Valter Campanato/ABr
Sem alarde, aportou no protocolo do STF, há nove dias, um parecer de teor inusitado. Assina-o José Antonio Dias Toffoli (na foto), advogado-geral da União.
No texto, Tofolli investe contra o Ministério Público. Defende a tese segunda a qual procuradores não tem poderes para realizar investigações criminais.
A prerrogativa do Ministério Público de abrir investigações está prevista na Lei Complementar número 75, de 1993. O artigo 8º dessa lei detalha as atribuições do Ministério Público.
O miolo da polêmica está em dois incisos desse artigo. Num deles, o inciso 5º, está escrito que o Ministério Público pode “realizar inspeções e diligências investigatórias”.
Noutro, o inciso 9º, está anotado que, no curso de suas investigações, o Ministério Público pode inclusive “requisitar o auxílio de força policial”.
Pois bem. No texto que enviou ao STF, o advogado-geral Toffoli pede ao tribunal que declare inconstitucional esse pedaço da lei.
Alega que investigações criminais são de atribuição exclusiva da polícia judiciária –a Polícia Federal, no caso da União; e as polícias civis, no âmbito dos Estados.
Datado de 18 de julho, o parecer de Tofolli chegou ao STF no dia 20. Foi anexado a uma ação movida pela Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil).
A entidade protocolara no Supremo, no último dia 15 de julho, uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Leva o número 4271.
No documento, a Adepol se insurge contra várias prerrogativas do Ministério Público. Entre elas o poder de investigação conferido por lei aos procuradores.
A ação foi à mesa do ministro Ricardo Lewandowiski. Antes de decidir, o ministro optou, como manda a praxe, requisitar informações.
Em casos do gênero, a Advocacia Geral da União sempre é chamada a opinar. Suas atribuições estão previstas no parágrafo 3º do artigo 103 da Constituição.
Diz o seguinte: “Quando o STF apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o advogado-geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”.
Ou seja, o advogado-geral Toffoli deveria defender, com unhas e dentes, o texto da lei que a Adepol deseja ver impugnada pelo STF. Deu-se, porém, o oposto.
Toffoli se insurge contra todas os tópicos da ação proposta pela Adepol, exceto no ponto em que se questiona o poder investigatório do Ministério Público.
Nesse quesito, o advogado-geral é peremptório. Eis o que escreveu Toffoli num trecho do parecer enviado ao STF:
“Revela-se fora de dúvida que o ordenamento constitucional não reservou o poder de investigação criminal ao Ministério Público, razão pela qual as normas que disciplinam tal atividade devem ser declaradas inconstitucionais”.
Para Toffoli, cabe ao Ministério Público exercer “o controle e a fiscalização da atividade policial”, não abrir investigações próprias.
Não considera “legítimo” que "o órgão controlador [Ministério Público] assuma as atribuições do órgão controlado [polícia]” a fim de investigar.
Acha que, mantido o poder dos procuradores de abrir investigações, a atividade do Ministério Público “estaria a salvo de qualquer controle externo”.
Não é a primeira vez que os poderes do Ministério Público são questionados. O que chama a atenção no caso é o fato de a Advocacia da União ter encampado a crítica.
Até aqui, o Ministério Público era alvejado por pessoas pilhadas em malfeitos, por advogados e por policiais enciumados. Nunca pelo advogado-geral da União.
O tema divide os ministros do Supremo. Há no tribunal decisões conflitantes. Parte a favor do Ministério Público. Parte contra.
Não há, porém, uma manifestação conclusiva do plenário, composto de 11 ministros. Algo que pode ser obtido agora, no julgamento da ação da Adepol.
Na página 15 de seu parecer, Toffoli menciona uma decisão tomada pela 2ª turma do STF. Texto de 2003, da lavra de Nelson Jobim, hoje ministro da Defesa de Lula.
Ao tempo em que integrava o STF, Jobim escreveu que “a Constituição dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias [...].” Mas “não contemplou a possibilidade” de o órgão “realizar e presidir inquérito policial”.
Há, porém, várias decisões em sentido contrário, que Toffoli se esquivou de mencionar. Uma delas da mesma 2ª turma, adotada em março de 2009, agora sem Jobim.
Está registrado na ata da sessão: “A 2ª turma do STF [...] reconheceu por unanimidade que existe a previsão constitucional de que o Ministério Público tem poder investigatório”.
Num país em que proliferam a corrupção e os malfeitos, parece disparatada a ideia de impedir que o Ministério Público investigue.
A prevalecer esse entendimento, iriam à lata de lixo, por exemplo, os autos do caso do juiz Lalau. Baseia-se fundamentalmente em investigações do Ministério Público.
Estaria comprometido também um pedaço do processo do mensalão, em cujas folhas misturam-se apurações feitas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.
Toffoli, não é demasiado recordar, foi advogado do PT em três campanhas presidenciais. Hoje, é homem de confiança de Lula, que cogita indicá-lo para um cadeira no STF.
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