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terça-feira, 21 de abril de 2009

Como evitar a auto-sabotagem






Em entrevista, o psicanalista americano Stanley Rosner revela como funcionam os ciclos negativos de repetição, que levam a problemas no casamento, na relação com pais e filhos e no trabalho, e conta a história de alguns de seus pacientes
Martha Mendonça

Todos os seres humanos têm padrões de repetição - a maioria, irracionais. Alguns calçam o pé direito sempre antes do esquerdo, ou vice-versa, outros sempre dão topadas nas mesmas quinas dos móveis ou gostam de comer determinados alimentos antes de outros. Quando são acontecimentos corriqueiros, não há grande importância. O problema é quando a repetição é destrutiva. “São compulsões que levam indivíduos à beira da loucura e destroem vidas - as suas próprias e as de outros”, diz o psicanalista freudiano americano Stanley Rosner. Com quarenta anos de experiência, Rosner detectou esse tipo de comportamento em muitos de seus pacientes e agora, em co-autoria com a escritora americana Patrícia Hermes, lança O ciclo da auto-sabotagem (ed. Best Seller). O livro, que acaba de ser lançado e já esgotou a primeira edição, explica o que são e de onde vêm tais atitudes, que se manifestam no casamento, entre pais e filhos ou no trabalho. Também traz relatos de muitas histórias de pacientes que tiveram parte importante de suas vidas desperdiçadas pela insistência em agir em ciclos negativos. Rosner sugere a terapia como única forma de estancar a auto-sabotagem. Veja a entrevista do psicanalista e alguns trechos do livro:

ÉPOCA - O que é o ciclo da auto-sabotagem?
Stanley Rosner - É a tendência a se repetir, indefinidamente, atitudes destrutivas. É claro que a maioria das pessoas não percebe o que faz. Prefere acreditar que a insatisfação é apenas fruto de algo externo. E essa negação faz com que ela siga em frente, sempre sofrendo. Pode se manifestar em absolutamente todos os aspectos da vida: no namoro, no casamento, na criação de filhos, na escola, no trabalho.

ÉPOCA - Em que situações a auto-sabotagem acontece?
Rosner - No casamento, por exemplo, que é um espaço de luta de poder e desejos, é comum o marido ou a esposa deixar o outro controlar, dominar e punir, enquanto o outro simplesmente age de forma que esse controle e essa dominação cresçam ainda mais. Ambos seguem um acordo silencioso, não importando se ele traz culpa ou dor. Também é muito frequente uma pessoa casar várias vezes e, apesar de os parceiros serem absolutamente diferentes, criar situações e problemas idênticos com todos eles. Qualquer um pode perceber que um padrão está sendo repetido - menos ela própria. Outro ponto: em meus pacientes de terapia de casais, costumo encontrar semelhanças entre cônjuges e seus pais. E o paciente se assemelha com quem ele mais teve dificuldades: o pai frio e distante deu origem ao marido insensível. É a representação de uma relação mal-resolvida do passado.

ÉPOCA - A infância é, então, a origem dessas repetições?
Rosner - Sim, é basicamente na relação entre pais e filho que se constroem esses padrões. É de traumas, grandes ou pequenos, do começo de nossas vidas que isso tudo nasce. De um sentimento de abandono, nasce a crença de que se aquilo for repetido, as coisas serão transformadas. Tudo é inconsciente, é claro.

ÉPOCA - O divórcio dos pais faz com que as crianças tenham dificuldades emocionais no futuro?
Rosner - Não o divórcio em si. Mas se o divórcio é complicado e, principalmente, se a criança é usada como uma bola de futebol neste processo, isso deverá, sim, acarretar problemas mais tarde. O mesmo se os pais ficam anos falando mal um do outro na frente da criança. Tudo que quebra a confiança e a segurança de uma criança pode fazê-la ter dificuldades emocionais na vida adulta.

ÉPOCA - Quais são os casos mais comuns de auto-sabotagem no trabalho?
Rosner - Todos conhecemos alguém que pula de emprego em emprego e está sempre culpando um chefe ou os colegas. Nos novos empregos há sempre problemas semelhantes aos anteriores. Isso é porque o relacionamento interpessoal é um fator muito importante no trabalho - tanto quanto dedicação ou competência. As percepções das pessoas no local de trabalho muitas vezes são distorcidas por relações mal resolvidas do passado, da mesma forma que no casamento. Vê-se um chefe como o pai severo ou uma colega como a irmã competitiva. A auto-sabotagem nasce daí: questiona-se a autoridade do chefe, negligencia-se uma meta, começa-se a chegar a atrasado. Como forma de combater inconscientemente algo do passado que ainda nos atormenta.

ÉPOCA - Como controlar a auto-sabotagem?
Rosner - Evitar essas repetições destrutivas é muito difícil, porque elas estão consolidadas em nosso inconsciente desde muito cedo. Uma pessoa pode até perceber sua compulsão em agir daquela maneira e, a partir disso, acreditar que poderá controlar-se da próxima vez. E mais uma vez ela age destrutivamente e crê que na próxima ela evitará e assim por diante. Por isso eu digo que estar ciente de seu padrão de repetições é extremamente importante, eu diria que é o primeiro passo. Mas o caminho para estancar esse comportamento é ir de encontro ao trauma que está na raiz de tudo. Enfrentar esta tristeza.

ÉPOCA - O senhor diz em seu livro que o caminho é a terapia. Por que?
Rosner - Muitos pacientes iniciantes agem como se tivessem nascido ontem e se recusam a falar do passado. Acham que é no presente que está a resolução de seu problema. Aos poucos vão percebendo que é preciso voltar no tempo para interromper o ciclo. A chave está na origem dos conflitos.



Trechos do livro relevam a história de auto-sabotagem de alguns dos pacientes de Rosner

"Sally e Mark estavam casados há 10 anos. Não tinham filhos. Mark era instruído, mas não ganhava muito. (...) Sally, por outro lado, ocupava um cargo de responsabilidade havia bastante tempo. Conseguia bons relatórios anuais de desempenho, era agraciada com bônus e recebia um bom salário. Quando vieram até mim, ela se apresentou como uma pessoa dotada de autoconfiança e independência. Estava brava e acusava Mark de não contribuir de modo apropriado para a família. (...) O que começou a sobressair rapidamente foi que Sally na verdade era insegura. Ela não se sentia merecedora da posição que ocupava. Pedia que Mark a ajudasse na pesquisa ou nos cálculos necessários para solucionar os problemas de seus projetos. Mark estava sempre disposto a ajudar e era bastante eficiente. (...) Mas Sally se ressentia disso. Ela se ressentia de lhe pedir ajuda, de ser ajudada. Precisar da ajuda de Mark era algo que a humilhava. (...) Mark se sentia em apuros. Recebia mensagens contraditórias de Sally. Por um lado, estava sendo chamado a ajudar. Quando ajudava, ela ficava com raiva. (...) Era combativa em sua necessidade de ser independente, mas, quando não conseguia, sentia-se enfraquecida e vulnerável e pedia ajuda, e...sim, era um círculo vicioso. (...) Sally havia me dito logo no começo: não queria ser como sua mãe. A mãe era uma mulher brava. Sentia raiva por ter marido e filhos que precisavam dela. Como mãe, cedia, porque sentia que precisava fazer isso, mas depois se ressentia e se afastava daqueles que se agarravam a ela. Sally estava se comportando tal qual a mãe. Ela, assim como a mãe, precisava preservar a imagem de pessoa competente e independente que construíra - porque vulnerabilidade signfiicava se machucar. Mark se tornou a mãe de Sally - ajudava quando ela pedia, mas Sally recriou o enredo no qual pedir ajuda equivalia a ser rejeitada depois.”

"Louis era um quarentão, um homem de negócios que aparentava ser bem casado, o pai de um 'grande garoto', como chamava o filho de 10 anos, bem sucedido na vida pessoal e profissional. Mas me procurou porque estava inquieto, pensando no sentido da vida. E, como revelou depois de algumas sessões, estava tendo um caso com uma mulher que, admitiu, não amava. Mas, mesmo sem amá-la, estava prestes a deixar sua família. Ele não entendia o próprio comportamento, mas sabia que algo estava errado. (...) O que se manifestou nas sessões seguintes produziu forte impacto - não necessariamente em mim, mas em Louis. Ao conversar, ele revelou que o pai havia abandonado a família quando ele tinha a mesma idade do filho - 10 anos. Além disso, o avô paterno de Louis também largou a família quando o filho tinha 10 anos. Tudo isso ficou arquivado na mente de Louis, mas sem nenhuma conexão. Somente quando chamei sua atenção para a idade dos meninos, ele disse: “Você acha que estou agindo da mesma maneira?”

"Eric tinha 50 anos, era obeso e deprimido, e se sentia impotente e desanimado. Disse que a última vez que se sentira bem consigo mesmo foi quando esteve internado por um mês numa famosa clínica. Perdeu 14 quilos. Depois que saiu da clínica, engordou novamente, perdeu o emprego e passou a se sentir desamparado. Os sentimento depressivos sempre estiveram presentes, mas ficaram mais intensos depois de divorciar-se da esposa com quem esteve casado por quinze anos. Segundo ele, 'me contentei com ela. Nunca pensei que alguém me quisesse'. (...) Os pais se divorciaram quando ele tinha 13 anos e ele nunca questionou seus sentimentos em relação a isso. Disse que as brigas dos dois o fizeram pessimista, sempre esperando pelo pior. Ainda adolescente, perdeu a fé e a confiança nos pais, que não sabiam o que queriam. Tornou-se independente deles, embora precisasse de orientação e direção. 'As coisas entram no meu caminho e me impedem de fazer o que quero', disse Eric. (...) Ele era extremamente carente e jamais assumia a responsabilidade por sua situação e por seus atos. Na relação terapêutica, ele reeditava o conflito básico entre querer alguém que lhe dissesse o que fazer e querer fazer as coisas a seu modo. Ele tomou alguma medidas para emagrecer: clínicas e psicoterapia. Mas minava cada um desses esforços. (...) A falta de confiança na habilidade de manter a própria vida sob controle tornou-se clara quando optou por um procedimento cirúrgico que tiraria de suas mãos a responsabilidade por si mesmo - uma operação de redução do estômago."

"Lembro-me de uma jovem e atraente mulher, Cory, que foi ao consultório com uma preocupação bastante prática. Ela queria que eu a ajudasse a organizar seu tempo, suas tarefas. Elas queria estruturar sua vida profissional. Parecia um pedido singular para uma mulher jovem, brilhante e capaz. Cory cursara uma ótima faculdade de Direito e conseguira o emprego, depois de uma rigorosa seleção, em uma grande e prestigiada firma de advocacia. Mas logo começou a enfrentar dificuldades em cumprir cronogramas e priorizar seu tempo. (...) Saiu do emprego. Abriu sua própria forma de advocacia, mas estava com os mesmos problemas que enfrentara. Quando tentei investigar mais profundamente sua história, ela se impacientou: 'Só quero me ater ao problema que tenho aqui e agora', disse. (...) Mas logo ficou claro que ela estava sabotando a si mesma. O pai havia decidido transformá-la em alguém bem-sucedido, o filho que ele não teve. E, embora tudo levasse a crer que era aquilo que Cory desejava para si, não era este o caso. Cory tinha outros objetivos, inclusive alguns que só conseguiu perceber depois de muitas sessões.(...) Os conflitos do passado não haviam sido resolvidos. Cory e a figura internalizada do pai ainda estavam brigando, numa triste repetição do que tinha começado bem antes."

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