[Valid Atom 1.0]

sábado, 1 de novembro de 2008

“Veremos quem lida melhor com a crise”


Dilma Rousseff -
A ministra diz que o governo Lula mostrará até 2010 que teve mais competência que a oposição na economia
Ricardo AmaralfonteTxt=Ricardo Amaral

Desde que os efeitos da crise financeira global começaram a chegar ao país, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, passou a fazer jornada dupla. Além de coordenar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), acompanha de perto a elaboração e os resultados de cada uma das últimas medidas da área econômica. Dilma Rousseff é o nome preferido, mas ainda não declarado, do presidente Lula para disputar a sucessão em 2010, quando os efeitos da crise serão avaliados pelo eleitor. Na quinta-feira, depois de divulgar um balanço do PAC, a ministra recebeu ÉPOCA para esta entrevista. Ela aposta que o governo Lula vai se sair melhor que o anterior, de Fernando Henrique Cardoso, no enfrentamento da crise e no julgamento das urnas.


ENTREVISTA - Dilma Rousseff
Anderson Schneider

QUEM É
Economista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 60 anos, a chefe da Casa Civil da Presidência é a principal auxiliar do presidente Lula

O QUE ESTUDOU
É a gerente do principal plano do governo Lula no segundo mandato: o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

O QUE FEZ
Foi ministra de Minas e Energia. Também foi secretária de Energia no Rio Grande do Sul

ÉPOCA – Os efeitos da crise econômica vão prejudicar o candidato do governo ao Planalto em 2010?
Dilma Rousseff –
Vou dizer o que espero de 2010 e acredito que meus companheiros de governo também esperam: que o povo reconheça o esforço feito por este governo para mudar as condições de desenvolvimento, fazer o país crescer e incluir milhões de brasileiros. A característica principal deste governo é que aumentamos a classe média brasileira em quase 20 milhões de pessoas, resgatamos da pobreza mais de 10 milhões de brasileiros. O governo será avaliado pelo que é.

ÉPOCA – Mas a crise será um componente dessa avaliação em 2010.
Dilma –
Tenho certeza de que esse componente será favorável ao governo, na visão do povo. Estamos mostrando que sabemos governar na hora mais difícil. Até lá, veremos quem sabe lidar melhor com a crise.

ÉPOCA – A senhora não acha que ela favorece a oposição?
Dilma –
Só se fosse uma oposição contra o Brasil. Como a crise pode favorecer a oposição, se ela é contra o país, se o governo está tomando as medidas para enfrentá-la? Desde 2003, construímos as condições para ter o melhor desempenho que este país já teve diante de uma crise dessa proporção. Quando começamos a acumular reservas, muita gente criticou, diziam que estávamos loucos. Isso foi possível porque mantivemos a inflação sob controle, fizemos superávit primário (a economia entre a arrecadação de impostos e os gastos do governo), enviamos ao Congresso as medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Foi isso que nos permitiu tomar as medidas preventivas agora.

ÉPOCA – O país foi abalado pelas crises no governo Fernando Henrique. Por que não seria no governo Lula?


Dilma –
Há muita gente achando que o Brasil hoje é o mesmo país de antes de 2003, quando ocorreram crises até pequenas se comparadas à atual. Eram crises de bilhões de dólares. A atual é de trilhões. Essas pessoas apostam que o governo vai falir, como faliu naquele período. Mas não vai. Naquela época, se havia crise, o governo quebrava, porque a dívida pública estava denominada em dólares e explodia. Não havia reservas suficientes e tinham de recorrer ao FMI e adotar políticas extremamente restritivas, ampliando a recessão que a própria crise já trazia. Naquela época, as crises implicavam uma apatia do governo. Ele estava quebrado, não tinha instrumental para agir e acabava realimentando a crise. Hoje, é completamente diferente: para começar, o governo não quebrou.

ÉPOCA – E por que não quebrou? Quais são as diferenças?
Dilma –
A primeira grande diferença é nossa robustez macroeconômica. Temos a inflação sob controle, as contas externas são robustas, acumulamos US$ 215 bilhões em reservas. Estamos fazendo um superávit primário maior até que a meta estabelecida. Fizemos superávits durante todo esse período. Apostamos no crescimento do mercado interno. A economia brasileira tem hoje mais condição de sustentar o crescimento diante de uma recessão na economia real de países desenvolvidos. E diversificamos bastante as relações comerciais com outros países.

ÉPOCA – A diferença está nas condições macroeconômicas do país?
Dilma –
Condições que nós construímos, mas não é só. Há uma diferença de atitude. Sabemos que a crise existe, é real e já nos afetou. Ela nos pega pela escassez mundial de crédito. Mas o governo tem perfeita tranqüilidade para lidar com isso. O presidente Lula não fica choramingando por um probleminha aqui, outro ali. Em vez de ficar apático, ou até de ser uma das maiores partes do problema, como nas crises antes de 2003, o governo hoje é um ator presente no cenário, com muitos instrumentos.

ÉPOCA – Por exemplo?
Dilma –
As medidas preventivas tomadas pelo BC e pela Fazenda mostram essa robustez. O uso de reservas para conter a especulação com a volatilidade do câmbio, o emprego dessas reservas diante de um crédito externo seco, quase desértico, a liberação do compulsório para irrigar o crédito. E as políticas setoriais, para a construção civil, a agricultura, com a ação do Banco do Brasil, da Caixa, do BNDES. São instrumentos de Estado para viabilizar o setor privado. Temos R$ 10 bilhões para o Fundo de Marinha Mercante, R$ 3 bilhões para a construção civil. Decidimos manter os programas sociais e os investimentos do PAC. Eles são importantes para nossa economia interna.

ÉPOCA – O ex-presidente Fernando Henrique, entre outros, diz que os gastos do governo criarão um problema fiscal grave, com o cenário de queda da arrecadação.
Dilma –
Ainda vamos ter de avaliar. Mas é preciso levar em conta, primeiro, que a economia vai continuar crescendo em 2009, mesmo que haja redução no ritmo. Estamos fazendo seguidos superávits primários e temos o excesso de arrecadação. Poderemos contar com um instrumento apresentado antes da crise, o Fundo Soberano. É um fundo fiscal, a poupança que podemos fazer com o excesso de arrecadação para carregar no tempo. A gente poupa nos dias bons para usar na hora de pior desempenho. O Fundo Soberano foi aprovado pela Câmara. Acreditamos que ninguém pode deixar de aprovar (no Senado) algo que seja o melhor para o país.

ÉPOCA – A oposição aposta no pior?
Dilma –
Não sei. Tendo a achar que nenhum cidadão brasileiro consciente aposta nisso. Agora, temo que as pessoas, em suas paixões, podem às vezes perder a razão. Quem aposta no pior é aquele tipo de pessoa que diz: “Ah... Quero ver se esse governo se desempenha bem numa crise”. Asseguro: teremos um dos melhores desempenhos no enfrentamento da crise. E estaremos em melhores condições para receber investimentos que outras economias, quando houver a retomada.

ÉPOCA – Amigos comuns dizem que a senhora e o governador José Serra têm idéias semelhantes sobre economia. Como seria uma disputa com ele em 2010?
Dilma –
Respeito muito o governador Serra. Que bom que tenhamos a mesma visão, mas andam imaginando coisas muito prematuramente. Como imaginar é livre, podem continuar imaginando.

ÉPOCA – O que iria diferenciá-los numa campanha?
Dilma –
Não vou discutir o que me diferencia do governador Serra, mas não estamos no mesmo projeto. O governador estava no projeto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Eu estou no projeto do presidente Lula.







O cérebro do roubo ao cofre

Com passado pouco conhecido,
a ministra envolveu-se em ações
espetaculares da guerrilha

Alexandre Oltramari

Antonio Milena
A ficha nos arquivos militares de Dilma Rousseff, hoje ministra das Minas e Energia: só em 1969, ela organizou três ações de roubo de armamentos em unidades do Exército no Rio de Janeiro






No atual governo, há dois ex-guerrilheiros com posto de ministro de estado. Um é o ex-presidente do PT, José Dirceu, ministro da Casa Civil, cuja trajetória política é bastante conhecida. Foi preso pelo regime militar, recebeu treinamento de guerrilha em Cuba e, antes de voltar às escondidas para o Brasil, submeteu-se a uma cirurgia plástica no rosto para despistar a polícia. O outro integrante do primeiro escalão com passagem pela guerrilha contra a ditadura militar é a ministra Dilma Rousseff, das Minas e Energia — mulher de fala pausada, mãos gesticuladoras, olhar austero e passado que poucos conhecem. Até agora, tudo o que se disse a respeito da ministra dava conta apenas de que combatera nas fileiras da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, a VAR-Palmares, um dos principais grupos armados da década de 60. Dilma Rousseff, no entanto, teve uma militância armada muito mais ativa e muito mais importante. Ela, ao contrário de José Dirceu, pegou em armas, foi duramente perseguida, presa e torturada e teve papel relevante numa das ações mais espetaculares da guerrilha urbana no Brasil — o célebre roubo do cofre do governador paulista Adhemar de Barros, que rendeu 2,5 milhões de dólares.

O assalto ao cofre ocorreu na tarde de 18 de julho de 1969, no Rio de Janeiro. Até então, fora "o maior golpe da história do terrorismo mundial", segundo informa o jornalista Elio Gaspari em seu livro A Ditadura Escancarada. Naquela tarde, a bordo de três veículos, um grupo formado por onze homens e duas mulheres, todos da VAR-Palmares, chegou à mansão do irmão de Ana Capriglioni, amante do governador, no bairro de Santa Teresa, no Rio. Quatro guerrilheiros ficaram em frente à casa. Nove entraram, renderam os empregados, cortaram as duas linhas telefônicas e dividiram-se: um grupo ficou vigiando os empregados e outro subiu ao quarto para chegar ao cofre. Pesava 350 quilos. Devia deslizar sobre uma prancha de madeira pela escadaria de mármore, mas acabou rolando escada abaixo. A ação durou 28 minutos e foi coordenada por Dilma Rousseff e Carlos Franklin Paixão de Araújo, que então comandava a guerrilha urbana da VAR-Palmares em todo o país e mais tarde se tornaria pai da única filha de Dilma. O casal planejou, monitorou e coordenou o assalto ao cofre de Adhemar de Barros. Dilma, no entanto, não teve participação física na ação. "Se tivesse tido, não teria nenhum problema em admitir", diz a ministra, com orgulho de seu passado de combatente.

"A Dilma era tão importante que não podia ir para a linha de frente. Ela tinha tanta informação que sua prisão colocaria em risco toda a organização. Era o cérebro da ação", diz o ex-sargento e ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, que adotava o codinome "Leo" e, em outra ação espetacular, ajudou o capitão Carlos Lamarca a roubar uma Kombi carregada de fuzis de dentro de um quartel do Exército, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. "Quem passava as orientações do comando nacional para a gente era ela." O ex-sargento conta que uma das funções de Dilma era indicar o tipo de armamento que deveria ser usado nas ações e informar onde poderia ser roubado. Só em 1969, ela organizou três ações de roubo de armas em unidades do Exército, no Rio. Quando foi presa, em janeiro de 1970, o promotor militar que preparou a acusação classificou-a com epítetos superlativos: "Joana D'Arc da guerrilha" e "papisa da subversão". Dilma passou três anos encarcerada em São Paulo e foi submetida aos suplícios da tortura.

Décio Bar
O capitão Carlos Lamarca, o maior mito da esquerda armada no Brasil, e Iara Iavelberg, com quem o capitão manteve um tórrido e tumultuado romance. Com Lamarca, Dilma Rousseff polemizou sobre os rumos da guerrilha, numa famosa reunião realizada em Teresópolis. Com Iara, ia à praia, falava de cinema, e tornaram-se confidentes

A atual ministra era tão temida que o Exército chegou a ordenar a transferência de um guerrilheiro preso em Belo Horizonte, o estudante Ângelo Pezzuti, temendo que Dilma conseguisse montar uma ação armada de invasão da prisão e libertação do companheiro. Durante o famoso encontro da cúpula da VAR-Palmares realizado em setembro de 1969, em Teresópolis, região serrana do Rio, Dilma Rousseff polemizou duramente com Carlos Lamarca, o maior mito da esquerda guerrilheira. Lamarca queria intensificar as ações de guerrilha rural, e Dilma achava que as operações armadas deveriam ser abrandadas, priorizando a mobilização de massas nas grandes cidades. Do encontro, produziu-se um racha. Dos 37 presentes, apenas sete acompanharam Lamarca. Ficaram com boa parte das armas da VAR-Palmares e metade da fortuna do cofre de Adhemar de Barros. Os demais concordaram com a posição de Dilma Rousseff.

A divergência com Carlos Lamarca não impediu Dilma de manter uma sólida amizade com a guerrilheira Iara Iavelberg, musa da esquerda nos anos 60, com quem o capitão manteve um tórrido e tumultuado romance. Dilma chegou a hospedá-la em seu apartamento, no Rio. Juntas, iam à praia, falavam de cinema, tornaram-se confidentes. Nos três anos que passou na cadeia, seu nome chegou a aparecer em listas de guerrilheiros a ser soltos em troca da libertação de autoridades seqüestradas — mas a ação que renderia sua liberdade foi malsucedida. Aos 55 anos, recentemente separada de Carlos Franklin de Araújo, Dilma Rousseff não lembra a guerrilheira radical de trinta anos atrás, embora exiba a mesma firmeza. "Ela é uma mulher suave e determinada", diz a jornalista Judith Patarra, autora do livro Iara, que conta a trajetória de Iara Iavelberg (1944-1971). "Quando a vi na televisão, percebi que Dilma continua a mesma. É uma mulher espetacular e será uma sargentona no governo. Ela não é mulher de meio-tom", resume o ex-companheiro de guerrilha Darcy Rodrigues.

Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: