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sábado, 23 de janeiro de 2010

Bolsa-cabresto



Dez meses antes das eleições presidenciais, o governo muda regras
do Bolsa Família para evitar a exclusão regulamentar de 5,8 milhões
de pessoas do programa. A medida vale até 31 de outubro,
data do segundo turno


Laura Diniz

Alexandro Auler/Jc Imagem
OPORTUNISMO
Fila de cadastramento do programa: regras são regras, mas não em ano de eleição


Na cartilha de certas administrações, aproveitar o finzinho de ano para decretar uma medida polêmica, impopular ou simplesmente indecorosa é prática corrente. Com o Legislativo já quase em recesso, os órgãos do Executivo mais ou menos desmobilizados e as atenções da imprensa voltadas para outros assuntos, governantes se sentem à vontade para sacar medidas que, de outro modo, não teriam coragem de apresentar em público. O governo federal se valeu mais uma vez dessa tática no dia 23 de dezembro, quando um ato do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome alterou as regras de funcionamento do Bolsa Família, numa manobra destinada a evitar que 5,8 milhões de beneficiados fossem excluídos do programa – fato legal e previsível, mas que, em ano de eleição, poderia ser funesto para a campanha petista.

Pelas normas até então em vigor, perdiam o direito ao recebimento do benefício famílias cujo cadastro estivesse desatualizado havia mais de dois anos e aquelas cuja renda per capita tivesse ultrapassado o limite de 140 reais. São critérios justos: o primeiro se destina a coibir fraudes e o segundo visa a evitar que o cidadão fique para sempre sob a tutela do Estado – o que é, ou deveria ser, uma das preocupações do programa. Mas, como em ano de eleição vale tudo, o governo decidiu deixar para lá. O ato administrativo do dia 23 de dezembro estabelece um "prazo de carência" dentro do qual a burla das regras passa a ser tolerada. Assim, quase 1 milhão de famílias que não atualizaram seu cadastro em 2009, e tiveram o pagamento bloqueado em novembro, voltarão a ganhar o benefício. Da mesma forma, continuarão a receber dinheiro público as famílias cuja renda per capita ultrapassou 140 reais – em torno de 440 000. Trata-se de uma versão atualizada do voto de cabresto. Mas com uma diferença, segundo o cientista político Bolívar Lamounier: "Os antigos coronéis do interior do Brasil pelo menos aliciavam votos com o próprio dinheiro. O governo atual faz isso com dinheiro público". E, para que não reste dúvida quanto à natureza da decisão governamental, a data para a bondade terminar, o tal "prazo de carência", é 31 de outubro, dia da votação do segundo turno das eleições presidenciais.

O Bolsa Família já provou ser um poderoso cabo eleitoral. Um estudo feito em 2007 pelo professor de ciência política Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, com base nos resultados das últimas eleições presidenciais, concluiu que cada 100 000 reais deixados pelo programa em municípios de 1 000 habitantes renderam ao candidato Lula um acréscimo local de 3 pontos porcentuais de votos. Criado por medida provisória em outubro de 2003 para suplantar o fracasso do Fome Zero, o Bolsa Família começou atendendo a 3,6 milhões de famílias, ao custo de 3,3 bilhões de reais. Cada uma recebe hoje entre 22 e 200 reais por mês, dependendo do número de filhos (mantê-los na escola é a principal contrapartida do programa). Seu alcance foi-se expandindo até que, a partir de 2007, um em cada quatro brasileiros passou a ser sustentado pelo governo. Em 2009, o número de beneficiados havia quadruplicado em relação a 2003: 12,4 milhões de famílias usufruíram um orçamento total de 12,4 bilhões de reais.

O Bolsa Família contribuiu para a diminuição da desigualdade de renda no país, tirou milhões de brasileiros do poço da miséria e abriu horizontes para um enorme contingente de crianças que, sem ele, poderiam estar fadadas a passar a infância capinando numa roça, sem nunca ter estudado. No entanto, a expansão ilimitada do número de cadastrados e o fato de o benefício não ter prazo para terminar sempre foram pontos fracos do programa e contribuíram para pespegar-lhe a pecha de assistencialista e eleitoreiro. As últimas mudanças – nada sutis, como prova a data de 31 de outubro – mostram que seus críticos têm razão.








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