O paradoxo de Okamotto Ao contrário de outros petistas encrencados, o amigo de Lula tem de provar que é mais rico do que declara ser. Ele pagou também uma dívida de Lurian Juliana Linhares
Rose Brasil/ABR
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O petista Paulo Tarciso Okamotto – ex-garçom, jornaleiro, vendedor de cerâmica, operário da Volkswagen e sindicalista – sempre levou uma vida modesta. Nunca concorreu a cargo eletivo, mora até hoje em um sobrado geminado em São Bernardo do Campo, na região do ABC, em São Paulo, avaliado em 100 000 reais e, como presidente do Sebrae, está bem distante do núcleo do poder do governo. Apesar de sua aparente irrelevância, Okamotto tornou-se o centro das atenções de parlamentares que apuram a corrupção no governo Lula. As investigações em torno dele devem incomodar o governo. Os sinais disso são as manobras para blindá-lo que já envolveram até mesmo o Supremo Tribunal Federal, na figura de seu prestimoso presidente, Nelson Jobim. O barulho em torno da quebra de seus sigilos fiscal e telefônico – reiteradamente pedida pela CPI e sucessivamente negada pelo STF – já dura quase dois meses. Parece exagerado? Não quando se sabe que Okamotto, além de amigo de Lula há quase trinta anos, é também o administrador das finanças pessoais do presidente e de sua família – uma espécie de "caixa eletrônico 24 horas" do petista, conforme o próprio Okamotto quis fazer crer em seu último depoimento à CPI dos Bingos, no ano passado. | Termo do acordo judicial que reduziu para 26 000 reais a dívida de Lurian paga por Okamotto em 2002: estranhamente, o documento omite o nome do titular dos cheques e o número de sua conta bancária |
O depoimento girou em torno do até hoje mal explicado episódio da dívida de 29 000 reais que Lula teria contraído junto ao PT em 2002, quando ainda era candidato. Na ocasião, Okamotto declarou que pagou o débito do próprio bolso, em 2003, sem nem sequer participar ao presidente seu gesto magnânimo. A história sem pé nem cabeça, a falta de documentos que a comprovassem e o depoimento dado mais tarde pelo ex-petista Paulo de Tarso Venceslau à mesma CPI (em que reafirmava que Okamotto era responsável pelo recolhimento de dinheiro para o caixa dois do PT junto a fornecedores de prefeituras petistas) levantaram na CPI a suspeita de que o atual presidente do Sebrae usou dinheiro de origem suspeita para saldar a dívida de Lula. O débito, no entanto, não foi o único pago por Okamotto em favor da família do presidente. VEJA apurou que, no mesmo ano de 2002, Okamotto saldou outra dívida, no valor de 26 000 reais, dessa vez contraída pela filha mais velha de Lula, Lurian Cordeiro Lula da Silva. Os valores envolvidos são baixos, mas eles têm um significado interessante, pois, proporcionalmente ao padrão de vida de Okamotto, são uma fortuna. Isso sugere que ou ele se colocou como missão da vida patrocinar Lula e sua família ou – o que é mais provável – Okamotto é apenas um canal de dinheiro que vem de outra fonte. Daniel Xu/AE
| Lurian: o sonho de virar política acabou em dívida de 26 000 reais |
Em 1996, Lurian, então com 22 anos, lançou-se candidata a vereadora em São Bernardo do Campo. Para montar seu escritório de campanha, alugou um conjunto de duas salas no centro de São Bernardo e pediu à mãe de uma amiga que fosse sua fiadora (VEJA se comprometeu a manter o nome das duas em sigilo). O escritório, na Rua Jurubatuba, 1025, funcionou de junho de 1996 a junho de 1997. Lurian foi derrotada nas urnas (teve 1.564 votos), deixou para trás o sonho de se tornar política e também uma dívida referente ao acúmulo dos doze aluguéis de seu gabinete político, nenhum deles pago. A amiga, cuja mãe havia servido de fiadora no contrato, cobrou Lurian por mais de quatro anos. Ao final do período, com a mãe já sendo processada pelo dono da casa, ela ameaçou vir a público transformar o episódio em escândalo. Foi nesse momento que Okamotto entrou em cena. O amigo de Lula procurou a amiga de Lurian e prometeu assumir a dívida. Assim foi feito. Em acordo com o dono da casa alugada para Lurian, Okamotto reduziu o débito para 26.000 reais (a certa altura do processo a dívida chegou a 34 750 reais) e quitou-o em duas vezes. A primeira parcela, segundo mostra o documento judicial que relata os termos do acordo, foi paga no dia 22 de abril de 2002, mediante dois cheques totalizando 12.000 reais. A segunda parcela, no valor de 14.000 reais, foi paga em 20 de junho do mesmo ano. Em relação a ela, o texto do acordo não faz menção a cheques, o que leva a supor que tenha sido quitada em dinheiro. Estranhamente, o acordo traz apenas o nome do banco e o número da agência bancária à qual pertencem os cheques que saldaram a primeira parcela da dívida. Omite o nome de seu titular e o número da conta. O documento também não menciona o nome de Lurian nem o de Okamotto. Está assinado por duas advogadas – a que representa a fiadora e a que representa o proprietário do imóvel. Procurado por VEJA, o presidente do Sebrae recusou-se a dar entrevista. Limitou-se a dizer que não teve "participação na campanha de Lurian" e que, por causa disso, nada teria a declarar. No ano em que pagou a dívida de Lurian, Okamotto declarou à Receita Federal ter recebido 45.679 reais – a soma do seu salário no PT, mais rendimentos da aposentadoria e de um plano de previdência privada. Caso tenha pago a dívida de Lurian novamente do próprio bolso, a exemplo do que diz ter feito com a de Lula, o amigo do presidente terá gasto, com isso, mais da metade de tudo o que ganhou em 2002. Seu desafio, nesse caso, será provar que era mais rico do que aparentava, exatamente o contrário do que costuma ocorrer entre outros personagens da atual safra de escândalos. Marcos Fernandes
| A casa de Okamotto: vida modesta |
Os "gestos altruístas" de Okamotto têm razão de ser. Ele e o atual presidente da República se conheceram no fim de 1970, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. O temperamento extrovertido de Lula, então líder sindicalista, contrapunha-se aos modos reservados de Okamotto. Apesar dessas diferenças, a amizade prosperou. Lula passou a rebocar o amigo, para cargos dentro do sindicato. De 1981 a 1984, Okamotto foi tesoureiro da instituição. Também participou da fundação do PT. Presidiu o diretório estadual do partido e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os laços de confiança entre os dois se fortaleceram ainda mais depois que Okamotto coordenou a campanha de Lula a deputado em 1986 e assumiu o cargo de tesoureiro de sua campanha a presidente em 1989. Desde então, Okamotto passou a cuidar com especial atenção também da economia doméstica de Lula. O presidente tem retribuído à altura a dedicação do amigo. Foi ele quem, pessoalmente, telefonou para o então presidente Fernando Henrique Cardoso, no fim de 2002, pedindo que assinasse a nomeação de Okamotto para uma das diretorias do Sebrae. O petista já estava eleito e queria que a nomeação ocorresse antes do fim do período de transição. Okamotto foi promovido à presidência do órgão no ano passado. Além desse emprego, que lhe rende um salarião de 25.000 reais, o amigo de Lula ainda tem participação em uma importadora e exportadora de mármore e granito, chamada SRB Granite, em Mauá. A empresa, criada em 2004, tem como sócios, além dele, o americano Richard John Farster e Sandra Regina Barbosa Fornazier, ex-secretária do petista. Até 2003, Okamotto também era sócio da Red Star, empresa que vende artigos com a marca PT. Ela hoje está no nome de sua mulher e de sua filha. Na semana passada, algumas das transações da Red Star com o PT foram consideradas suspeitas pela CPI, que começará a investigar a empresa. Dívidas alheias pagas com dinheiro do próprio bolso, cheques misteriosos, transações esquisitas... O amigo do presidente, como se vê, é uma caixinha de surpresas. Isso explicaria tanto empenho em mantê-la trancada. |
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