidade de ter um programa civil. A questão é: é possível encontrar uma solução baseada no que baseou a proposta de outubro? A nossa avaliação é que sim. Desejamos um a negociação.
Hillary, sobre Irã:
Não queremos que o Irã tenha armas nucleares. Ambos concordamos que a diplomacia é o melhor caminho. Obama tem tentado se aproximar do Irã há um ano e infelizmente não obteve recíproca. Os iranianos em primeiro lugar apareceram aberto. Depois recusou a oferta das Nações Unidas. O Irã também não quis se encontrar com o grupo dos cinco mais um. E a AIEA divulgou um documento que leva à preocupação de que o Irã pode buscar armas nucleares. EUA, UE e Rússia concordam que é o momento de agir. O Brasil acredita que ainda há espaço para negociação. Nós acreditamos que a boa fé do Irã seria bem vinda. Vamos continuar consultando nossos amigos brasileiros e uma hora vamos ter de tomar uma decisão. Nunca fechamos a porta para negociação, mas não vemos ninguém andando nessa direção. O Irã fala com o Brasil, a China e a Turquia, mas fala coisas diferentes para evitar sanções.
Ainda sobre o Irã, eu acho que já respondi a isso, mas vou reiterar que nossas portas estão sempre abertas para negociações, mas esta porta deve estar aberta dos dois lados e não vemos este esforço iraniano. A AIEA também não vê isso. As ações do Irã vão na direção oposta. Vamos continuar trabalhando e todos preferimos a negociação. Esticamos a mão, mas o outro lado não pode mostrar o punho fechado. Não vemos esforços sinceros do Irã para acalmar as preocupações da comunidade internacional. Quando a comunidade internacional falar no mesmo tom o Irã vai responder. Por isso achamos que o Conselho de Segurança é o melhor caminho.
Hillary sobre a Venezuela:
Sobre a Venezuela não estou familiarizada com as acusações feitas na Espanha. Com respeito a nosso governo posso reiterar que não estamos envolvidos com atividades para prejudicar nenhum venezuelano . O comportamento do governo é improdutivo. Temos esperança que possa haver um novo começo para restaurar a democracia, a liberdade de imprensa e a economia de mercado. Queria que Chávez olhasse mais pro sul, para o Chile e para o Brasil.
Amorim, sobre a Venezuela:
Eu concordo com um ponto. A Venezuela tem que olhar para o sul. A Venezuela tem que integrar o Mercosul e eu acho positivo que isso aconteça
Amorim sobre Honduras:
Com relação a Honduras, nossas posições são conhecidas. O Brasil deseja ver um futuro de normalidade na região. Países que tiveram trauma de golpe militar não podem levar essas coisas livremente. Apreciamos o trabalho que o Lobo tem feito em Honduras. Não é uma coisa que facilmente seja absorvida a existência de um golpe militar. Temos que operar com os fatos e com o tempo. Alguns fatos podem acelerar o tempo.
Hillary, sobre disputa do algodão
Acredito que um acordo sobre a questão do algodão pode ser alcançado. É o que tentaremos fazer até a semana que vem.
Espaço acadêmico: a China, o Irã e as sanções
- 21 de fevereiro de 2010|
Instituto de pesquisa Crisis Group analisa posição chinesa em relação ao programa nuclear iraniano
A China continuará a ser, no curto prazo, uma pedra no sapato dos esforços da diplomacia americana e europeia para emplacar uma quarta rodada de sanções do Conselho de Segurança da ONU ao Irã. Mas, ao fim, subirá no barco. Pragmática, a diplomacia chinesa coloca como objetivo final da barganha nuclear a preservação, pelo menos parcial, de seus grandes interesses estratégicos no Irã, terceiro fornecedor de petróleo a Pequim. Não quer arriscar a relação com os EUA, tampouco com a União Europeia, por causa do Irã. Contudo, tem bilhões investidos no setor de energia iraniano, além de um mercado preferencial para seus produtos manufaturados. O verdadeiro braço-de-ferro diplomático, portanto, é sobre os termos das novas sanções: contra quem serão as medidas, com quais objetivos e contrapartidas.
O cenário acima foi traçado pelo Crisis Group, prestigiado centro de pesquisa na área de segurança internacional. Trata-se, claro, de uma previsão. Mas está amparada nos principais estudos feitos recentemente sobre a relação China-Irã, o novo nó na negociação internacional para impor mais sanções ao programa nuclear iraniano.
O presidente Mahmoud Ahmadinejad enfureceu os EUA e Europa ao enterrar de vez, há três semanas, uma proposta de acordo. Segundo a oferta, Teerã trocaria urânio por material nuclear produzido fora do país persa. Até o Brasil foi citado como potencial depositário, mesmo sem ter atualmente capacidade técnica para fazê-lo. Desde lá, o Irã começou a enriquecer urânio a 20% sem o acompanhamento da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e Ahmadinejad ameaçou elevar o patamar a 80%. Para uma bomba, é preciso de 90% de enriquecimento.
O endurecimento de Teerã teve resposta. E a mais significativa não veio dos EUA, mas da Rússia. Moscou, que ajudou a construir a usina nuclear iraniana de Bushehr, está dando sinais de que apoiará medidas suplementares contra o Irã. O governo Barack Obama já adotou novas restrições unilaterais contra a Guarda Revolucionária do Irã, sustentáculo armado do regime, e presume-se que levará ao Conselho de Segurança propostas semelhantes contra a instituição iraniana. Será que a China vetará?
O controvertido Mahmoud Ahmadinejad
- 19 de fevereiro de 2010|
- Por Renata Miranda
As declarações do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, sobre o programa nuclear de seu país vêm irritando a comunidade internacional, que discute agora maneiras para conter o avanço do Irã no setor. No entanto, nem mesmo as ameaças de novas sanções feitas pelos EUA parecem intimidar o líder iraniano que, na semana passada, afirmou comandar um novo “Estado nuclear”, com capacidade de enriquecer urânio a 80%.
Eleito em 2005 amparado em uma plataforma que prometia pôr as riquezas do petróleo do país na mesa de jantar dos cidadãos comuns, Ahmadinejad é definido por grande parte dos analistas como populista e controvertido.
O presidente, que antes de comandar o país tinha como experiência política apenas dois anos como prefeito de Teerã, passa a maior parte do tempo fazendo duras críticas a Israel. Ele já negou o Holocausto e assegura que em seu país não existem homossexuais.
Na Revolução Islâmica de 1979, que derrubou o Xá do Irã e levou ao poder o aiatolá Khomeini, Ahmadinejad se incorporou aos estudantes islâmicos de Teerã. Ele também é muito próximo à Guarda Revolucionária, braço armado do regime.
Apesar de conservador, o presidente implementou ferramentas modernas em seu governo, como a criação de uma página na internet na qual internautas têm um canal direto com seu gabinete. Ele também criou um serviço para responder as muitas cartas que ele recebe diariamente – nos primeiros quatro anos de seu governo, 20 milhões de mensagens foram recebidas -, garantindo o apoio de sua base de partidários.
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