O Flamengo tem mais de 33 milhões de torcedores no Brasil. Seu goleiro Bruno, de 1,91 metro, é ídolo e o capitão do time. Afastado pelo clube como suspeito do sumiço da namorada, Bruno “torce para que ela possa aparecer viva”. Todos nós torcemos para que Eliza não esteja morta. Que esteja sã e salva, especialmente pelo bem de Bruninho, de 4 meses, filho dela e talvez dele. Se Eliza tiver sumido para sempre, o que começou como romance clandestino pode ficar inscrito como mais uma violência inadmissível contra uma mulher, com base na certeza da impunidade.
Os risos de Bruno em treinos na semana passada me chocaram. Bruno está rindo de quê? Se o objetivo foi aparentar tranquilidade, a mim pareceu insensibilidade. Afinal, a ex-namorada saiu do Rio de Janeiro com o amigo pessoal de Bruno, o Macarrão, para ir a Minas Gerais ao encontro do goleiro rubro-negro. O bebê, até hoje não reconhecido por Bruno, foi entregue por Macarrão ao goleiro e a sua mulher oficial, Dayanne, no sítio mineiro. Ninguém registrou o sumiço de Eliza. O bebê ficou escondido, a mulher de Bruno mentiu para a polícia e tentou se livrar da criança, passando Bruninho para desconhecidos com a ajuda de amigos do marido. O caseiro afirmou que Bruno e Eliza estiveram juntos nos dias 8 e 9 de junho, desmentindo a versão do atleta de que o último encontro teria sido “há dois, três meses”.
É para rir?
Eu me pergunto qual deve ser a atitude do Flamengo, presidido por uma mulher, Patrícia Amorim. É bom para a imagem do clube permitir que Bruno use o campo de treinamento como palco para se defender? Mesmo acreditando na inocência dele?
O caso é obscuro, há muitas contradições. A reportagem que começa na página 82 mostra quem são os personagens e o que falta esclarecer. Não se pode culpar Bruno sem provas. Ele diz que a ex-namorada sumiu para resolver “questões pessoais” e está viva. Os fãs que o aplaudem no Maracanã estão na torcida.
Qualquer que seja o desfecho, algumas coisas ficam dolorosamente claras. É uma batalha quase perdida neste país confrontar o poder de quem tem dinheiro e prestígio – se quem protestar for uma anônima qualquer. O suspeito – ou réu – pode ser um senador, um diretor de jornal ou o goleiro do time mais popular do país, com salário mensal de R$ 300 mil e histórico de brigas e infrações por excesso de velocidade. Eles costumam estar acima do bem e do mal. Não são pessoas comuns.
Neste caso, um dos incidentes estarrecedores aconteceu no ano passado. Eliza, grávida de cinco meses, foi à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, no Rio, denunciar Bruno por agressão, ameaça de morte e tentativa de obrigá-la a abortar. Gravou um vídeo para o jornal carioca Extra: “Ele me deu dois bofetões... Enfiou uma arma na minha cabeça... E me disse: ‘Sou frio e calculista. Vou deixar a poeira baixar e vou atrás de você. Se eu te matar e te jogar em qualquer lugar, as pessoas nunca vão descobrir que fui eu’”. Eliza pode ter inventado tudo isso, não? Tudo não. Bofetões foram comprovados em exame de corpo de delito. E, segundo peritos, “substância abortiva” foi encontrada na urina da jovem.
Um laudo que normalmente sai em 72 horas demora mais de oito meses para ficar pronto? Eu queria saber de que adianta uma mulher ir a uma delegacia de proteção à mulher no Brasil.
O caso repercutiu na ONU. O Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) achou exagerado o número de “tramas cruéis” contra mulheres no Brasil. Além do sumiço de Eliza, citou o assassinato da advogada Mercia Nakashima, de 28 anos. Seu corpo foi encontrado no mês passado numa represa no interior de São Paulo e o principal suspeito é o ex-namorado. No Rio, na semana passada, uma psiquiatra concluiu que outro Bruno (Kligierman) estava “inteiramente capaz” quando estrangulou a estudante Bárbara Calazans, de 18 anos, no ano passado.
Não sabemos se o goleiro Bruno é inocente ou culpado. “Deixei nas mãos de Deus, Deus sabe o que faz”, disse ele. Nesse mistério, o único Bruno sem dúvida inocente tem 4 meses de idade. Sua certidão indica “pai desconhecido”. O jogador de futebol temente a Deus poderia concordar em fazer exame de paternidade. Não precisa esperar Eliza reaparecer.