As drogas em questão
Antes de mudar de assunto, um esclarecimento necessário, diante dos comentários de alguns leitores: sobre o Fernando Vallejo, eu apenas registrei o que ouvi de muitas pessoas que, decepcionadas com o escritor, decidiram boicotá-lo, deixando de comparecer à sua conferência na FLIP, e dei minha opinião sobre o assunto. Curiosamente, aqueles que pregam a liberdade de expressão são, muitas vezes, os primeiros a tentar calar quem pensa de forma diferente da sua… E, felizmente, as pessoas são livres para boicotar um escritor que diz o que Vallejo disse. Ou não?
Mas essas polêmicas são normais, porque determinados assuntos mexem mesmo com a gente, provocando reações mais guiadas pela emoção que pela razão. Por exemplo, a questão das drogas, tema da mesa que reuniu ainda há pouco os jornalistas Guilherme Fiuza, autor de Meu nome não é Johnny, e Misha Glenny, autor de McMafia, livro-reportagem sobre os efeitos da globalização no crime organizado internacional. É o tipo de assunto sobre o qual as pessoas têm opiniões tão arraigadas que dificilmente mudam de idéia por causa de um debate.
McMáfia entrelaça o narcotráfico, a escravidão de mulheres, o banditismo cibernético e a corrupção política. Os personagens - reais - de Glenny são profissionais do crime, sofisticadíssimos, cujo crescente poderio pode provocar até mesmo o colapso de Estados mais frágeis politicamente - o que ele não considera ser o caso do Brasil.
_ Desde os anos 90, o narcotráfico vem se expandindo para novos mercados, de forma acelerada. Isso porque os Estados Unidos já chegaram ao teto do consumo de cocaína: com 5% da população mundial, os americanos consomem 40% da produção da droga - explica.
Já o protagonista de Meu nome não é Johnny, de Guilherme Fiúza é um sujeito normal, que não era bandido, envolveu-se com o tráfico de forma amadora, foi preso com seis quilos de cocaína no apartamento e por fim solto após passar dois anos num manicômio judicial.
A ponderação e o equilíbrio marcaram as falas dos dois jornalistas, mas concordei com o mediador Paulo Markun quando ele perguntou a Fiúza se o seu livro não era condescendente com o usuário de drogas de classe média (mas fui o único a aplaudir a pergunta). Fiúza é um excelente jornalista e contou uma história envolvente, mas não convence quando diz que não faz juízo de valor - para, no minuto seguinte, dizer que o verdadeiro Johnny era fascinante, carismático e teve uma vida glamurosa, o que já é um juízo de valor, evidentemente…
Misha Glenny tem opiniões firmes sobre o narcotráfico, concorde-se ou não com elas. Suas teses são amparadas por anos de pesquisa de campo, viajando por diversos países, o que torna consistente a sua opinião de que as políticas de combate as drogas são equivocadas e ineficientes.
Não se negou, ao longo debate, a associação evidente entre as drogas e a violência em escala industrial, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. O próprio Fiúza admitiu que a mensagem de que não se deve usar drogas é boa, mas com um porém:
_ É positivo que se diga ao jovem: usando drogas, você está fazendo algo ilegal e dando dinheiro para o crime comprar armas. Mas isso não pode se transformar numa atitude opressiva contra o usuário.
Tentando provocar uma declaração mais assertiva, perguntei se ele achava a droga uma experiência libertadora ou confinadora. Ele respondeu:
_ Pode ser confinadora e pode ser libertadora. Mas com certeza é uma experiência.
Disso ninguém tem dúvidas.
Acompanhe a cobertura completa da Flip 2008
Foto 1: o jornalista Guilherme Fiúza, autor de livro que inspirou o filme ‘Meu nome não é Johnny’ (Walter Craveiro/Divulgação)
Foto 2: o jornalista Misha Glenny (Walter Craveiro/Divulgação)
Caro Luciano Trigo,
Parabéns por sua cobertura da Flip.
Interessante a sua busca animada por contradições minhas. Estou acostumado, é do jogo.
Mesmo assim vou lhe explicar novamente o que disse em minha palestra, e que não está escrito no seu site.
Fui perguntado se fui complacente no livro com o usuário de drogas de classe média, supostamente apresentando o que pode ser um drama de forma festiva. Respondi que não sou o juiz do meu personagem (ele foi julgado e condenado pela Justiça), e que meu livro não é uma tese sobre delinqüentes bonzinhos ou mauzinhos, é só uma história de um cara, a que eu quis contar, e não pretende ser nenhuma espécie de síntese ou exemplo social.
Sobre juízo de valor, meu caro, você confundiu as bolas. Expliquei que me recusei a julgar a conduta do meu personagem, no sentido do que é certo e do que é errado, no sentido moral, que era o objetivo da pergunta. Considerar meu personagem fascinante é uma opinião de outra ordem, é uma impressão do narrador, do jornalista. Pergunte ao Fernando Moraes se ele acha o Chatô fascinante, e ele lhe dirá que sim, sem ter que emitir juízo de valor sobre se o sujeito era um canalha ou um herói. Aliás, dei esse exemplo em minha palestra.
O carisma e o glamour presentes na personalidade e na vida do “Johnny” são dados da história que apurei, e demonstrei com fatos na minha reportagem, não são adjetivos inventados por mim. E são os dados que ajudam a tornar o personagem fascinante do ponto de vista jornalístico e humano, mesmo sendo um encrenqueiro – e até por isso.
Quanto à sua pergunta sobre a experiência com drogas levar à libertação ou ao confinamento, você preferiu editar minha resposta (talvez por falta de espaço). O que eu disse é que pode levar aos dois caminhos (não sei se a pergunta me permitia ser mais criativo), mas que o grande erro, a meu ver, é acreditar que tirar do jovem a possibilidade dessa experiência é a melhor forma de protegê-lo.
Mas tudo bem, você conseguiu terminar o seu texto com uma ironia, e isso às vezes é o mais importante.
Um abraço,
Guilherme Fiuza