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segunda-feira, 29 de março de 2010

Cuba, o prazo da revolução venceu


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Lembra-se do "cheguei até aqui", a frase com que o último comunista entre os notáveis, o Nobel José Saramago, despediu-se do apoio incondicional a Cuba, faz sete anos?

Naquele momento, Saramago protestava contra o fuzilamento de dissidentes e escrevia, para o jornal espanhol "El País": "Cuba não ganhou nenhuma batalha heroica fuzilando esses três homens, mas perdeu minha confiança, quebrou minhas esperanças, traiu meus sonhos. Cheguei até aqui".

Não muito depois, o escritor português amenizou algo o seu amargor, ao afirmar não ter rompido com Cuba, para acrescentar: "Continuo sendo um amigo de Cuba, mas me reservo do direito de dizer o que penso, e de dizê-lo quando achar que devo dizê-lo".

Pois bem: agora, é a vez de outro amigo famoso da revolução cubana dizer o mesmo que Saramago. Chama-se Silvio Rodríguez, uma espécie de Chico Buarque de Hollanda cubano, uma das principais vozes da revolução. Na sexta-feira, o "cantautor" propôs derrubar a letra "r" da palavra "revolução", para deixar apenas o que sobra, ou seja, "evolução".

Bela e elegante maneira de fazer o seu "cheguei até aqui" e de dizer que, agora, é hora de "revisar montões de coisas, montões de conceitos, até instituições".

Silvio Rodríguez tocou até no grande tabu da revolução --e de toda a esquerda--, ao dizer que é "mentira" culpar o embargo norte-americano por tudo o de ruim que aconteceu e acontece a Cuba. "Nós sabemos que temos culpa também e creio que vamos ser melhores e vamos ser maiores se o reconhecermos".

Como se vê, trata-se da crítica de um revolucionário, que não renega a revolução, mas é capaz de ver defeitos nela, como é natural que existam em toda obra humana. Afinal, como disse recentemente o outro grande músico cubano, Pablo Milanés, é necessária "outra revolução" porque "o sol enorme que nasceu em 1959 [o ano do triunfo de Fidel Castro e os seus guerrilheiros] se encheu de manchas, ao ficar velho".

Pois é. O prazo de validade da revolução venceu, na visão até de seus amigos, cubanos ou não. Quando será que os amigos brasileiros de Cuba terão a decência e a coragem de apontar as manchas no seu "sol enorme"?

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".





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