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sábado, 23 de julho de 2011

Ministro dos Transportes, documentos do TCU comprovam como ele beneficiou as empreiteiras

Os passos de uma mentira

Ministro dos Transportes negou irregularidades apontadas por ISTOÉ, mas documentos do TCU comprovam como ele beneficiou as empreiteiras

Lúcio Vaz

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O ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, desconsiderou documentos oficiais, omitiu informações e simplesmente mentiu ao afirmar, em entrevista coletiva, no sábado 16, que não havia irregularidades nas três obras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) que receberam crédito suplementar em 2010, como ISTOÉ havia informado na semana passada. Quando os projetos ganharam reforço de R$ 78 milhões no período eleitoral, Passos ocupava interinamente o cargo de ministro, enquanto o titular, senador Alfredo Nascimento, disputava o governo do Amazonas. O histórico dos três projetos, com ilegalidades como sobrepreço e superfaturamento, está registrado nos arquivos do Tribunal de Contas da União (TCU). Desde 2009, esses projetos constam da lista de obras com indícios de irregularidades graves do tribunal. O trecho na BR-265/MG entre Ilicínea e São Sebastião do Paraíso frequentava a lista suja do TCU desde 2007 e chegou a receber indicativo de paralisação. Apesar disso, o crédito suplementar virou lei em 20 de julho de 2010. E Passos, como ministro interino, acompanhou de perto esse processo.

Entre os projetos que habitualmente pontificavam a suspeita e indesejada relação estava a construção de um trecho na BR-317/AM, entre Boca do Acre e a divisa com o Acre. O novo ministro dos Transportes disse que não haveria “nenhuma irregularidade nem o que contestar sobre a alocação de recursos para essa rodovia”. Não é verdade. O trecho recebeu o carimbo de IG-P, que significa “irregularidade grave com paralisação”, no ano passado. Mas isso não foi novidade. Ele esteve na lista suja por seis anos consecutivos, de 2003 a 2008. A construção teve início sem licenças ambientais e de instalação, apresentava fiscalização deficiente e ainda sobrepreço (preços acima do mercado). O primeiro contrato, firmado com a empreiteira Andrade Gutierrez, 11 anos antes, acabou rescindido por conta de fraudes. Novo contrato, no valor de R$ 71 milhões, foi assinado em 2008 com a empreiteira Colorado, do ex-governador acreano Orleir Cameli. A Secretaria de Controle Externo do Amazonas chegou a propor a anulação desse novo contrato, também repleto de ilegalidades, mas o plenário do tribunal decidiu pela continuidade da obra, com a retenção de pagamentos com preços acima do mercado. Tudo para evitar mais prejuízos à população local, que já fazia barricadas para impedir o tráfego na rodovia. O TCU determinou também a glosa de pagamentos superfaturados e a glosa de serviços pagos, mas não realizados. Até abril deste ano ainda havia pendências a serem cumpridas nessa obra.

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Passos reconheceu que a construção do trecho da BR-265 esteve com “determinação de paralisação” em 2010. Acrescentou, porém, que não seria a obra “como um todo”, mas apenas o primeiro lote. E informou que o Dnit promoveu a rescisão do contrato dessa etapa. Disse que não haveria, então, “impedimento” para que os serviços tivessem continuidade e que estaria sendo providenciada nova licitação para dar seguimento à obra. Os fatos apontados por ISTOÉ, no entanto, estão registrados na corte de contas. Já em 2008 havia sido determinada a interrupção da obra até que estivessem cumpridas exigências como a prática de preços de mercado, obtenção de licenças ambientais e regularização fundiária. Em setembro de 2009, ainda faltava a regularização fundiária e persistia o sobrepreço nos dois contratos abertos, um da Egesa Engenharia e outro do consórcio CMT/Sanches Tripoloni. Somente em dezembro daquele ano foi liberado o trecho tocado pelo consórcio. Para excluir a obra da lista suja, porém, seria necessário rescindir o contrato da Egesa, o que só ocorreria em outubro do ano passado. Mas, antes disso, foi providenciado dinheiro novo para o empreendimento. O projeto de lei que previa os recursos foi apresentado ao Congresso em abril de 2010. Aprovado em 7 de julho, virou lei duas semanas mais tarde. O TCU informa que várias de suas determinações ainda não foram cumpridas no trecho da Egesa, como a correção de desmoronamentos em trechos construídos. Foi vetado qualquer pagamento sem a efetiva prestação dos serviços.

Na adequação do trecho entre Santa Cruz e Mangaratiba, na BR-101/RJ, foram encontradas fraudes como superfaturamento, sobrepreço, desvio de objeto, restrição à competitividade na licitação e subcontratação irregular. O sobrepreço apurado chegou a R$ 18,8 milhões. Em dezembro de 2009, foi liberada a continuidade da obra, mas com retenção de pagamentos com preços acima do mercado. O ministro-relator, José Jorge, afirmou que a proposta teve por objetivo evitar que se responsabilize o tribunal, “de forma indevida e distorcida”, pelo atraso na execução de obras públicas. Na última atualização do processo, em abril deste ano, o TCU abriu tomada de contas especial para apurar o valor exato do sobrepreço. Também determinou a glosa de serviços pagos, mas não executados. O ministro Passos parece não ter lido as últimas decisões do tribunal. Na coletiva à imprensa, ele procurou justificar a suplementação para esse trecho. “Essas obras não tinham como ser cobertas dentro do contrato original. Em relação a essa obra não há nenhuma restrição do TCU”, disse. A lista suja elaborada todo ano é indicativa. Cabe ao Congresso determinar o bloqueio de recursos do Orçamento da União para esses empreendimentos, o que tem sido exceção nos últimos anos. Mas as irregularidades apontadas são graves e cristalinas. Se o ministro acredita que as três obras citadas estavam livres de qualquer irregularidade no momento da suplementação, fica difícil imaginar o que ele considera uma obra regular e limpa.

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O poder paralelo de Valdemar Costa Neto

Como o líder do PR montou um esquema no Ministério dos Transportes para se aproveitar de um orçamento de R$ 21 bilhões, cobrando propinas e superfaturando obras públicas

por Claudio Dantas Sequeira

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O PADRINHO
Ele tinha gabinete dentro do ministério e atendia empreiteiros com hora marcada

O deputado federal Valdemar Costa Neto (PR/SP) nunca foi ministro. Mas o cargo jamais chegou a lhe fazer falta para mandar, como pouca gente na República, num ministério inteiro. Nos Transportes, “Boy”, como Valdemar é chamado pelos amigos, reinou durante oito anos e meio. Ali ele era o padrinho. Despachava do gabinete do sexto andar, tinha assessores à disposição e recebia empreiteiros com hora marcada. Transitava pelo ministério com a desenvoltura de quem passeava pelas ruas pacatas de sua Mogi das Cruzes, a cidade de 387 mil habitantes, no interior paulista, onde sua família fincou poder. Desde que a pasta foi entregue ao Partido Republicano, Valdemar usou o orçamento, que pode chegar a R$ 21 bilhões, conforme os interesses de seus apadrinhados, engordando as contas da legenda e cooptando mais parlamentares. Isso era feito especialmente por meio do superfaturamento de contratos de obras públicas em rodovias e ferrovias de todo o País.

Agora se sabe que a cobrança de propina tornou-se mais voraz – o que acabou chamando a atenção do Palácio do Planalto – desde janeiro passado. O objetivo era cobrir um rombo milionário nas contas de campanha. O PR encerrou a eleição de 2010 com uma dívida oficial de R$ 41,3 milhões, mas fontes do próprio partido garantem que esse valor é pelo menos três vezes maior. Com apoio do amigo e ex-ministro Alfredo Nascimento, com quem costumava dividir passeios de barco pelo rio Amazonas, “Boy” criou no Ministério dos Transportes uma verdadeira central de arrecadação. Para cada grande obra aprovada pelo Dnit, a liberação da verba só acontecia após o chamado “acerto político”, que na prática consistia na cobrança de uma taxa de 2% a 5% sobre o valor do contrato. Os pagamentos aconteciam no próprio gabinete de Nascimento e em hotéis de Brasília e São Paulo.

No gabinete paralelo do padrinho Valdemar, cada setor do Dnit tinha o seu correspondente no ministério para a reavaliação dos projetos. Além do encarecimento das obras, o esquema se tornou ainda mais escandaloso e evidente por uma questão burocrática. “Para executar um orçamento de R$ 21 bilhões, como o previsto para 2011, é preciso agilidade. O acerto político começou a atravancar a execução das obras”, disse à ISTOÉ um ex-membro da cúpula do ministério. O diretor afastado do Dnit, Luiz Antônio Pagot, um dos poucos indicados do PR fora da cota de Valdemar (Pagot é ligado a Blairo Maggi), já vinha reclamando dos atrasos em encontros com empresários. As queixas de Pagot chegaram aos ouvidos da presidente Dilma Rousseff, que então convocou a reunião com a cúpula dos Transportes, na qual determinou a intervenção na pasta. Desde lá, Dilma já demitiu 16 pessoas, entre funcionários do ministério e do Dnit, inclusive o ministro Alfredo Nascimento. Na sexta-feira 22, o petista Hideraldo Caron, diretor de infraestrutura rodoviária do Dnit, pediu demissão.

Para o deputado federal Fernando Francischini (PSDB/PR), as denúncias são graves e devem ser investigadas a fundo. “Precisamos instalar a CPI para descobrir como funcionava esse esquema de arrecadação, quanto foi desviado, quem participou e onde eram esses encontros”, afirma Francischini. Segundo ele, o afastamento dos funcionários do ministério ligados ao PR não resolve o problema. Tampouco elimina a influência de Valdemar na pasta. “O atual ministro, Paulo Sérgio Passos, é seu homem de confiança e conhecia o esquema. É como matar os ratos da casa, mas não dedetizá-la”, afirma o tucano.

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DÍVIDAS
Valdemar reúne bancada do PR para debater as finanças do partido

A turma de Valdemar esperneia por moderação, é claro. De saída, eles pretendem conter a faxina do governo, pedindo equiparação de corruptos e apontando o dedo para petistas que também atuam nos Transportes. “Queremos que haja uma balança igual para todos”, alega o líder do PR, deputado Lincoln Portela (MG). A orientação dentro do partido é conter a operação limpeza de Dilma e evitar que o PT assuma a pasta, que se tornou vital para a sobrevivência financeira e política do PR. Valdemar mostra as armas e alardeia que tem sob seu controle 63 deputados na Câmara. São 40 deputados do próprio PR e 23 das legendas nanicas PRB, PTdoB, PRTB, PRP, PHS, PTC e PSL. Trata-se, portanto, de uma bancada poderosa que o padrinho batizou de “partido único”, embora não haja entre seus membros nenhuma afinidade programática – a não ser a manutenção de determinado naco de poder. “Nosso compromisso é dentro da Câmara”, afirma Valdemar. Ao que tudo indica, trata-se de um compromisso mantido a custo de muito dinheiro público. “A corrupção nos Transportes é tamanha que não surpreende que essa crise esteja acontecendo”, afirma Lucas Furtado, procurador-geral do Ministério Público no TCU.

As ameaças de Valdemar parecem ter começado a surtir efeito na semana passada. O Planalto já orientou ministros para que trabalhem com o objetivo de esfriar o assunto da mídia. Assim, na quinta-feira 21, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, saiu a campo para relativizar as denúncias. Segundo ele, o orçamento bilionário de um ór­gão como o Dnit é que o tornaria vulnerável. “Supor que não haverá nenhum problema é uma coisa quase impossível”, disse o ministro. Até agora, a Polícia Federal não foi acionada. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz que vai esperar o parecer da CGU, embora a PF tenha autonomia.

O Planalto não tem intenção de azedar ainda mais a relação com o comandante do PR. Mais que os votos sob seu controle no Congresso, Valdemar Costa Neto interessa ao PT por conta do processo do mensalão. Ele e o deputado João Paulo Cunha são os únicos dos 36 réus com mandato parlamentar. Ou seja, são as únicas peças que fazem com que o processo do mensalão permaneça na órbita do Supremo Tribunal Federal. “Ninguém quer correr o risco de ser condenado”, afirma um cacique petista. Segundo ele, caso o processo avance nessa direção, Valdemar e Cunha, em comum acordo, renunciariam a seus mandatos, fazendo com que o mensalão volte à primeira instância e os crimes acabem prescrevendo. Valdemar é parceiro firme. Foi ele, em 2002, que articulou com José Dirceu e Delúbio Soares a indicação do empresário José Alencar como vice na chapa de Lula. Esse apoio não foi de graça. Custou, segundo admitiu o próprio deputado, R$ 10 milhões. Tudo pago com a intermedição do publicitário Marcos Valério, o que deu origem a boa parte das denúncias do mensalão.

Valdemar é um homem acostumado desde cedo ao poder. Seu pai, Valdemar Costa Filho, administrou Mogi da Cruzes por quatro mandatos, com mão firme e revólver na cintura. Com a ajuda dos militares e das boas relações com Paulo Maluf patrocinou obras que consolidaram seu poder local. “O Boy foi criado no colo do Maluf”, diz Delmiro Gouveia, presidente do diretório municipal do PPS. Inteligente e pragmático, Valdemar Costa Neto não coleciona desafetos. Prefere colecionar bens e levar uma vida de rico. Tem predileção por cassinos no Exterior. Sua ex-mulher Maria Christina Mendes Caldeira, que se separou de Boy num rumoroso processo, lembra que ele era generoso em mesas de bacarat: mais de uma vez torrou US$ 500 mil no cassino do hotel Conrad, em Punta del Este, no Uruguai. “O esquema de jogo dele é muito pesado. É um negócio absurdo”, contou Maria Christina à ISTOÉ. Segundo ela, Valdemar faz questão de acertar suas contas em espécie, evitando cartões ou cheque. “Na casa em que morávamos existia um cofre enorme”, conta ela. Com um estilo de vida assim, é possível compreender por que um cargo formal de ministro só atrapalharia Valdemar. Do jeito dele, é bem melhor indicar amigos para cargos públicos que comandem cofres maiores que o de sua casa.

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Colaboraram: Lúcio Vaz e Pedro Marcondes de Moura





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