31 de março de 2010
Por Mirella D’Elia
A defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá poderá explorar uma brecha jurídica para tentar livrar o casal da cadeia - pelo menos até que a Justiça dê a palavra final sobre a acusação que pesa contra eles: o assassinato de Isabella Nardoni, há dois anos. No julgamento encerrado na madrugada do último sábado, o pai e a madrasta da menina foram condenados a 31 anos e 26 anos de cadeia, respectivamente. Desde que a sentença do juiz Maurício Fossen foi anunciada, os defensores do casal articulam uma estratégia para tirá-los da prisão.
Entre as alternativas mais comentadas está o chamado protesto por novo júri. A defesa alega que, na data em que Isabella foi morta, 29 de março de 2008, a legislação previa novo julgamento em caso de condenação superior a 20 anos. "O protesto era praticamente automático", sustenta o advogado Ricardo Martins, um dos defensores.
As chances de sucesso do recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) são consideradas remotas, até por quem está do lado de Nardoni e Jatobá. Mas um detalhe que passou despercebido pode ser usado como trunfo pela defesa. Ao negar a liberdade e manter a prisão preventiva dos acusados, o magistrado disse que isso era necessário "para a garantia da ordem pública". Fossen citou, entre outros precedentes, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) para embasar a sentença.
O que não foi dito por Fossen é que o STF decidiu, no ano passado, que condenados podem recorrer em liberdade. E que eles só devem começar a cumprir pena quando a sentença transitar em julgado - o que, no jargão jurídico, significa: os condenados só irão para a cadeia após esgotadas todas as possibilidades de recurso.
O chefe dos defensores, Roberto Podval, estava atento à firula jurídica. E preferiu não fazer barulho na hora em que a sentença foi proclamada. "Diante daquele clamor popular, se o juiz condena e solta (o casal Nardoni), invadiriam o fórum", avalia. Isso pesou na decisão de adiar o recurso. A VEJA.com, o advogado admite que estuda usar o argumento para recorrer da sentença. "Isso certamente estará entre as questões discutidas", garante.
Caso Farah - A pendenga só vai chegar ao Supremo se houver decisões desfavoráveis ao casal no TJ e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Então, se o caso chegar ao STF, há chance de o casal Nardoni conquistar a liberdade. Além de assegurar a condenados em primeira e segunda instâncias a possibilidade de recorrer em liberdade, o STF já fixou um entendimento: é vedada a prisão preventiva que não estiver fundamentada em fatos objetivos e concretos.
Em outras palavras, o tribunal definiu que é preciso comprovar, por exemplo, que o réu tem que ficar preso para não continuar praticando crimes. E que, solto, atrapalharia o andamento do processo, ameaçando testemunhas e destruindo provas - ou até fugindo. "A prisão preventiva para a garantia da ordem pública, fundada na gravidade do delito e na necessidade de acautelar o meio social, não encontra respaldo na jurisprudência deste Tribunal", disse o ministro Gilmar Mendes, do STF, em julgamento de maio de 2007.
"Certamente os advogados vão tentar um habeas corpus para derrubar a sentença", disse um ministro do STF. "Não existe no Brasil a execução antecipada da pena. Enquanto pender recurso, a regra é a liberdade. A não ser que o juiz fundamente a decisão", completou o magistrado.
O caso em pauta era tão rumoroso quanto a morte de Isabella Nardoni. Na ocasião, o Supremo mandou soltar o cirurgião plástico Farah Jorge Farah, acusado pela morte e esquartejamento da paciente e ex-amante Maria do Carmo Alves, em 2003. Em abril de 2008, ele foi condenado a 13 anos de prisão. Segundo Mendes, que foi relator do caso, as "únicas afirmações ou adjetivações" utilizadas para determinar a prisão preventiva de Farah estavam pautadas "no modus operandi da prática criminosa imputada ao paciente [ao médico] e na comoção social que a gravidade do delito causou na sociedade paulistana".
Réu confesso, Farah está solto até agora. Amparado pelo habeas corpus concedido pelo Supremo, aguarda a decisão de recursos que ainda correm em Brasília. Por coincidência, Roberto Podval também atua no caso.Liberdade, até o último recurso
A posição do STF sobre o direito ao recurso de condenados
Em fevereiro de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu a condenados o direito de recorrer em liberdade, ao estabelecer que a pena de prisão só pode começar a ser cumprida quando não houver mais possibilidade de recurso. Na época, os ministros decidiram conceder habeas corpus a um fazendeiro condenado a sete anos e meio de prisão por tentativa de homicídio, que alegava que a decisão seria ilegal até que fosse confirmada pela Suprema Corte. Prevaleceu a tese de que, antes de esgotadas as possibilidades de recurso, a prisão contrariaria o artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A composição do Supremo à época era praticamente a mesma de hoje: Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello votaram pela concessão do habeas corpus. Joaquim Barbosa, Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ellen Gracie tiveram opinião contrária. A única alteração no grupo se deu após a morte de Direito, em 2009, que foi substituído por José Antonio Dias Toffoli. |