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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

#Dilma na luta armada (integral)


Entre 1967 e 1970, a estudante Dilma Rousseff combateu a ditadura militar. O que os processos da justiça militar revelam sobre a jovem que se tornou líder de uma das organizações que pegaram em armas contra o governo
Leandro Loyola, Eumano Silva e Leonel Rocha
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Em outubro de 1968, o Serviço Nacional de Informações (SNI) produziu um documento de 140 páginas sobre o estado da “guerra revolucionária no país”. Quatro anos após o golpe que instalou a ditadura militar no Brasil, grupos de esquerda promoviam ações armadas contra o regime. O relatório lista assaltos a bancos, atentados e mortes. Em Minas Gerais, o SNI se preocupava com um grupo dissidente da organização chamada Polop (Política Operária). O texto afirma que reuniões do grupo ocorriam em um apartamento na Rua João Pinheiro, 82, em Belo Horizonte, onde vivia Cláudio Galeno Linhares. Entre os militantes aparece Dilma Vana Rousseff Linhares, descrita como “esposa de Cláudio Galeno de Magalhães Linhares (‘Lobato’). É estudante da Faculdade de Ciências Econômicas e seus antecedentes estão sendo levantados”. Dilma e a máquina repressiva da ditadura começavam a se conhecer.

Ilustração: Sattu

Durante os cinco anos em que essa máquina funcionou com maior intensidade, de 1967 a 1972, a militante Dilma Vana Rousseff (ou Estela, ou Wanda, ou Luiza, ou Marina, ou Maria Lúcia) viveu mais experiências do que a maioria das pessoas terá em toda a vida. Ela se casou duas vezes, militou em duas organizações clandestinas que defendiam e praticavam a luta armada, mudou de casa frequentemente para fugir da perseguição da polícia e do Exército, esteve em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, adotou cinco nomes falsos, usou documentos falsos, manteve encontros secretos dignos de filmes de espionagem, transportou armas e dinheiro obtido em assaltos, aprendeu a atirar, deu aulas de marxismo, participou de discussões ideológicas trancada por dias a fio em “aparelhos”, foi presa, torturada, processada e encarou 28 meses de cadeia.

Hoje candidata do PT à Presidência da República, Dilma fala pouco sobre esse período. ÉPOCA pediu, em várias ocasiões nos últimos meses, uma entrevista a Dilma para esclarecer as dúvidas que ainda existem sobre o assunto (leia algumas delas no quadro da última página). Todos os pedidos foram negados. Na última sexta-feira, a assessoria de imprensa da campanha de Dilma enviou uma nota à revista em que diz que “a candidata do PT nunca participou de ação armada”. “Dilma não participou, não foi interrogada sobre o assunto e sequer denunciada por participação em qualquer ação armada, não sendo nem julgada e nem condenada por isso. Dilma foi presa, torturada e condenada a dois anos e um mês de prisão pela Lei de Segurança Nacio-nal, por ‘subversão’, numa época em que fazer oposição aos governos militares era ser ‘subversivo’”, diz a nota.

Dilma foi denunciada por chefiar greves e assessorar assaltos a banco

A trajetória de Dilma na luta contra a ditadura pode ser conhecida pela leitura de mais de 5 mil páginas de três processos penais conduzidos pelo Superior Tribunal Militar nas décadas de 1960 e 1970. Eles estão no acervo do projeto Brasil: Nunca Mais, à disposição na sala Marco Aurélio Garcia (homenagem ao assessor internacional da Presidência) no arquivo Edgard Leuenroth, que funciona em um prédio no campus da Universidade de Campinas, em São Paulo, e em outros arquivos oficiais. A leitura de relatórios, depoimentos e recursos burocráticos permite conhecer um período da vida de uma pessoa que mergulhou no ritmo alucinante de um tempo intenso. O contexto internacional dos anos 1960, de um mundo dividido entre direita e esquerda, em blocos de países capitalistas e comunistas, propiciava opções radicais. O golpe militar de 1964 instaurou no Brasil um regime ditatorial que sufocou as liberdades no país e reprimiu oposições. Milhares de pessoas foram presas por se opor ao regime, centenas foram assassinadas após sessões de tortura promovidas por uma horda de agentes públicos mantidos ocultos ou fugiram para o exílio para escapar da repressão.

Dilma Rousseff foi um desses jovens marxistas que, influenciados pelo sucesso da revolução em Cuba liderada por Fidel Castro nos anos 50, se engajaram em organizações de luta armada com a convicção de que derrubariam a ditadura e instaurariam um regime socialista no Brasil. Dilma está entre os sobreviventes da guerra travada entre o regime militar e essas organizações. Filha de um búlgaro e uma brasileira, estudante do tradicional colégio Sion, de Belo Horizonte, a vida de classe média alta de Dilma mudou a partir do casamento com o jornalista Cláudio Galeno Magalhães Linhares, em 1967. “(Dilma) Ingressou nas atividades subversivas em 1967, levada por Galeno Magalhães Linhares, então seu noivo”, afirma um relatório de 1970 da 1a Auditoria Militar. As primeiras menções a Dilma em documentos oficiais a citam como integrante de uma dissidência da Polop. Esse grupo adotou o nome de Organização. Com novas adesões de militantes que abandonaram o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), a Organização se transformou em Colina (Comando de Libertação Nacional). Em seu documento básico, o Colina aderiu às ideias de Régis Debray, autor francês que, inspirado na experiência cubana de Fidel Castro, defendia a propagação de revoluções socialistas a partir de focos guerrilheiros. A doutrina de Debray ficou conhecida como “foquismo”.

Ex-contemporâneos de prisão citam o apartamento de Dilma da Rua João Pinheiro, em Belo Horizonte, como um dos principais pontos de reuniões da organização. Em depoimento prestado no dia 4 de março de 1969, o militante do Colina Ângelo Pezzutti afirma que “encontrou-se (com outro militante) algumas vezes no apartamento 1.001, Condomínio Solar, residência de Galeno e Dilma”. Dilma é citada como responsável por ministrar aulas de marxismo, comandar uma “célula” na universidade para atrair novos militantes para a causa. “Em princípios de 1968, o declarante, por recomendação de Carlos Alberto, coordenou uma célula política, na qual tomaram parte Dilma, estudante de economia, cujo nome de guerra é Estela, Erwin e Oscar (nomes de outros dois militantes)”, diz o depoimento de outro militante, Jorge Raimundo Nahas. “O objetivo principal dessa célula era trabalhar o meio estudantil.” Um dos universitários recrutados foi Fernando Damata Pimentel, de 17 anos. Ex-prefeito de Belo Horizonte, Pimentel é candidato ao Senado pelo PT e é um dos coordenadores da campanha de Dilma.

De acordo com os depoimentos, nas reuniões – muitas realizadas no apartamento de Dilma – o grupo decidia suas ações. Em seu depoimento, Nahas afirmou que parte do Colina, com o decorrer do tempo, passou a acreditar que a organização deveria ter um caráter mais militar. Foram criados setores de “ex-propriação, levantamento de áreas, sabotagem e inteligência e informações”. “Dilma e Oscar permaneceram no setor estudantil”, diz Nahas. Essa decisão marca um ponto de inflexão na curta história do Colina. O grupo passou a fazer ações armadas. O historiador Jacob Gorender, que esteve preso com Dilma no presídio Tiradentes, em São Paulo, é autor de Combate nas trevas, o mais completo relato da luta armada contra a ditadura militar. Ele afirma que o Colina foi uma das poucas organizações a fazer a “pregação explícita do terrorismo”.

Confira documentos de Dilma Rousseff






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De acordo com Gorender, em 1968, o Colina já aderira à luta armada. Segundo ele, no dia 1o de julho de 1968, o Colina matou por engano o oficial militar alemão Otto Maximilian von Westernhagen, que fazia um curso no Rio de Janeiro. A intenção do Colina era eliminar o militar boliviano Gary Prado, que estava no mesmo curso. Prado fora o responsável pela prisão de Che Guevara, o célebre líder da revolução cubana. O Colina ajudou a promover greves, assaltou bancos, roubou carros e matou policiais em confrontos em Minas e no Rio (leia o quadro na página ao lado). Na denúncia encaminhada à Justiça Militar em 1970, o juiz auditor José Paulo Paiva afirma que, no Colina, Dilma “chefiou greves e assessorou assaltos a bancos”. Não há registro de que Dilma tenha participado diretamente das ações armadas do Colina – algo que ela sempre negou.

A série de roubos a banco, no final de 1968, pôs a polícia no encalço dos militantes. Um deles, Pezzutti, foi preso – ou, no jargão da militância, “caiu” – no dia 14 de janeiro de 1969. Torturado, Pezzutti deu informações que levaram a polícia a três “aparelhos”, como eram chamados os locais onde viviam e se reuniam os militantes, do Colina. Na noite de 29 de janeiro de 1969, a polícia atacou três casas em Belo Horizonte: na Rua Itacarambu, na Rua Itaí e na Rua 34. Na Itacarambu houve confronto. Quando os policiais entraram na casa, Murilo Pinto da Silva, então com 22 anos, e outro militante reagiram com rajadas de metralhadora. Os tiros mataram o inspetor Cecildes Moreira de Faria e um guarda civil chamado José Antunes Ferreira e feriram outro policial. Na Rua Itaí, a polícia achou documentos. Na Rua 34, encontrou armas e bombas. Na Rua Itacarambu foram apreendidos pistolas, revólveres, um fuzil e metralhadoras Thompson e INA, explosivos e uniformes da polícia. Banido do país em 1971, Pezzutti passou pelo exílio no Chile e depois morreu em um acidente de moto na França, em 1975.

A partir das prisões, a situação do Colina ficou difícil. Dilma e Cláudio Galeno abandonaram o apartamento da Rua João Pinheiro. A Justiça Militar abriu um Inquérito Policial Militar (IPM), conduzido pelo então coronel Otávio Aguiar de Medeiros – uma década depois, promovido a general, Medeiros seria o poderoso chefe do SNI no governo João Figueiredo. No dia 11 de março de 1969, à frente do IPM que investigava o Colina, Medeiros assinou o despacho número três. O texto, de cinco linhas, ordena uma operação de busca e apreensão no apartamento de Dilma e Galeno. Eles só encontraram cadernos, documentos pessoais e livros como Revolução brasileira, de Caio Prado Júnior, e Revolução e o Estado, de Fidel Castro.

Dilma e Galeno já estavam na clandestinidade. Em depoimento prestado à Justiça Militar em 21 de outubro de 1970, Dilma afirma que o casal fugiu de Belo Horizonte com “Cr$ 6.500 (cruzeiros) mais ou menos e se mantinham com esse dinheiro”. Segundo o depoimento, eles passaram um mês no “Hotel Familiar Baia”, no Rio de Janeiro, depois foram para um apartamento na Rua Santa Clara, em Copacabana. O casal também passou alguns dias na casa de uma tia de Dilma, sob o pretexto de que estava de férias, segundo Dilma conta em depoimento. Com o dinheiro da organização, militantes como Dilma alugavam casas, dormiam no chão para não ter de comprar móveis, se sustentavam e compravam carros e armas.

Com dinheiro fornecido pela VAR Palmares, Dilma comprou um Fusca 66

Em meados de 1969, os militantes do Colina começaram a discutir uma fusão com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Liderada pelo ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, a VPR era uma das organizações mais importantes da luta armada. Lamarca abandonara o Exército ao fugir do quartel de Quitaúna, em Osasco, com um caminhão com armas e munições. Em abril de 1969, Colina e VPR realizaram um Congresso em Mongaguá, no Litoral Sul de São Paulo. Pela VPR estavam Carlos Lamarca, Antonio Espinosa, Cláudio de Souza Ribeiro, Fernando Mesquita Sampaio e Chizuo Ozawa, cujo codinome era Mário Japa. Pelo Colina estavam Dilma, seu segundo marido, Carlos Franklin de Araújo, Carlos Alberto de Freitas (codinome Breno), Maria do Carmo Brito e Herbert Eustáquio de Carvalho (ou Daniel). No meio das discussões, segundo Espinosa, Dilma e Carlos Alberto de Freitas lembraram que tinham de consultar “as bases” da Colina. As conversas foram interrompidas e retomadas em julho, no mesmo local. Ao final, as duas organizações se fundiram para formar a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR Palmares). “Dilma e Breno temiam que a VPR fosse excessivamente militarista”, afirma Antonio Espinosa. Ele veio da VPR e se tornou um dos comandantes da VAR Palmares. “Ao mesmo tempo, Lamarca e Cláudio temiam que o pessoal do Colina fosse muito assembleísta, estudantil.” A desconfiança era recíproca, mas não era discutida abertamente.

De acordo com os ex-militantes Espinosa e Darcy Rodrigues, a VAR Palmares teve cerca de 700 integrantes ativos em todo o Brasil. Cerca de 200 eram armados. No total, incluídos simpatizantes e apoiadores, a VAR Palmares reunia cerca de 2 mil pessoas espalhadas pelo país. A VAR Palmares durou apenas três meses, mas marcou época com a mais rumorosa ação do período. Em depoimento em abril de 1970, o militante Edmur Péricles de Camargo afirma que, um ano antes, soube da localização de um cofre com dinheiro do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros após uma conversa com um de seus contatos, Gustavo Buarque Schiller, sobrinho de Ana Capriglione, amante de Adhemar. Morto em março de 1969, Adhemar de Barros tinha a fama de ser um dos políticos mais corruptos do país. Em 18 de julho de 1969, 13 militantes da VAR Palmares, liderados por Darcy Rodrigues, invadiram a casa de Ana Capriglione e retiraram o cofre. Os US$ 2,5 milhões em dinheiro vivo, “expropriados” do “cofre do Adhemar”, garantiram tranquilidade financeira à VAR Palmares, que não precisou mais fazer assaltos para se sustentar. Na terminologia da esquerda dos anos 60, expropriação significava “roubo justificado”, como forma de “justiça social”. Metade do dinheiro de Adhemar ficou com o marido de Dilma, Carlos Franklin de Araújo. Não há registros de que Dilma tenha participado diretamente do assalto. Ela sempre disse que alusões a seu envolvimento na ação são “fantasiosas” – a nota que sua assessoria enviou a ÉPOCA repete isso.

Na VAR Palmares, a importância de Dilma cresceu. Em várias partes do processo, ela é elogiada por sua “capacidade intelectual”. “Ela tinha uma formação acima da maioria dos militantes”, afirma Espinosa. Uma das provas da importância de Dilma é sua presença constante nos depoimentos de colegas presos. Dilma é tão citada que, em dado momento do processo, o juiz afirma que “não há (necessi-dade) de especificar sua ação, pois tudo o que foi feito no setor teve a sua atuação direta”.




Entre 1967 e 1970, a estudante Dilma Rousseff combateu a ditadura militar. O que os processos da justiça militar revelam sobre a jovem que se tornou líder de uma das organizações que pegaram em armas contra o governo
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Dilma se destacava sobretudo na parte financeira da VAR Palmares. Em seu depoimento prestado ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), em 26 de fevereiro de 1970, Dilma afirma que recebeu NCr$ 25.000 (cruzeiros novos) para “custeio das despesas iniciais da regional (da VAR) em São Paulo”. Em depoimento, a militante Sônia Lacerda Macedo diz que entregara Cr$ 8.000 (cruzeiros) a Dilma num encontro na Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo. Num relatório, o procurador Eudo Guedes Pereira afirma que Dilma teria recebido, no total, “Cr$ 49.000 da VAR Palmares” de seu marido, Carlos Franklin de Araújo, conhecido como Max. “Ela era do comando nacional. Era responsável por distribuir o dinheiro”, diz Espinosa. Com NCr$ 7.000 e um documento falso em nome de Maria Lúcia Santos, Dilma comprou um Fusca 1966 “bege”, segundo ela. Os valores citados nos depoimentos são confusos, devido à situação econômica do período. A inflação, em alta no final da década de 1960, fez com que o governo cortasse três zeros no cruzeiro em fevereiro de 1967. A moeda passou a se chamar cruzeiro novo. Em maio de 1970, como a inflação não era controlada, o governo novamente cortou três zeros – e a moeda voltou a se chamar cruzeiro. Os valores citados nos depoimentos são de operações feitas pelas organizações entre 1967 e 1970. Assim, todas são em cruzeiros novos. Como muitos depoimentos foram tomados depois de maio de 1970, os militares fizeram a conversão dos valores.

“A VAR Palmares dispunha de um setor de falsificações de documentos, pois até documentos falsos recebeu”, disse Dilma em depoimento ao Dops. Como ela não sabia dirigir, quem conduzia o carro eram colegas como Antonio de Pádua Perosa. Perosa foi preso com Dilma num bar no centro de São Paulo. Em seu depoimento, ele afirmou que “chegou a receber dinheiro roubado de Dilma”. Dilma afirma em depoimento que deu NCr$ 4.000 para Perosa “manter o setor de Imprensa”. O militante José Olavo Leite Ribeiro afirmou que viu Dilma entregar Cr$ 800 a um casal de militantes para pagar aluguel de um aparelho. Dilma disse ainda que entregou NCr$ 1.000 a Leite Ribeiro para “manutenção do setor de Inteligência” da VAR Palmares.

A VAR Palmares durou apenas três meses. Rachou por divergências de orientação
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Entre 1967 e 1970, a estudante Dilma Rousseff combateu a ditadura militar. O que os processos da justiça militar revelam sobre a jovem que se tornou líder de uma das organizações que pegaram em armas contra o governo
Leandro Loyola, Eumano Silva e Leonel Rocha
A aventura da VAR Palmares acabou rápido. Em setembro de 1969, a organização fez um congresso em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Foi montada uma estrutura de segurança para o congresso, realizado no mesmo período em que a polícia procurava os sequestradores do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick. Segundo Espinosa, 36 delegados da organização, “procuradíssimos” pela polícia, se reuniram. Além deles, haveria 14 pessoas encarregadas da guarda na casa e cinco na cozinha. Na estrada de acesso, havia mais militantes em pontos com metralhadoras e radiocomunicadores. “A maioria nem sabia onde estava”, afirma Espinosa. Era praxe das organizações levar os militantes com óculos escuros vedados para manter em segredo a localização de aparelhos.

O esquema em Teresópolis foi mantido durante os 26 dias do congresso. “As discussões começavam às 8 horas da manhã e iam até a noite”, diz Espinosa. “Depois, os grupos de trabalho elaboravam textos.” As discordâncias entre os “foquistas”, que defendiam a luta armada, e os “massistas”, que defendiam a mobilização das massas, (grupo a que Dilma pertencia) levaram ao “racha”. Um grupo ligado a Lamarca preferiu sair e reativar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A maioria ficou na nova organização, agora chamada apenas VAR (Vanguarda Armada Revolucionária). Na saída de Teresópolis, os remanescentes da VAR, cerca de 40 pessoas, foram para um apartamento no Leblon – “enorme, coisa da alta burguesia”, segundo Espinosa. Nesse apartamento, foi eleita a nova direção da VAR. “Éramos eu, Breno, a Dilma, o Max e o Loyola”, afirma Espinosa.

Espinosa “caiu” em novembro. Por pouco tempo, sua posição de liderança foi exercida por Dilma. Ela acabou presa dois meses depois, quando outro militante da VAR, José Olavo Leite Ribeiro, foi levado pelos militares para cumprir seus “pontos”. Um deles era com Dilma e Antonio de Pádua Perosa. Dilma foi presa com documentos falsos, Cr$ 200 na carteira e o Fusca. Ribeiro afirmou, em entrevista a Luiz Maklouf Carvalho, autor do livro Mulheres que foram à luta armada (Editora Globo), que Dilma estava armada. Seria natural que alguém em sua posição de liderança portasse uma arma – e Dilma sabia atirar. “Carregávamos cápsulas de cianeto para tomar em caso de prisão”, diz Espinosa. O auto de apreensão elaborado pelo delegado do Dops Fábio Lessa de Souza Camargo, em 26 de fevereiro de 1970, não menciona nenhuma arma entre o material apreendido com Dilma. Nenhum dos outros documentos do processo faz menção ao fato.

No depoimento prestado à Justiça Militar, Dilma afirma que foi torturada por 22 dias (leia mais na reportagem da página 44). Um depoimento mais extenso, de 19 páginas, foi prestado por Dilma em 26 de fevereiro de 1970, no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Acuada pela tortura, Dilma deu informações que levaram à captura de quatro colegas: João Ruaro, Maria Joana Teles Cubas, Carlos Savério Ferrante e José Vicente Correa, conhecido como Miguel. Eles foram pegos quando os militares levaram Dilma a locais marcados para encontros (“pontos”). Dilma também foi levada pelos militares a aparelhos da VAR. “Dilma bateu à porta da residência do denunciado conhecido como Miguel”, diz o militar Waldevir Martins Ferreira em depoimento prestado em 9 de março de 1971. Quando Ferreira se identificou, Miguel tentou fechar a porta e atirou. Ferreira foi ferido no braço. Miguel e outro militante foram presos. Nos depoimentos posteriores prestados à Justiça Militar, após meses na prisão, Dilma negou a maior parte do que dissera no Dops após as sessões de tortura. Afirma que foi torturada por 22 dias e cita nominalmente o capitão Maurício Lopes Lima, da Operação Bandeirante, como um de seus algozes.

Perseguida, presa e condenada pelos militares há 40 anos, Dilma hoje goza de tratamento especial da Justiça Militar. Recentemente, seu ex-colega Antonio Espinosa foi ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília. Devido a uma polêmica causada por uma entrevista, ele requereu acesso a seu processo por sua militância na VAR Palmares. Ele e Dilma fazem parte do mesmo processo. Por isso, a peça com milhares de páginas faz centenas de menções a Dilma. Espinosa pediu cópias de cerca de 400 páginas. “Elas vieram com o nome da Dilma coberto por tinta preta”, afirma Espinosa. De acordo com a lei, apenas os próprios réus, ou pessoas com uma procuração assinada por eles, podem ter acesso aos processos no STM. Mas apenas o nome de Dilma, entre os nomes de dezenas de outros militantes, foi ocultado das páginas copiadas a pedido de Espinosa. Recentemente, o processo de Dilma foi separado dos demais dentro do STM. Ele está guardado em um armário específico. Os funcionários têm ordens expressas para não fornecê-lo a ninguém.

É uma ironia. Aos olhos dos militares que governavam o Brasil na época, os militantes que optaram pela luta armada nas décadas de 1960 e 1970 podiam ser confundidos com bandidos comuns. Eles assaltaram bancos, lojas e quartéis para obter armas. Também executaram militares e civis. Derrotada na luta armada contra a ditadura, Dilma hoje lidera as pesquisas para as eleições presidenciais e pode ser considerada vencedora numa história difícil de avaliar. No final dos anos 60, a democracia ainda estava longe de ser um valor apreciado na América Latina. A revolução cubana exercia grande apelo entre a juventude – e a opção pela luta ar-mada soava legítima para alguns. “Lutei para ajudar o Brasil a mudar, e mudei com ele”, costuma dizer Dilma. Militantes que pegaram em armas hoje são políticos que exercem o jogo democrático em diversos partidos diferentes. Ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), outra organização de luta armada, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) é candidato ao Senado por São Paulo. Fernando Gabeira (PV), um dos sequestradores do embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick é candidato a governador do Rio. A vida de Dilma, deles e de muitos outros é uma prova de que o Brasil, depois de muito sofrimento, melhorou.

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