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segunda-feira, 26 de julho de 2010

O nebuloso mundo do PAC








Faltam critério, fiscalização e transparência nas isenções de impostos dadas pelo programa que embala a campanha de Dilma à Presidência
Isabel Clemente, com Naiara Lemos
  Reprodução

Lançado no início de 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é considerado uma das principais marcas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PAC é uma coleção de mais de 12 mil projetos que, segundo a propaganda oficial, seriam capazes de alavancar o desempenho da economia brasileira nos próximos anos. Foi lançado como o início de um ciclo de novas e grandes obras, a maioria a ser tocada pela iniciativa privada. O presidente Lula costuma dizer em discursos que, com o PAC, deixará para seu sucessor um país em marcha acelerada para o desenvolvimento.

Dida Sampaio
"Olha o que está escrito aqui: não é nem reforço nem melhoria..."
MÁRCIO ZIMMERMANN, ministro de Minas e Energia

Por causa dessa retórica grandiloquente e pela visibilidade proporcionada por grandes obras, o PAC se converteu rapidamente em um dos pilares da campanha eleitoral da candidata do PT, a ex-ministra Dilma Rousseff. Ainda em 2008, quando era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma começou a ser citada por Lula e ministros como a grande responsável pelo PAC. Em uma solenidade no Rio de Janeiro, em março de 2008, Lula deu a Dilma o título de “mãe do PAC”. Para impulsionar a candidatura de Dilma, enquanto a lei eleitoral permitiu, Lula a levou a várias visitas a obras do programa. A cada quatro meses, Dilma comandava as cerimônias de balanço das obras do PAC. Foi também a estrela do lançamento do PAC 2, no início deste ano. “Para o bem ou para o mal, eu sou a mãe do PAC”, disse Dilma na ocasião.

Para dar impulso ao PAC, o governo federal adotou uma série de medidas. Uma delas foi o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi). Nesse programa, as empresas aprovadas pagam menos impostos em suas obras e passam a engordar a lista de realizações do PAC. O princípio é simples: ao cobrar menos impostos, o governo federal estimularia empresas privadas a investir em novos projetos do programa.

Nos últimos três meses, ÉPOCA examinou a lista de 324 projetos beneficiados pelo Reidi e detectou uma série de distorções em relação aos objetivos iniciais. Em dois anos de funcionamento, o Reidi se mostrou um sistema sem fiscalização, sem transparência e sem controle. Os benefícios do Reidi contemplam obras que já estão prontas, obras desconhecidas até pelo governo, investimentos de empresas estatais e gastos com manutenção de equipamentos. Não há segurança de que as empresas beneficiadas estão cumprindo todas as regras para ter direitos aos incentivos fiscais. O governo também não tem um balanço de quanto as empresas estão investindo nos projetos aprovados.

Pelas regras, podem se beneficiar do Reidi empresas com projetos em energia, saneamento, transporte, dutovias e irrigação. Elas ficam isentas de recolhimento dos impostos do PIS/Cofins em toda compra de equipamentos, material e serviços para investimentos nas obras aprovadas. Funciona assim: uma vez no Reidi, a dona da obra tem direito a comprar materiais e serviços e até aluguel de máquinas sem PIS/Cofins. Quem vende deixa de recolher os tributos, e a dona da obra gasta menos.

O governo abre mão de recursos hoje contando com os impostos que a dona da obra pagará quando seu projeto estiver pronto. Quem não tem o privilégio do Reidi compra com PIS/Cofins mesmo e se vira para usar depois um crédito sem correção. Perde dinheiro.

De acordo com as regras da Receita Federal, quem entra no Reidi pode usufruir o benefício por cinco anos ou até o fim do projeto. A partir daí, a empresa tem dez dias para pedir o desligamento do Reidi, sob pena de ser multada. Mas ÉPOCA encontrou pelo menos 35 empreendimentos concluídos – alguns citados no balanço periódico do PAC – que ainda estão incluídos no Reidi. Um desses projetos é a hidrelétrica Barra do Braúna, em Minas Gerais. Ela está pronta, produzindo energia desde o início do ano. Mas, pela lei, seus fornecedores ainda podem usar o Reidi e pagar menos PIS/Cofins. A Brookfield, dona do empreendimento, afirma que, encerrados os investimentos, a empresa não usufruiu mais a isenção. Segundo a Brookfield, por causa disso, não havia necessidade de pedir para sair do regime.

O Ministério de Minas e Energia joga para a Receita Federal a responsabilidade de acompanhamento das obras enquadradas no Reidi. “O fiscal da Receita tem de ver se a obra está concluída”, afirma o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa. “Não é porque ela não foi desabilitada que ela continua se beneficiando. Pode ser que sim, pode ser que não.” A Receita Federal afirma que empresas com projetos executados que não tenham pedido desligamento do Reidi poderão ser multadas. “Mas isso só poderá ser verificado em um procedimento de fiscalização nas empresas”, diz a Receita em nota.

A Receita Federal também teria de fiscalizar a regra básica do Reidi: se determinado material, beneficiado com o pagamento de menos impostos, teria sido realmente destinado a determinada obra. Precisaria também observar se a fornecedora não está usando o material comprado com isenção para outras obras, fora do PAC. “Vejo uma enorme dificuldade em controlar a origem e a destinação dos bens que são usados especificamente para os projetos contemplados”, diz o ex-auditor da Receita Federal e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli. “Fiscalizar isso é impossível”, diz Everardo Maciel, que comandou a Receita Federal durante o governo Fernando Henrique Cardoso. “A Receita não tem estrutura para isso.”

Ao justificar a criação do Reidi, o Ministério da Fazenda disse que os incentivos fiscais eram necessários para atrair novos investimentos privados. O governo federal tem estendido, porém, os benefícios do programa a obras do PAC que já estavam em pleno andamento. É o caso da construção da hidrelétrica de Estreito, no Rio Tocantins, na divisa entre os Estados do Tocantins e do Maranhão. Trata-se de um empreendimento privado de R$ 3,6 bilhões, cujo contrato de concessão foi assinado em 2002. As empresas que compõem o consórcio construtor – Suez, Alcoa, Camargo Corrêa e Vale – estiveram entre as primeiras a pedir enquadramento no Reidi, em meados de 2008.

Qual é a lógica de dar isenção a uma obra em curso? O Ministério da Fazenda diz que a medida faz parte de uma política para diminuir os custos dos impostos nos investimentos. Porém, na opinião do economista Adriano Pires, dono de uma consultoria privada na área de infraestrutura, “dar isenção a obra em andamento só tem lógica eleitoral”. No caso da hidrelétrica de Estreito, como todas as empresas precisavam estar habilitadas para ter direito aos incentivos, o processo junto à Receita só terminou no final de 2009, quando “grande parte das compras já tinha sido feita”, diz o consórcio da obra. Por essa razão, o Reidi teria sido pouco usado no empreendimento.

Weberson Dias
Hidrelétrica de Estreito

De quem é: Suez, Vale, Alcoa e Camargo Corrêa
Onde fica: na divisa do Maranhão com o Tocantins
Investimento: R$ 3,6 bilhões
Quando entrou no regime de incentivo: dezembro de 2009
Por que não faz sentido: a obra já estava em andamento

João Gabriel B. Meneghile
Hidrelétrica Barra do Braúna

De quem é: Brookfield Energética
Onde fica: Minas Gerais
Investimento: R$ 180 milhões
Quando entrou no regime de incentivo: maio de 2009
Por que não faz sentido: mesmo concluída, a obra continua inscrita no programa


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