O governo da Bolívia anunciou neste domingo que pedirá às autoridades brasileiras que detenham cidadãos armados que teriam cruzado a fronteira por Cobija após a onda de violência que ocorre desde a última quinta-feira (11) na região.
Cobija é a capital do departamento de Pando --região que faz fronteira com o Estado brasileiro do Acre. Em Pando foi declarado estado de sítio e a prisão do governante do departamento foi ordenada pelo poder central.
O ministro da Defesa, Wálker San Miguel, em entrevista à televisão estatal, afirmou estar fazendo negociações com o Brasil para que possam deter cidadãos carregando armas perto de Cobija, cidade fronteiriça.
Até o momento, o Itamaraty não divulgou nenhuma nota sobre o assunto em seu site.
Arte/Folha Online |
Há semanas, a Bolívia vive uma onda de protestos empreendidos por opositores das regiões de Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca, que reivindicam a devolução da receita petrolífera do Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos (IDH). Os protestos consistem em bloqueios de estradas, tomadas de instituições do Estado, além de ataque à infra-estrutura energética --o que acabou por prejudicar o envio de gás ao Brasil durante a semana.
Em Pando, o governo boliviano declarou estado de sítio após os confrontos armados entre grupos de autonomistas opositores e afins ao governo de Evo Morales nos quais quase 30 pessoas morreram, segundo números do Executivo.
O governo acusa o governador regional de Pando, Leopoldo Fernández, de instigar aquilo que considera um massacre e de pagar sicários e narcotraficantes brasileiros e peruanos para que matassem camponeses favoráveis ao governo.
San Miguel afirmou que, se não tivesse sido declarado o estado de sítio em Pando, os mortos seriam centenas.
"Mais uma vez o governo emitiu o decreto para defender a paz e assegurar a vida", afirmou San Miguel, segundo a Efe.
"Estamos vivendo uma etapa duríssima, mas com a força de que será feita Justiça e os autores do massacre vão terminar em Chonchocoro", disse, em referência à prisão de alta segurança situada no planalto de La Paz.
Leopoldo Fernández
13.set.08/Reuters |
Pessoas observam estragos após protestos em Cobija, departamento boliviano de Pando |
O opositor Leopoldo Fernández pediu neste domingo à população local para aceitar o estado de sítio imposto pelo governo. Ele afirmou que não admitirá ser detido, porque considera isso um abuso.
"Pedimos à população, embora repudiando e rejeitando uma decisão desta natureza, que se aceite algo que dói muito, [porque] é preciso fazer os esforços para evitar maiores confrontos", disse Fernández à Efe.
O governador regional disse que permanece em Cobija, a capital de Pando, em sua casa, e convidou o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, que está na região, a ir ao local para dialogar.
Segundo Fernández, em Cobija reina uma tranqüilidade relativa e tensa depois da incursão realizada esta madrugada pelas Forças Armadas para fazer cumprir o estado de sítio decretado pelo governo de Evo Morales.
"Eu não deixei Cobija, estive trabalhando, vendo como podemos fazer para contribuir para ver como estas decisões desatinadas do governo não nos tragam maiores problemas", disse Fernández.
Ele disse que a incursão militar desta madrugada não teve maiores conseqüências, como se temia, salvo incidentes isolados, e reconheceu que não houve maiores abusos dos militares.
O governo acusa Fernández de ser o responsável pelo "massacre" contra camponeses em um conflito que terminou com pelo menos 30 mortos, embora só 17 tenham sido registrados formalmente, porque o resto dos corpos ainda não foi resgatado dos montes e do rio próximos à zona do conflito. Fernández revidou e responsabilizou o governo pelas mortes.
"O governo está mostrando ao mundo inteiro um genocídio, um massacre, e eu me pergunto por que então não formou uma comissão para fazer uma investigação que estabeleça responsabilidades e se punam culpados", disse Fernández.
Ele qualificou de "um filme" as afirmações do governo de que sicários e narcotraficantes peruanos e brasileiros teriam sido contratados para atuar nos choques, mas reconheceu que há algumas pessoas armadas com as quais não tem ligação alguma.
Fernández anunciou que pediu hoje a representantes das Nações Unidas, da Defensoria pública e da Igreja que tentem uma mediação para que chegue a Cobija uma comissão de investigação, além de imprensa nacional e internacional.
Quintana anunciou sábado à noite que deterá Fernández sob a acusação de desacato ao estado de sítio e porque, em sua opinião, ele organizou os grupos que atacaram os camponeses na última quinta-feira (11).
O jornal boliviano "La Razón" acusou Fernández de também dificultar a questão humanitária e colocar barreiras para a chegada de ajuda ao departamento.
Boa vontade
Também hoje, em um sinal de "boa vontade", o presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz (leste), Branco Marinkovic, anunciou neste domingo que os opositores bolivianos suspenderão os bloqueios de estradas organizados em protesto contra o presidente Evo Morales.
Marinkovic --um dos mais duros opositores ao presidente Morales-- falou em nome de todas as organizações cívicas dos departamentos opositores. Ele disse esperar que o governo mostre "a mesma disposição".
Está prevista para hoje uma reunião entre os opositores e Morales, em Laz Paz. O diálogo entre as partes chegou a ser ameaçado depois de o governo ter ordenado a prisão do governador de Pando por descumprir o estado de sítio na região. A oposição confirmou presença no encontro.
"Como um sinal de boa vontade para o diálogo e, esperando que o governo nacional também mostre o mesmo sinal de parar a violência no país (...) hoje vamos suspender os bloqueios de estrada", anunciou à imprensa Marinkovic. "Todos os pontos de bloqueio no departamento serão suspensos. Os demais departamentos farão o mesmo", disse ele.
Sobre a tomada de instituições estatais na cidade de Santa Cruz, Marinkovic explicou que já acabaram, mas que serão as autoridades departamentais que determinarão se elas serão devolvidas ao Estado.
Crise
A crise política que afeta a Bolívia preocupa os países da região, além das organizações multilaterais, que defendem uma solução pacífica à espera de uma reunião definitiva neste domingo entre governistas e opositores.
No entanto, a advertência dos governadores de que "se houver um só morto ou ferido a mais acontecerá o rompimento de qualquer possibilidade de diálogo", como destacou o prefeito de Santa Cruz, Rubén Costas, líder da oposição, faz temer pelo encontro no qual seriam estabelecidas as bases da pacificação.
O presidente Evo Morales enfrenta os governadores e líderes civis de cinco dos nove departamentos da Bolívia. Os anti-Morales reivindicam que o governo devolva aos seus departamentos a renda oriunda do petróleo que, desde janeiro passado, é destinada a um programa nacional de assistência aos idosos. Eles rejeitam o projeto da nova Constituição e pedem autonomia.
Longe de apresentar sinais de reconciliação, Morales pediu aos movimentos sociais que defendam "o processo de mudança" que o governo estimula ou que "morram pela pátria".
Diante da gravidade da situação boliviana, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) se reunirá amanhã (15) em Santiago para examinar a crise.
Com Reuters, France Presse e "La Razón"
Entenda os protestos contra Morales na Bolívia
da Folha Online
Cinco dos nove departamentos (Estados) da Bolívia iniciaram nesta segunda-feira (08) a terceira semana de protestos contra o presidente Evo Morales. Estradas foram bloqueadas, escritórios estatais tomados e as fronteiras com Brasil, Argentina e Paraguai foram fechadas.
Carlos Hugo Vaca/Reuters |
Manifestantes entram em confronto com a polícia, durante protestos em Santa Cruz |
As manifestações estão concentradas na região do Chaco boliviano, no sudeste do país, onde as maiores reservas de gás do país fazem fronteira com Brasil, Argentina e Paraguai. Há bloqueios nos departamentos (Estados) oposicionistas de Tarija, Beni, Pando, Chuquisaca e Santa Cruz.
Os governadores desses departamentos lideram os protestos contra o governo de Morales. No centro do debate estão: a nova Constituição, proposta pelo presidente boliviano, e um programa de pensão aos idosos do país, que conta com verbas obtidas da renda do gás.
Cerne do debate
Os últimos distúrbios começaram, depois que o departamento de Tarija, onde se concentra 60% da produção de gás e 85% das reservas do país, se opôs à decisão do governo de reduzir o repasse das verbas do principal imposto petrolífero do país, o IDH. Morales anunciou a medida com o intuito de aumentar a pensão dos idosos.
Em seguida, os outros quatro departamentos oposicionistas concordaram com Tarija e iniciaram protestos contra Morales. Eles argumentam que as verbas dirigidas aos idosos são o dobro do necessário e temem que o governo volte a reduzir os repasses de verbas.
Nas últimas horas, autoridades bolivianas reconheceram que os departamentos oposicionistas estão praticamente isolados devido aos protestos nas estradas. Em várias cidades bolivianas, os moradores são obrigados a fazer longas caminhadas e, de acordo com o governo, já há escassez de alguns itens de alimentação
Carros, manifestantes e montanhas de areia interrompem o trânsito nas cidades de San Vicente e San Matías, em Santa Cruz, no caminho para Cuiabá (MT), e de Puerto Suarez, em frente a Corumbá (MS).
No departamento de Tarija, foram registrados 17 pontos de bloqueio, em todas as estradas de acesso a essa região e nas cidades de Bermejo e Yacuiba, na fronteira com a Argentina onde os manifestantes ameaçam tomar os poços petrolíferos. Em Santa Cruz, todos os pedágios estavam tomados.
Constituição
O outro principal fator para o agravamento da crise na Bolívia é o projeto da nova Constituição, idealizada por Morales e rejeitada pela oposição. Depois do referendo revogatório do dia 10 de agosto, em que Morales e a maior parte dos governadores da oposição tiveram seus mandatos confirmados, o presidente tenta obter apoio para um referendo sobre o projeto da Carta Magna.
Morales obteve 67,4% dos votos, com grande aprovação até nas regiões opositoras, e resolveu convocar para dezembro os referendos necessários para promulgar a nova Constituição -um deles limitará o tamanho de latifúndios, tema sensível nas férteis terras do leste. A oposição rejeita a Carta, aprovada por constituintes governistas no ano passado.
Carlos Hugo Vaca/Reuters |
Soldados tentam conter protestos da oposição contra o governo de Evo Morales, no departamento de Santa Cruz, no sudeste da Bolívia |
O presidente anunciou neste sábado (06) que enviou ao Congresso um projeto de lei para a convocação dos dois referendos que faltam para a ratificação da nova Constituição. Em 28 de agosto, Morales decidiu, por decreto, que as duas consultas acontecerão dia 7 de dezembro.
Mas a Corte Nacional Eleitoral declarou-se impedida de preparar a votação, porque os referendos teriam de passar pelo Parlamento. Em resposta, Morales acusou o tribunal de "subordinação à direita", mas acabou baixando o tom do discurso.
O governo não tem maioria no Senado. Agora, Morales deve repetir estratégia que já usou em episódios anteriores: convocar sessão conjunta do Parlamento -com a Câmara, os governistas são maioria- enquanto milhares de simpatizantes cercam o edifício para pressionar pela votação.
Fronteira com o Brasil
A crise ameaça também o envio de combustíveis ao Brasil, que é o principal importador de gás da Bolívia. Mais de 70% do que o mercado brasileiro compra se destina ao mercado paulista.
No final de semana, integrantes do comitê cívico local --que reúne empresários e comerciantes aliados dos governadores de oposição-- ocuparam uma estação de compressão de gás, nos arredores de Tarija.
Foi a primeira invasão de uma instalação de gás desde que os líderes oposicionistas ameaçaram interromper a distribuição para Brasil e Argentina. Na sexta-feira (05), o chanceler brasileiro, Celso Amorim, disse que a Embaixada do Brasil em La Paz estava em contato com líderes da oposição e descartou que os manifestantes cumprissem suas ameaças.
Nesta segunda-feira (08), em Beni, os líderes opositores disseram que "não permitirão" as saídas para o Brasil "por Guayaramerín", ao passo que, em Pando, as pontes Internacional e da Amizade, que fazem ligação com o território brasileiro, também foram fechadas, informou a imprensa local.
"Faremos todo o possível para que restituam o IDH, reconheçam a autonomia departamental', e para que o governo 'detenha essa Constituição (...) que quer nos impor", disse David Sejas, presidente da União Juvenil Cruzenha.
Arte/Folha Online |
Mapa de Villamontes na Bolívia. |
O ativista lembrou que termina hoje a "trégua" de 72 horas dada pelas organizações civis, após a qual a pressão dos protestos deverá ser intensificada. Segundo Sejas, não estão descartadas a ocupação de aeroportos e o corte nas exportações de gás ao Brasil e à Argentina.
Há 15 dias, o bloqueio de estradas no leste e no sul da Bolívia provocou uma grave crise no fornecimento de combustíveis aos quatro departamentos. Desta vez, o acirramento dos protestos pode retomar o cenário de escassez.
Entre as estradas bloqueadas pelos manifestantes está o acesso a um megacampo de gás no extremo sul da Bolívia operado pela Petrobras.
Diante das ameaças, o governo militarizou campos e unidades de gás, assim como instalações públicas, nos departamentos de Tarija e Santa Cruz, ambos de oposição a Morales.
O chefe das Forças Armadas, general Luis Trigo, disse à imprensa boliviana nesta segunda-feira que os governadores das regiões que realizam manifestações devem "dialogar" com o governo.
"Pedimos o diálogo e que se evitem enfrentamentos", afirmou. "Temos que proteger áreas vitais do país, como a infra-estrutura, os recursos energéticos. Por isso, pedimos cabeça fria para negociar. E vamos evitar os enfrentamentos porque o pior seria que ocorressem mortes", afirmou Trigo.
Reforma no governo
Em meio à crise, Morales empossou nesta segunda-feira cinco ministros, realizando um ajuste no gabinete. Ingressaram no governo: o novo ministro da Saúde, Ramiro Tapia, que assumiu a pasta de Wálter Selum e o ministro de Hidrocarbonetos Saúl Avalos, que substituiu Carlos Villegas, que passou ao ministério do Planejamento.
Martín Alipaz-11.ago.2008/Efe |
O presidente boliviano, Evo Morales, obteve no referendo o apoio de 67,43% da população para continuar em seu cargo |
Carlos Romero assumiu como ministro do Desenvolvimento Rural e Agropecuário no lugar de Susana Rivero, que passou ao ministério da Microempresa. A dança das cadeiras no ministério de Morales --especialmente na área de hidrocarbonetos-- surpreendeu políticos e analistas. Foi a terceira reforma ministerial do atual governo em dois anos e meio de gestão, desde a posse em janeiro de 2006.
Na pasta de Hidrocarbonetos, Villegas era visto como "moderado" por interlocutores de países vizinhos. Ávalos ficou mais conhecido durante a Assembléia Constituinte, da qual foi integrante e defensor das propostas do governo.
Em maio passado, ele foi designado pela administração central como "interventor" --equivalente a diretor, indicado pelo presidente-- da CLHB (Companhia Logística de Hidrocarbonetos da Bolívia). A empresa foi nacionalizada e controla quase vinte locais de armazenagem de combustíveis, além de oleodutos, que abastecem o mercado boliviano.
Com agências internacionais
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