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sábado, 26 de junho de 2010

Um atalho virtual para o reencontro



Como um banco de dados on-line, montado por um publicitário, tornou-se uma poderosa ferramenta para achar pessoas desaparecidas
LUCIANA VICÁRIA
Rogério Cassimiro
ENCONTRO
Mandis, no centro de Santos, no litoral paulista. Seu site ajudou a localizar 1.500 pessoas

   Reprodução

O publicitário santista Styliano Mandis Junior, de 35 anos, é uma espécie de anjo da guarda da internet. Criador do maior cadastro eletrônico de desaparecidos do país, ele tem sob seus cuidados o perfil de 26.017 brasileiros. Nele constam o nome, a cor dos olhos e onde cada um dos desaparecidos foi visto pela última vez. Mandis já se emocionou com a saga de mães à procura de seus filhos e com o relato de famílias que se perderam pelo país. São milhares de histórias em busca de um final feliz em desapareceu.org. Mandis tem registro de 1.500 pessoas localizadas por meio do site, mas estima que o número verdadeiro esteja em torno de 2 mil. “As pessoas são localizadas, mas não nos contam”, diz ele.

Há sete anos, quando criou o site, Mandis sabia pouco de programação, mas o suficiente, segundo ele, para criar um banco de dados público e gratuito de pessoas desaparecidas. Sua iniciativa foi uma resposta a outros sites que cobravam para publicar fotos de pessoas desaparecidas. “Fiquei inconformado e resolvi criar uma alternativa”, afirma. Correntes de e-mails passaram a divulgar o desapareceu.org. e, em pouco tempo, Mandis tinha em suas mãos o maior cadastro desse tipo do país.

As histórias de reencontro surgiram quase que instantaneamente. A brasileira Cleonice da Cunha, de 45 anos, que mora em Nova Jersey, nos Estados Unidos, localizou o pai, Eurides Pereira da Silva, de 74, em Rio Grande da Serra, região metropolitana de São Paulo. Eles não se viam havia 40 anos. O pai, um lavrador humilde, abandonou a mulher e os três filhos pequenos. As crianças viveram em um orfanato boa parte da vida. A mãe já morreu. Quando Eurides foi procurar as crianças, elas não estavam mais lá. Cleonice nunca desistiu de encontrá-lo. Prencheu um cadastro com os dados do pai no desapareceu.org e passou a receber ajuda de pessoas anônimas. As pistas chegavam por e-mail. O reencontro aconteceu há cinco anos.

Os “desaparecidos de Mandis”, como ficou conhecido o serviço, está cheio de relatos como o de Cleonice. São histórias de filhos adotivos em busca de pais biológicos e, principalmente, parentes perdidos pelo Brasil. Não são aqueles casos de rapto ou desaparecimento que vão parar na polícia. A empregada doméstica Ana Souza, de 42 anos, procura seus dois irmãos. “José foi trabalhar no Tocantins, Fátima se mudou com a patroa para Pernambuco”, diz. Com o tempo, acabou perdendo o contato. “Meus irmãos são os únicos parentes vivos.” Encontrá-los, para ela, seria resgatar o passado e dar sentido à vida. “Tenho fé que estaremos juntos um dia, toda a família”, afirma. Os irmãos de Ana são pardos como boa parte dos brasileiros, têm olhos e cabelos negros e nomes comuns. Não há fotos e poucas pistas de onde possam estar. “O trabalho fica mais difícil com informações tão restritas”, afirma Mandis. Mesmo assim, distritos policiais de cinco Estados brasileiros recomendam o desapareceu.org. “Além de sério, o cadastro do site é nacional. Vai mais longe do que a gente consegue chegar”, diz o delegado Paulo Torres, de Biritinga, interior da Bahia.

O sucesso do desapareceu.org se explica por duas razões. A primeira é sua simplicidade: basta preencher uma ficha com os dados da pessoa desaparecida e deixar um e-mail para contato. Há espaço para imagens, mas há poucas delas. As famílias dos desaparecidos em geral não têm fotos recentes. O cadastro fica on-line 24 horas e recebe mensagens. As pistas surgem dos internautas, gente que visita o site apenas por curiosidade. Mandis também tem a ajuda de voluntários que dedicam parte de seu tempo à busca de desaparecidos. “Eles vasculham redes sociais à procura de pistas”, diz Mandis.

A outra razão para o desapareceu.org ter dado certo é a forma como foi construído. Mandis deu a cada nome de sua lista de desaparecidos o status de palavra-chave no Google. Isso significa que, cada vez que alguém der busca por um desses nomes, será remetido rapidamente ao site desapareceu.org. É assim que pessoas que estão sendo procuradas (ou aqueles que as conhecem) estabelecem contato: digitam o nome na internet e o descobrem na lista de procurados.

O sucesso do desapareceu.org levou o publicitário a envolver-se com a internet. Mandis tem hoje 34 sites. São dez de ajuda social (.org) e outros 24 comerciais, que rendem pouco mais de R$ 2 mil por mês. Diz que a manutenção do desapareceu.org custa R$ 75 por mês. Sozinho, num quarto de seu apartamento, trabalha cerca de 12 horas por dia. Quatro telefones tocam, às vezes ao mesmo tempo. Recebe mais de 100 e-mails por dia de pessoas em busca de contato.

Mandis não tem desaparecidos na família. “Mas é como se tivesse”, diz. Inevitavelmente, se envolve com as histórias. “Sofro e vibro com eles.” Tranquilo, diverte-se em casa com seus peixes e sua cadela beagle Kelly, mas se revolta com falsos detetives que tentam tirar dinheiro das famílias de desaparecidos. “Fico louco”, afirma ele. Mandis foi cantor de rap na adolescência, mas agora se prepara para uma vida calma. Está de casamento marcado para o ano que vem. Quando pergunto sobre o impacto do site que ele criou, desconversa. “Fiz pouco, só criei uma ferramenta”, diz. Se todos fizessem pouco como ele, o mundo seria um lugar melhor.

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