POR BRUNO ASTUTO Rio - Nas últimas semanas, meu mundo se resumiu a desfiles, desfiles, desfiles. Se a barra da saia no próximo verão vai ser curta, longa ou assimétrica, se o plissado é a nova renda, quais as cores vão pegar na estação, o que Lea T., Ashton Kutcher e Zombie Boy comeram, disseram ou até pensaram — coisas imprescindíveis na vida de uma pessoa, como se vê. Não são, mas eu gosto e, como pago minhas contas em dia e muita gente tem interesse no assunto, me sinto à vontade para gostar. Mas, depois de uma longa temporada de moda, vem aquela ressaca de quem se sente em dívida com os assuntos da vida real. Dei-me o luxo de acompanhar alguns deles, como a despedida da nova ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, de seus colegas no Senado. E foi bem divertido ver aqueles engravatados enaltecendo todas as qualidades da nova estrela do Planalto, dizendo como ela era maravilhosa, firme e cheia de virtudes. Os mesmos que serão os primeiros a jogar pedras ao menor sinal de deslize. Aliás, como Dilma prefere ser chamada de presidenta — eu tento, mas não consigo —, por que Gleisi não é ministra-chefa? Também assisti, mudo, às homenagens da imprensa aos 80 anos de João Gilberto, o ‘pai da bossa nova’. Todo mundo se esmerou, fazendo cadernos lindos, tecendo altas láureas, recuperando arquivos e caçando curiosidades, mas nessa eu não caí. Ainda bem, porque depois se soube que João não leu nada e nem sequer se deu ao trabalho de atender a um telefonema de parabéns da própria filha, Bebel, aquela simpatia. Parece que ele voltará aos palcos em setembro, mas, sinceramente, não contem comigo na plateia, pois tenho trauma de um show que ele fez em São Paulo e mostrou a língua para nós. E todo mundo sabe que João pode não aparecer. Decepções, bastam-me as do cotidiano. Antes que me joguem pedras, não estou aqui negando a contribuição de João Gilberto à música brasileira nem tampouco seu inquestionável talento. Tanto que o manterei eternamente em meu iPod, protegido de seus arroubos de gênio. Cultivo o péssimo hábito de querer ser bem tratado nos lugares aonde vou. Voltando à moda: ainda não me recuperei do desfile do estilista Samuel Cirnansk, que pretendia fazer uma ode ao fetiche e colocou as pobres modelos vestidas de noiva, com as mãos amarradas para trás, os pés sobre saltos altíssimos e a boca amordaçada por um cilindro de metal. Todo tipo de arte guarda uma simbologia, e o mundo não chegou até aqui sem imagens chocantes e contestações que convidam à reflexão. Mas esse tabu já foi quebrado por outras gerações, e o que se viu foi um festival de mocinhas famélicas — o peso dessas meninas me assusta —, judiadas, correndo perigo de esborrachar-se sem defesa no chão. Os jornalistas rezavam para aquele suplício terminar, e de roupa quase não se falou. Será que Catherine Deneuve tem razão? “Os brasileiros são caretas”, disse ela à coluna semana passada. As pessoas se chocaram ao vê-la fumando em lugar proibido, eu reclamo da língua do João e de sua falta de interesse pelo que os outros acham de seus 80 anos, e todo mundo só queria saber como Lea T. escondia seus tesouros naquele microbiquíni da Blue Man. Sim, vou ter que concordar com a diva francesa e me render à evidência de que nossa fama internacional de libertinos é coisa para gringo ver em Carnaval. Mas o que me choca mesmo é nossa ausência de espanto diante do faturamento de R$ 20 milhões da consultoria de Palocci só em 2010, dinheiro que a gente só ouviu em sorteio de Mega Sena e do qual ninguém mais vai falar depois de sua demissão. E os bombeiros, tadinhos, vivendo com pouco mais de R$ 900 por mês. E houve gente que se chocou com a revolta deles. É dura a vida da bailarina. Beijo, me liga, até amanhã.
sábado, 18 de junho de 2011
A hora do espanto
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