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domingo, 27 de setembro de 2009

"A morte de Dani não pode ser esquecida"

FÁBIO ASSUNÇÃO E DANIELA PERES


O novo projeto da novelista, em meio à luta contra o câncer, é criar um site em homenagem à filha
MARTHA MENDONÇA

Ela só gosta de posar para fotos sorrindo e encara com bom humor até os efeitos colaterais das sessões de quimioterapia. “Perder os cabelos e usar peruca não é nenhuma tragédia”, diz. “Eu tenho três e gosto de variar. É até uma experiência interessante.” A autora de 61 anos, nascida e criada até os 16 anos no Acre, recebeu a reportagem de ÉPOCA no apart-hotel de Copacabana, de frente para o mar, onde escreve suas tramas. Com o fim de Caminho das Índias e ainda sem uma nova novela em vista, Gloria prepara um site dedicado à memória da filha Daniella, assassinada em 1992, aos 22 anos, quando atuava em De corpo e alma, escrita por Gloria. O site terá depoimentos inéditos e reportagens sobre o crime. “Não quero que as pessoas esqueçam o que aconteceu”, diz.


ENTREVISTA - GLORIA PEREZ

André Arruda QUEM É
Novelista, nasceu em Rio Branco, no Acre, em 1948. Separada, teve três filhos (dois morreram) e tem dois netos

O QUE FEZ
Escreveu dez novelas (entre elas Barriga de aluguel, De corpo e alma, Explode coração, O clone, América) e três minisséries para a TV (Desejo, Hilda Furacão e Amazônia – de Galvez a Chico Mendes), além dos seriados Mulher e A diarista

ÉPOCA – Sua vida daria uma novela?
Gloria Perez–
Nunca pensei nisso, apesar de ter passado por muitas situações sérias e tristes. Também não penso numa biografia que conte o que já vivi. O que estou fazendo agora é um trabalho que reúne material de pesquisa sobre o que aconteceu com a Dani (a atriz Daniella Perez, filha de Gloria). Há entrevistas com policiais, investigadores, feitas por repórteres que depois me deram as fitas. Quero, a partir disso tudo, escrever o depoimento que não pude dar ao júri no julgamento dos assassinos. Esse crime merece ficar registrado, não pode ser esquecido.

ÉPOCA – É verdade que presos se ofereceram para matar o assassino de sua filha?
Gloria –
Sim. Recebi várias cartas de uma facção criminosa dizendo que bastava eu dizer uma determinada palavra numa entrevista e eles eliminariam o assassino da minha filha (o ator Guilherme de Pádua) em meia hora. Não é uma palavra trivial, que é dita facilmente, nem tampouco é uma palavra impossível. Tive de tomar certo cuidado. Ninguém jamais perceberia, mas nunca me foi tentador participar de assassinatos.

ÉPOCA – Você virou referência entre as famílias de vítimas da violência. Estar sempre com essas pessoas é bom ou apenas aumenta sua dor?
Gloria –
Eu não fujo da minha realidade. Pela minha história de vida, ajudo outras mães a resistir e lutar por justiça e vou estar sempre disponível para ouvi-las e participar de seus movimentos. A ideia da campanha de assinaturas, que usou um dispositivo da Constituição para conseguir a primeira emenda popular da história do país (a inclusão do homicídio qualificado entre os crimes hediondos), foi uma semente que deu muitos frutos. Apontou uma direção, um caminho para que a sociedade civil possa fazer mudanças.

ÉPOCA – Quando você descobriu que tinha um linfoma, pensou que talvez não pudesse continuar a escrever Caminho das Índias?
Gloria –
Para minha geração, câncer tem o peso de uma condenação, e quimioterapia de uma sessão de tortura. Antes de pensar se conseguiria escrever toda a novela, eu queria saber se ainda viveria. Quando me consultei com meu oncologista, Daniel Tabak, ele disse que, se eu me tratasse, ainda viveria muito. E que eu deveria continuar escrevendo a novela, pois manter a rotina seria essencial para eu me curar.

ÉPOCA – Como foi o tratamento?
Gloria –
Já fiz seis aplicações e fiquei no grupo dos que não têm nenhuma reação colateral maior. É claro que, durante uma quimioterapia, você conduz seu trabalho com mais dificuldade. Mas conduz. Escrevi muitos capítulos durante as sessões. E isso não era nada incomum: outras pessoas ali faziam seus trabalhos. Quando meus cabelos caíram, também não foi nenhuma tragédia. Quando sua cabeça está em jogo, não dá para pensar em cabelos. Tenho três perucas, gosto de diversificar. É até uma experiência interessante.

ÉPOCA – Quando uma novela termina, você já começa a pensar em outra?
Gloria –
Não! Só penso em descansar. Procuro nem pensar em novela. Mas então chega determinado momento em que um tema me captura. Aí sei que começou a gestação da próxima novela. Eu acredito que não escolho os temas, eles é que me escolhem.

ÉPOCA – Quais são suas referências?
Gloria –
Literatura principalmente. Vivi no Acre até os 16 anos, sem televisão. Havia um único cinema que passava poucos filmes. Mas tínhamos uma excelente biblioteca. Meu pai nunca fez proibições, eu podia ler qualquer coisa que fosse boa, na visão dele. O padre local, por exemplo, proibia Eça de Queiroz para adolescentes, mas meu pai deixava. Li todos os clássicos franceses, ingleses, russos. O resto só vim a conhecer na década de 60, quando vim para o Rio de Janeiro. Aí comecei a frequentar o Cine Paissandu, fiz cursos de cinema.

ÉPOCA – E a televisão, quando você começou a conhecer e gostar?
Gloria –
Durante um bom tempo eu só via pedaços de programas, porque cursava Direito de manhã e filosofia à tarde. Aos poucos me apaixonei pela TV, pela possibilidade de dialogar com um país inteiro. Eu não entendia como a intelectualidade menosprezava isso, como viravam as costas para esse veículo mágico.

“Se um folhetim faz um país inteiro discutir quem vai casar com
a mocinha, é ótimo usar essa força para beneficiar as pessoas”

ÉPOCA – Hoje isso mudou?
Gloria –
Mais ou menos. Somos um país muito elitista, onde o que é popular é quase sempre confundido com o que é ruim. Ainda existe aquele ranço de que a classe média alta pode consumir arte e também se divertir, mas, para o povo, só cartilha. Janete Clair, de quem fui colaboradora no fim de sua vida, sofreu muito com isso. Naquele tempo, a televisão era chamada de ópio do povo, era considerada alienante. O povo não podia se distrair da ideia revolucionária. Sempre odiei esse raciocínio. O folhetim tem regras. E a primeira delas é que o sensacional tem de ser maior que a coerência. Eu busco vender o capítulo do dia seguinte. Criticar o folhetim pelo que ele tem de fantasioso é o mesmo que criticar um soneto por ter rima.

ÉPOCA – A maior parte dos novelistas costuma ter colaboradores. Você escreve sempre sozinha?
Gloria –
Sim. Não que eu seja centralizadora, mas simplesmente não sei dividir fantasia. Tenho minha rotina, escrevo quase sempre no meu escritório, de pé, encostada num banco alto. O laptop fica em cima da bancada que divide a sala da cozinha. Olho a vista, o mar, vejo o movimento lá embaixo.

ÉPOCA – Suas novelas às vezes são criticadas por misturar muitos assuntos diferentes. O que você diz disso?
Gloria –
Não chamo isso de crítica, chamo de implicância. Quando eu fiz Explode coração, em 1995, diziam que eu era uma lunática por colocar pessoas conversando pelo computador. Acho que não temos no Brasil críticos à altura da televisão. O veículo é melhor do que quem escreve sobre ele. O único que considerei bom foi o Artur da Távola, que já morreu. Muita gente não entende que ter imaginação é uma qualidade para quem escreve novelas.

ÉPOCA – E qual é a razão de retratar culturas diferentes?
Gloria –
Porque nosso umbigo não é a janela mais ampla para enxergar o mundo. Nossa maneira de viver, de ver as coisas, é só mais uma. A ideia de que eu sempre falo de outras culturas em minhas novelas é recente. Veio de eu ter falado dos muçulmanos em O clone e, agora, dos indianos. Mas também falei muitas vezes dos novos conflitos humanos introduzidos pelo desenvolvimento de tecnologias, como as barrigas de aluguel, o transplante de coração, a clonagem, a internet. Eu não tenho fórmulas, apenas gosto do diferente.

ÉPOCA – O que suas novelas têm em comum?
Gloria –
Sempre achei que, se um folhetim tem a capacidade de fazer com que um país inteiro discuta com quem a mocinha vai casar, seria ótimo usar essa força para beneficiar pessoas. Por isso, introduzi nas novelas as campanhas que hoje se institucionalizaram sob o rótulo de merchandising social. A primeira grande campanha que fiz foi em Carmem, ainda na TV Manchete, em 1986. Esclarecia sobre a aids e combatia o preconceito que cercava os que tinham adquirido o vírus.








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