Alternativas políticas ao "Socialismo do Século 21" não chegam a redutos governistas
José Antonio Sánchez tem poucos dentes, trabalha como sapateiro semana sim, semana não, e vive em Petare, a maior e mais perigosa favela de Caracas - 1 milhão de habitantes. Em sua casa, a água chega de vez em quando, amarela. O posto de saúde que frequenta, com seus médicos cubanos, tem uma fila enorme e só abre até meio-dia. No mercadinho socialista de Hugo Chávez, o Mercal, falta frango, carne, margarina e papel higiênico. Apesar disso, Sánchez não pensa em votar na oposição em 26 de setembro. Não sabe quem a representa. A Venezuela vive a maior recessão dos últimos anos. Sua inflação deve ficar em 35%, a mais alta do mundo. O desemprego está em 8,5%. Enquanto toda a América Latina cresce, o PIB da Venezuela vai encolher 4,4%, depois de ter recuado 3,3% no ano passado. A produção de petróleo, arrimo do país, deve cair 1%. O racionamento de energia deixa milhões de venezuelanos até 6 horas por dia sem luz. Mesmo assim, a popularidade de Chávez está em 47%, segundo pesquisa de julho da Datanalisis. Está em queda, se comparada à de 2006, quando 71,5% dos venezuelanos o apoiavam. Mas ainda é maior que a presidente americano Barack Obama, que está com 44%, segundo Gallup desta semana.
Apesar de todas as más notícias que cercam o governante bolivariano, a oposição da Venezuela não engrena. A pouco mais de um mês das eleições legislativas, quando serão eleitos 165 deputados para a assembleia nacional, a oposição ainda luta para se articular. Nas previsões mais otimistas, conseguirá no máximo a metade dos assentos da assembleia. Os chavistas do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) devem manter a maioria.
A oposição venezuelana é fragmentada e carece de um projeto que vá além do "fora Chávez", dizem analistas. Em 2005, os oposicionistas boicotaram as eleições legislativas, em uma estratégia que deu a Chávez poder absoluto na assembleia para passar suas leis de concentração de poder. Só há quatro meses houve uma tentativa de coalizão. Formou-se a Mesa da Unidade Democrática, que agrega cerca de 30 agremiações contra Chávez.
A população está cada vez mais descontente por causa da falta de segurança e a inflação. Boa parte dos venezuelanos dizem sem travas que Chávez "anda muito radical" e gostariam de alternância de poder. Mas estes mesmos identificam a oposição com uma volta a um passado pré-chavista. "Há um problema de ver a oposição como restauração, uma volta ao que havia antes de Chávez, e as pessoas tampouco querem isso", diz José Albornoz, secretário-executivo do Pátria Para Todos, partido que tenta ser uma terceira via. De acordo com a empresa de pesquisas Hinterlaces, os "ni-ni" - nem Chávez, nem oposição - representam 48% do eleitorado da Venezuela. Entre eles, os que apoiam a ideia de "socialismo do século 21" são 27%, enquanto 21% são a favor da oposição.
A oposição tem dificuldade em conquistar os votos mesmo de quem não se considera chavista. "O descontentamento com Chávez não necessariamente se traduz em votos para opositores - a oposição precisa ir às ruas, às favelas, para mostrar que é uma alternativa", diz Omar Noria, professor da Universidade Central da Venezuela. Segundo a Hinterlaces, o trunfo de Chávez é que oposição "não apresenta alternativas concretas que garantam à população repostas para seus problemas sociais." "O único projeto da oposição é tirar Chávez do poder - mas daí, o que eles vão fazer? Será que vai melhorar mesmo?", questiona o taxista Jefry Tovar.
Há poucos nomes capazes de enfrentar o carisma de Chávez. Quando surgem, Chávez trata de "desabilitá-los", usando fatores técnicos para impedi-los de concorrer a eleições. Leopoldo Lopez, por exemplo, ex-prefeito de Chacao, era um nome forte e foi desabilitado pelas autoridades eleitorais. Antonio Ledezma, prefeito de Caracas, teve seu poder reduzido por manobras de Chávez para transferir parte de suas atribuições para conselhos comunitários. Além disso, Chávez redesenhou as leis eleitorais para reduzir as chances de avanço de seus opositores. Mudou as regras de proporcionalidade. Hoje, estados pobres e chavistas têm muito mais peso do que as grandes cidades, onde Chávez perde popularidade. Chávez usa a máquina do governo como nunca - funcionários fazem campanha, TVs e jornais estatais também. E à medida que a economia cambaleia, a pressão sobre meios de comunicação e organizações de defesa dos direitos humanos aumenta (ver quadro).
"A oposição precisa parar com o discurso ideológico, de se opor ao comunismo e exaltar a propriedade privada, e se focar em coisas práticas - mostrar como o metrô de Caracas era ótimo e agora é uma porcaria, falar da falta de segurança, da falta de eletricidade e racionamento de água", diz o analista político Fausto Masó. "Senão, a população não vai ver na oposição uma alternativa concreta para seus problemas. Vai continuar seduzida pelo discurso Robin Hood de Chávez, achando que os problemas do país não são culpa dele, mas sim dos especuladores capitalistas."
Consertando sapatos, Sánchez ganha 200, 250 bolívares fortes por mês - US$ 100 dólares no câmbio oficial, US$ 30 no mercado negro. Só de aluguel, paga 200 bolívares por mês. No mês passado, 469 pessoas foram assassinadas em Caracas. Sánchez vive com sua mãe de 81 anos, que tenta há anos receber aposentadoria, em vão. Mas perto da casa dele em Petare - a maior favela da América Latina, dizem com uma ponta de orgulho os venezuelanos - há um restaurante do governo, onde almoça de graça.
"A situação está difícil, mas não é culpa do Chávez", afirma Sánchez. "Com ele, os pobres vencerão os Estados Unidos."
Retrato chavista
JOSÉ ANTONIO SÁNCHEZ SAPATEIRO SEMANA SIM, OUTRA NÃO "A situação está difícil, mas não é culpa do Chávez. A oposição deixaria tudo como era antes, seria pior. Vou seguir votando no meu comandante. Com ele, os pobres da Venezuela vão vencer os Estados Unidos". |
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