Quem tem amigos como Dirceu e Erenice não precisa de inimigos. Na explosiva semana que passou, Dilma Rousseff deve ter reavaliado sua amizade ferrenha por aloprados. Ao menos até 3 de outubro. A Casa Civil foi duas vezes implodida nos mandatos de Lula por amigos íntimos de Dilma: seu antecessor e sua sucessora. Amigos de ideologia, de luta, de confidências e de um projeto petista para o país. Ambos com língua solta e rabo preso.
Foi na Bahia que Dirceu rasgou a fantasia e saiu mais uma vez da clandestinidade a que estava condenado desde seu afastamento do governo, como chefe do mensalão. Para sindicalistas, falou tudo o que pensava, sem perceber a presença da maldita imprensa. Admitiu que a ex-ministra “não é uma liderança que tenha grande expressão popular ou uma raiz histórica”. Comemorou antecipadamente a vitória: “A eleição da Dilma é mais importante do que a eleição do Lula, porque é a eleição do projeto político, do nosso acúmulo de 30 anos, porque a Dilma não se representa”.
Dirceu é aquele valete que sonha ser rei. Enxerga uma oportunidade de ouro para voltar com força e acabar com o “excesso de liberdade de informar” no Brasil. Dirceu não se segura – e nunca vai se segurar. O ex-ministro da Casa Civil se considera um articulador mais realista que a rainha, mas se comporta como bobo da corte. Em sua pregação para os companheiros do setor petroleiro baiano, adulou Lula, “duas vezes maior que o PT”. Apoiou, como mal inevitável, a aliança com o PMDB e seus líderes, Renan Calheiros e José Sarney, os oligarcas que Lula avalizou como homens incomuns. E, agora, conclama os sindicalistas a “ganhar a maioria”.
Com a saída de Lula, Dirceu disse para os sindicalistas que é hora de “transformar de novo o PT numa instituição política”, “abrir para a juventude”, refletir sobre o “movimento socialista internacional”. Em seu discurso, negou que esteja afastado, disse que percorre o país como dirigente petista e apoia Dilma nos palanques estaduais. Falou muitas vezes na primeira pessoa do plural: “temos que reestruturar”, “demos um piso”, “somos o maior interessado”, “somos uma candidatura”, “o pau tá comendo em cima de nós”. Somos quem, afinal, Dilma?
Dirceu levou um puxão de orelhas de Lula. Não percebeu a inconveniência ao ser sincero antes do tempo, num país onde ainda há liberdade para informar. A íntegra da fala de Dirceu foi divulgada na grande mídia, nos blogs, nos sites e nas redes sociais. Ele só não caiu como Erenice porque não tem de onde cair, não ocupa cargo nenhum. Até agora.
Lula, que tomou posse em 2002 com uma defesa emocionante da ética nas questões públicas, prometendo ser “implacável” contra a corrupção e o suborno, adotou rapidamente o argumento de que “todo mundo faz”. Mas houve momentos – como no mensalão e, agora, a “formação de família” de Erenice Guerra – em que Lula abriu mão dos anéis.
A exemplo do valete, a dama também levou um puxão de orelhas por falar demais. Ao ser acuada por denúncias de tráfico de influência, Erenice chamou o adversário tucano de “aético e derrotado”. Mas não seria essa a tônica do atual governo? Não seria este o recado do Planalto: falar o que dá na telha, atacar quando acusado, jogar palavras no ventilador, meter-se onde não é chamado? Essa parece ser a cartilha de Lula e os subordinados a seguem com muito menos astúcia, carisma e autoridade. Só quem fala de menos é Dilma, que chegou a ficar rouca de tanto se calar. E Palocci, este sim é discreto.
Mais incisivo que Dilma, Lula mandou a dama passear antes que prejudicasse mais sua candidata. Erenice vivia de braços dados com Dilma como duas comadres, especialmente após sucedê-la na Casa Civil. Os escândalos levaram Dilma a rebaixá-la publicamente como “ex-assessora”. E, na demissão, foi elogiada pela candidata: “Ela agiu certo ao se retirar para permitir investigações”. A queda de Erenice (leia mais) não foi atribuída por Dilma a nenhum “malfeito”. Foram-se temporariamente os anéis, ficarão todos os dedos?
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